CEO pode ser responsabilizado se agiu com pouca transparência e omissão

Autor: Carlos Henrique Abrão (*)

 

A fenomenologia da globalização internacional mudou fundamentalmente a estrutura das macrocompanhias e seu tratamento dispensado aos acionistas minoritários e demais investidores. Não é incomum encontrarmos atos que simbolizam prejuízo e desmandos dentro do âmbito societário. E, se a ação não for ajuizada pela companhia para reaver o prejuízo, o acionista prejudicado, ou investidor, tem legitimidade para a propositura da demanda.

O artigo 159, parágrafo 7º, da Lei de S/A, o Diploma Normativo 6.404/76, elenca essa possibilidade, porém, alguns procuram distinguir a ação universal (ut universi) daquela individual (ut singuli) para tentar decodificar a necessidade do quórum de cinco por cento, o que não se afigura exato e correto dentro da interpretação relacionada aos administradores.

O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.207.956-RJ, relator ministro João Otávio de Noronha, enfrentando o tema, ao dar provimento ao recurso, salientou que a finalidade da regra é reparar o dano experimentado não pela companhia, mas pelo próprio acionista ou terceiro prejudicado, isto é, o dano direto causado ao titular de ações societárias ou a terceiro por ato do administrador ou dos controladores.

Esse tipo de demanda não depende, por se cuidar de ação individual, da deliberação de Assembleia Geral para ser proposta, quando os danos são provocados em detrimento da companhia, vigoram os parágrafos 3º e 4º do art. 159, visando demandas ut universi e ut singuli, as quais trazem, para a sociedade anônima, de forma a minimizar seus danos, os recursos financeiros dilapidados.

E, quando cogitamos dessa ação, a ser proposta dentro do prazo de três anos, contados da prática do ato, de sua identidade danosa, temos em mente que o lapso prescricional não estará fluindo se o ato tiver a característica de fraude, de corrupção ou de ilicitude.

Caberia afirmar que haveria a probabilidade de se emprestar da sentença penal condenatória o reflexo para, no juízo cível, se tentar receber prejuízos decorrentes do comportamento do administrador? A partir do trânsito em julgado da decisão criminal, uma nova luz se acende, eis que o administrador, considerando diretores e conselheiros, veio a ser punido e o rigor da tipicidade geral, por consequência, reflexos na seara da responsabilidade civil especial, configurado pela lei do anonimato.

E se a decisão proviesse de corte estrangeira, a qual se incumbisse de responsabilizar a empresa e identificar quais os administradores que agiram em detrimento do ente societário, teríamos elementos para caminhar na esfera da reparação do dano?

O que sucede é a existência de tratado ou convenção internacional que assim permita, mas, se a empresa não mostrar vocação, vontade, interesse, a fim de reaver o dano que seu ex-administrador praticou, a delegação confere ao acionista prejudicado e qualquer investidor, independentemente do coeficiente acionário, essa qualidade.

A distinção é bastante clara e transparente, quando a empresa processa o seu antigo administrador, ela busca reaver o dano que ele praticou e, assim, repor aos seus cofres o prejuízo, mas, se a diretriz for do alcance do acionista minoritário ou do investidor, o reflexo será diverso. Em outras palavras, quando um prejudicado ou grupo deles tenta agir dessa forma, não cabe a incidência do juízo arbitral, por se cuidar de ato manifestamente ilícito, já tratado e enquadrado na esfera criminal.

Dessa forma, o prazo de três anos disciplinado pelo legislador ordinário não teria se iniciado se a circunstância revelar fraude, dolo ou culpa consciente e enraizar seu modo de proceder no campo penal.

Trata-se, na realidade, como bem enfatizam alguns, de um crime continuado que fora iniciado em data certa e determinada, mas não extirpado em período definido, de tal sorte que o acionista pode se valer de entidade de classe para ajuizar uma ação coletiva, no propósito de sedimentar, de modo amplo e palpável, os espectros da conduta do então administrador e suas consequências no cenário existente.

As empresas, notadamente as sociedades de economia mista, têm auditorias independentes, mas elas se poupam, por motivos que não vêm à baila, e relegam qualquer informação transparente e clara a suscitar o prejuízo material quantificado, o que gera total desproteção, e o vínculo será de ver os índices internacionais de cotação do produto, sua valorização no exterior e a desvalorização no mercado local.

O prejuízo contábil patrimonial não pode e nem deve ser descartado, eis a realidade nua e crua à qual se associa, pois que condutas encetadas por pessoas estranhas aos atos societários se conduziram de molde a desviar recursos e colocar em risco a sobrevivência da empresa. E aqui pouco importa dizer que a recuperação sucedeu no exterior em importância menor, no sentido de termos uma responsabilidade objetiva da empresa na catalogação dos riscos que o órgão regulador supervisiona e de conotação subjetiva, por causa de condutas exteriorizadas nas pessoas dos seus administradores.

O cálculo, necessário precisar, não pode se limitar a um participante ou poucos, já que o prejuízo é multiforme, mas, se evidentemente caracterizado estiver o valor, poderá ser reclamado e fazer parte, por integrar um fundo de prejuízo que terá por escopo minimizar as perdas, e alertar para as ações de responsabilização dos administradores das companhias.

O presidente da empresa também poderá ser responsabilizado se consentiu, se omitiu, ou agiu de forma pouco transparente e não se valeu da diligência de um homem comum preocupado com o risco do negócio. E essa premissa fica mais evidente quando são realizados negócios de vulto, no Brasil e no exterior, e não há um pronunciamento mais específico ou de caráter satisfatório, mediante a contratação de empresas sérias e especificamente vinculadas ao ramo de negócio.

Embora não seja tradição do direito societário brasileiro a imposição de responsabilidades diretas aos administradores, vivencia-se cada vez mais esse salto de qualidade em torno de um arejamento e completo planejamento na dicção da governança corporativa.

As empresas que negociam seus papéis em bolsa, mercado primário ou secundário, devem, antes de mais nada, ter uma vocação de transparência e neutralidade dos negócios, sem insider trading, ou information, privilegiamento de informações, ou efeitos perversos provocados por notícias artificiais e descompassadas com a realidade.

O futuro do nosso mercado acionário, para além da posição de fiscalização do órgão regulador, depende de ações judiciais as quais mostrem que o acionariato está atento e os investidores, preocupados com as mazelas, falcatruas que invariavelmente rebaixam o rating das empresas, despedem trabalhadores e nos lançam para a decepção de operações malsucedidas em todos os sentidos.

 

 

 

 

Autor: Carlos Henrique Abrão é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg (Alemanha). Tem doutorado pela USP e especialização em Paris.


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