Autor: Claudio Lamachia (*)
A celebração do Dia da Advocacia neste 11 de agosto, é sempre ocasião oportuna para reflexões de fundo sobre a realidade política nacional — mais ainda em momento de crise político-institucional como o atual, com grande protagonismo do Judiciário.
A advocacia envolve-se de tal forma com os destinos da nação que é impossível dissociá-los. É a única profissão a desfrutar de status constitucional. O artigo 133 estabelece que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Isso significa que, quando se fala em prerrogativas da advocacia, não se está postulando um privilégio, senão o cumprimento de princípio inalienável à produção de justiça. Sem o advogado, não há o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal. Não há, numa palavra, justiça.
O que se observa no Brasil de hoje, no entanto, é o sistemático desrespeito a essas prerrogativas. Há dias, foi preciso que a Ordem dos Advogados do Brasil requeresse ao ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, providências contra infrações às prerrogativas dos advogados que atuam perante as unidades do Departamento de Polícia Federal. Foi preciso citar a Lei 8.906/94 (o Estatuto da Advocacia e da OAB) e a Súmula Vinculante 14, do Supremo Tribunal Federal.
Com base numa portaria, simplesmente foram impedidos advogados de ter acesso a seus clientes, detidos numa penitenciária federal em Mato Grosso do Sul. Uma simples portaria pretendia fazer letra morta de lei federal e de súmula vinculante do Supremo. Fomos, obviamente, atendidos. Mas, em circunstâncias normais, tal anomalia simplesmente inexistiria — e configuraria um escândalo, de ampla repercussão nacional.
Mas, como não se tratou de uma exceção, mas, ao contrário, de prática recorrente, a surpresa deu-se exatamente pelo acolhimento ao ofício da OAB.
A conjuntura presente, marcada pela operação “lava jato”, ao tempo em que entusiasma a opinião pública, pela quebra da impunidade em segmentos da elite política e econômica do país, historicamente impermeáveis à ação da Justiça, exige vigilância para que, em nome dessa mesma Justiça, não se violem seus fundamentos essenciais. Não se pode cometer o crime cometendo outro crime. Até o pior dos bandidos tem direito ao devido processo legal. Justiça sumária não é justiça: é arbitrariedade.
A OAB, que sempre combateu a corrupção — sobretudo na vida pública —, é aliada do presente processo de saneamento da vida política do país, que consolidou relações incestuosas entre o grande capital privado e o Estado, lesando a sociedade e mergulhando o país numa das piores crises de sua história.
Não se opõe, pois, contra o presente processo decorrente da “lava jato”. Muito pelo contrário.
Quer que observe o rito processual na sua inteireza para que, no futuro, não venha a ser questionado, pondo em dúvida a responsabilidade dos infratores. E isso exige que a advocacia exerça plenamente suas prerrogativas. Sem ela, não há justiça, diz a Constituição; sem ela, teríamos um Estado Policial.
Em alguns momentos, quando se nega ao advogado acesso aos autos para que possa exercer a defesa de seu cliente, o quadro é exatamente esse. Como defender alguém — e, repito, até o mais abominável criminoso tem direito à defesa —, se não se sabe exatamente do que é acusado? Isso tem ocorrido, com frequência assustadora. E o justo protesto que provoca tem ensejado ameaças e prisões arbitrárias de advogados, sem os devidos fundamentos legais.
A inviolabilidade do local de trabalho do advogado, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas e afins, salvo em caso de busca ou apreensão determinadas por magistrado e nos exatos termos da lei, é prerrogativa elementar, também ignorada com frequência, quando se pretende uma justiça sumária.
Não se pode politizar a ação judicial ou policial, sob pena de se atropelar a verdadeira justiça.
Há um anseio da opinião pública, compreensível e até justificável, de romper a impunidade, sobretudo quando no banco dos réus estão representantes da elite dirigente do país. O estímulo da mídia, alimentada por vazamentos parciais dos processos, dá, por vezes, contornos de teatralidade ao rito judicial, violando-o.
O que se busca, no entanto, é justiça, não catarse. No Estado democrático de Direito, representa-se o povo — e não perante o povo. A advocacia é o instrumento de defesa da sociedade. Quando é despojada dos seus meios de ação e apresentada como vilã de um processo, em que de fato é o oposto, algo está fora da ordem.
Autor: Claudio Lamachia é advogado e presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).