Reforma do Estado deve preceder a tributária

Autor: José Américo Leite Filho (*)

 

Antes de falar em reforma tributária e se é possível desenvolver o tema em tempo de crise, é necessário falar sobre teoria do Estado para nos questionarmos: queremos uma reforma do Estado? Pois falar em reforma tributária, antes de saber a resposta para esta pergunta, é querer tratar das consequências sem tratar das causas.

Para a resposta negativa, serão também negativas as chances de uma reforma tributária. Neste cenário, a questão central é sobretudo o montante arrecadado e como estamentos políticos e burocráticos se apropriam destes recursos para conservarem suas estruturas de poder. Apenas se a resposta for positiva é que teria cabimento se falar em reforma tributária. Mas o que significa fazer uma reforma do Estado brasileiro?

Raymundo Faoro, sobre a origem do Estado brasileiro, ensina que a “conquista da terra e a colonização foram obras do rei, que as orientou até nos detalhes mínimos. A iniciativa particular foi, ela própria, filha das vantagens e favores do Estado: agia sob a proteção e a tutela do rei e seus agentes. Certo, a colônia de plantação não era empresa pública, mas de interesse público, amparada pela vigilância de uma vontade onipresente, encarnada nos capitães, que cumpriam um mandato público”[1].

Ensina, ainda, que o “estudo da colonização brasileira não pode ser desenvolvido pelo símile das colônias inglesas da América do Norte. Lá prevaleceu, efetivamente, a iniciativa particular, sem nenhuma sombra de agenciamento e regulamentação estatais. Assim ocorreu com a ‘Virginia Co. of London’, fundada em 1606, com o capital de particulares, sendo o maior sócio Lord Delaware. Da mesma maneira se passou com Maryland, colonizada por Lord Baltimore, e com a extensa área entre a Virgínia e a Flórida (‘Carolina’), com os oito proprietários que lhe propiciaram a venda e povoação […]” e conclui que a “[…] diferença de estrutura das duas colonizações americanas – a portuguesa e a inglesa – decorria da diversa constituição do Estado, em uma e outra nação. Portugal, na era seiscentista, já se havia consolidado em Estado absoluto, governado por um estamento burocrático, centralizador. A Inglaterra, ao contrário, discrepando da orientação histórica continental, definiu-se numa transação capitalista industrial e feudal, repelindo a centralização burocrática. O contingente dos capitais dos proprietários territoriais, com terras e minas, desenvolveu-se no capitalismo industrial, ou com este aliando-se, na construção do engenhoso mecanismo constitucional garantidor das liberdades e assegurador dos direitos subjetivos”.

Desde a proclamação da República, duas ideologias embalaram várias gerações de brasileiros: o Positivismo e o Esquerdismo, ambas propugnando o Estado indutor da sociedade. Com a República Nova, o Estado recebeu o incremento de novos estamentos burocráticos a guiar a vida dos particulares. Durante o período militar, em que pese a clareza de intelectuais como Roberto Campos, por tradição das próprias Forças Armadas, o regime foi marcado por políticas positivistas. E recentemente, encerrou-se um período de treze anos de um governo esquerdista que levou o país a uma depressão econômica histórica ao apostar no desenvolvimentismo sonhado na ilha utópica dos comunistas.

Portanto, agora é a hora certa para fazermos aquela pergunta chave: queremos reformar o Estado brasileiro?

Falar em reforma do Estado é falar na redução dos estamentos burocráticos, que a pretexto do desenvolvimento se imiscuíram como agentes principais no seio da sociedade. Tornando-o caro e ineficiente. A par disso, falar em reforma tributária é falar em garantias cada vez maiores e constitucionais de proteção do contribuinte. Franquear a ordem pública e o desenvolvimento social aos privados, assegurando-lhes todos os seus direitos subjetivos.

Neste contexto, o núcleo axiológico do direito tributário brasileiro, conforme consignado no Código Tributário Nacional (CTN) e na Constituição, não merece reforma, senão ratificação. Em relação ao sistema de valores emanados do CTN e da Carta Máxima, a reforma tributária que se faz necessária é de ordem prática e deve se aplicar ao comportamento dos agentes de fiscalização, afinal, estes muitas vezes atuam como fontes do direito e indiferentes à Lei e à Constituição.

Sendo certo que no bojo da reforma do Estado está a redução dos estamentos burocráticos e da própria burocracia, como consequência natural, a reforma tributária deve espelhar esta simplificação. Para que, dessa forma, economizem-se meios a fim de que o contribuinte possa cumprir suas obrigações tributárias (principais e acessórias) com segurança jurídica. Neste sentido, já há algumas propostas colocadas na mesa que gozam de consenso de setores produtivos e de doutrinadores, mas que estão inertes, aguardando que aquela condição primeira se satisfaça.

 

 

 

 

Autor: José Américo Leite Filho é diretor jurídico da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil).


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