Autor: Ricardo Lima Melo Dantas (*)
Após longa tramitação e discussão acerca da legalidade ou não do processo de impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff perante o Congresso Nacional; e ainda não superada a segregação do país após a disputadíssima eleição presidencial de 2014, decidida por pequena margem de votos; tudo isso aliado ao atual período eleitoral para preenchimento de cargos nas Câmaras Municipais e Prefeituras; acirrou-se (e muito) o debate político.
Quer dizer, cidadãos que se perfilam à “esquerda”, à “direita” ou até os de “centro”, têm se tornado cada vez mais aguerridos na defesa de suas ideologias e valores, ainda que extrapartidários, o que vem desencadeando conflitos de toda ordem, que não raro descambam para ofensas morais e até físicas, perpetradas principalmente pela rede mundial de computadores.
Pois bem, postas as coisas desta forma, o presente artigo jurídico visa encontrar os eventuais delitos previstos na legislação vigente que se prestam a coibir esse tipo de excessos, seja de candidato para candidato, seja de eleitor para candidato ou vice-versa. Vejamos.
A Constituição Federal de 1988 (CF/88) preconiza em seu artigo 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
A Carta Maior também garante, no mesmo artigo, que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (inciso IV); e que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (inciso IX). Tal manifestação de pensamentos, mormente na seara política, pode se dar de modo individual ou coletivo. Nesse sentido, “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente” (inciso XVI).
Então, cada qual pode ter suas convicções políticas e externa-las livremente, desde que não se sirva do anonimato para tanto, pois que os excessos perpetrados podem invadir direitos alheios, causando-lhe prejuízos de diversas ordens. Daí que a própria Carta Maior prevê que excessos serão punidos! Nesse sentido o artigo 5º da CF/88 dispõe que: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (inciso V). Além disso, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”(inciso X).
Assim é que os direitos políticos previstos no artigo 14 e seguintes da CF/88 estão inseridos dentre os “Direitos e Garantias Fundamentais” (Título II), podendo ser exercidos mediante a criação de partidos políticos, na forma de seu artigo 17, que explicita que: “é livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana (…)”. As únicas vedações da CF/88 são de que tais partidos não podem adotar caráter paramilitar, ou serem criados para fins ilícitos (artigo 5º, inciso XVII).
Pois bem, postas as coisas desta forma, convém lembrar que a República Federativa do Brasil tem por “Princípios Fundamentais” (Título I), dentre outros: “a dignidade da pessoa humana” (artigo 1º, inciso III) e “o pluralismo político” (artigo 1º, inciso V). Daí porque os excessos devem (e são) punidos na legislação constitucional e infraconstitucional, até porque, conforme o artigo 3º da CF/88 “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil”: “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (inciso I); e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Daí a razão de o artigo 5º, inciso II, da Carta Maior, asseverar que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Quer dizer, não se pode coagir/constranger terceiras pessoas a pretexto de externar sua opinião política. Muito menos fazer de seu entendimento nessa seara a mola propulsora para a prática de uma segregação, que pode configurar “racismo”, duramente punido, na forma do artigo 5º, inciso XLII da CF/88, que prevê que tal prática “constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.
Nosso Código Civil (Lei 10.406/2002), em seu artigo 186, prevê que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Quer dizer, deve reparar o dano causado, sendo que, na forma do artigo 944 do mesmo Código “a indenização mede-se pela extensão do dano”.
Já na seara criminal, diversos são os dispositivos legais que visam coibir excessos dos cidadãos (candidatos ou não) no que toca às convicções políticas, seja no campo moral ou no campo da liberdade ou integridade física.
Sucede que o primeiro rincão que é irrompido pelo cidadão que decide atacar aquele que tem opinião política divergente; de modo ilícito; se dá mediante ofensas morais, que podem configurar os delitos de calúnia, difamação ou injúria, conforme o caso. Segundo o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940), se houver imputação falsa de “fato definido como crime” ao terceiro (vítima) haverá calúnia, com pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa (artigo 138). Já a imputação de “fato ofensivo à sua reputação”representa difamação, punida com detenção, de três meses a um ano, e multa (artigo 139). Há ainda a previsão de injúria como crime (artigo 140):“Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa”. Portanto, o ofendido pode pleitear danos morais na esfera cível e ainda se valer da Justiça Criminal, via ação penal privada, para punir o infrator.
No que concerne à injúria, aliás, ela pode ser qualificada: A. Se decorrer de“vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência” (artigo 140, §2º, do CP); B. Se “consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena – reclusão de um a três anos e multa” (artigo 140, §3º, do CP); é a chamada injúria racial. Neste último caso somente se procede mediante representação do ofendido, aliás.
Importante ressaltar que, tanto nos crimes de calúnia, difamação ou de injúria, conforme artigo 141 do CP: “as penas cominadas (…) aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: I – contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro; II – contra funcionário público, em razão de suas funções; III – na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria; IV – contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria”. Mais: “se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro” (parágrafo único).
De outra banda, se houver “discriminação” ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, no sentido excludente da pessoa vitimada (via de sua segregação derivada de tais motivos), estar-se-á diante do delito de racismo, e não de injúria racial (que é mais brando). O crime de racismo está previsto (em linhas gerais) no artigo 20 da Lei nº 7.716/1989, do seguinte modo: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional: Pena: reclusão de um a três anos e multa”. Lembrando que a CF/88 diz que tal delito é inafiançável e imprescritível.
Importante anotar que, sendo praticadas no âmbito da “propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda”, a calúnia, difamação e injúria configuram delitos específicos, tipificados nos artigos 324, 325 e 326, respectivamente, do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965), com as seguintes penas: “detenção de seis meses a dois anos, e pagamento de 10 a 40 dias-multa” (calúnia); “detenção de três meses a um ano, e pagamento de 5 a 30 dias-multa” (difamação); e “detenção até seis meses, ou pagamento de 30 a 60 dias-multa” (injúria). As infrações penais definidas neste Código são de ação pública incondicionada, ou seja, o Ministério Público age de ofício.
Aliás, a chamada “Lei Geral das Eleições” (Lei nº 9.504/1997), estabelece em seu artigo 57-H, §1º, que: “Constitui crime a contratação direta ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação, punível com detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)”. O §2º do mesmo dispositivo preconiza que: “Igualmente incorrem em crime, punível com detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, com alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), as pessoas contratadas na forma do §1º”. Ações públicas e incondicionadas.
Mas, pode ser que, ao invés de ofensa pessoal, o infrator resolva coagir moralmente a vítima, com o intuito de fazer prevalecer sua opinião política. Neste caso, o caso se amoldaria ao delito de ameaça, previsto no artigo 147 do CP, que assim preconiza: “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa”. Neste caso somente se procede mediante representação do ofendido, condição de procedibilidade do Ministério Público (ação penal pública condicionada).
Entretanto, se essa coação moral for mais grave, ou decorrer de coação física por parte do agressor, estar-se-á diante do delito de constrangimento ilegal, que é mais grave. Sua tipificação é encontrada no artigo 146 do CP, vejamos:“Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa”. A pena aplica-se em dobro, aliás, “quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas” (§1º). Ademais, no caso de violência “além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência” (§2º). Aqui a ação penal é pública incondicionada, agindo o Ministério Público por dever de ofício.
Seguindo a exposição, temos ainda a possibilidade de que a imposição de pensamento político advenha pura e simplesmente do emprego da violência física. Em tais casos, se ela é voltada a objetos pertencentes à vítima (bens corpóreos – móveis ou imóveis), estaremos diante do delito de dano, assim previsto no artigo 163 do CP: “Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa”. Neste caso a ação penal é privada, ou seja, depende de queixa-crime, a ser apresentada pelo ofendido, via de seu advogado. Diferentemente do que ocorre se o crime de dano for qualificado, quando a ação penal é pública incondicionada. Vejamos tais hipóteses, previstas no parágrafo único do mesmo artigo: “Se o crime é cometido: I – com violência à pessoa ou grave ameaça; II – com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave; III – contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista; (…) Pena – detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência”.
Por fim, pode ser que a violência seja voltada à integridade física da vítima. Em tais casos, pode ser que haja: A. Lesão corporal leve, com pena de detenção, de três meses a um ano (artigo 129, caput, do CP); B. Lesão corporal grave, com pena de reclusão, de um a cinco anos (artigo 129, §1º, do CP); C. Lesão corporal gravíssima, com pena de reclusão, de dois a oito anos (artigo 129, §2º, do CP); ou ainda D. Lesão corporal seguida de morte, com pena de reclusão, de quatro a doze anos (artigo 129, §3º, do CP). Já se a intenção do agente era mesmo “matar alguém”, a capitulação passa ao artigo 121 do CP, que prevê o crime de homicídio, que pode ser simples, com pena de reclusão, de seis a vinte anos (caput), ou qualificado, com pena de reclusão, de doze a trinta anos (§2º).
Em quaisquer dos casos acima narrados, associando-se “3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer” tais crimes, poderá ainda haver a capitulação legal prevista no artigo 288 do CP (antigo delito de “quadrilha”), cuja pena (que será somada àquela prevista para eventuais crimes cometidos) é de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. Pena esta que pode ser aumentada “até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente” (parágrafo único).
Enfim, a CF/88 assegura a todos os cidadãos: direitos políticos, liberdade de expressar suas ideias políticas e direito à associação política (na forma de agremiações/partidos). Mais: é possível que tal expressão política se dê de modo verbal, escrito ou gestual, nas ruas ou em qualquer veículo midiático. Ainda: pode ser individual ou manifestada coletivamente. Tudo isso é lícito!
Porém, nem tudo é permitido, pois é preciso respeitar as convicções alheias, de forma que os direitos assegurados a todos não sejam utilizados por uns para suprimir (ou sobrepujar) os de outros, mediante ofensas, discriminação, ameaças ou mesmo violência física. Se a coisa for por aí há um vasto cabedal legislativo no intuito de punir os eventuais infratores, conforme narrado acima.
Autor: Ricardo Lima Melo Dantas é advogado do Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados.