Autor: Eduardo Pragmácio Filho (*)
Em tempos em que se discute uma possível reforma trabalhista no direito brasileiro, um dos pontos que gera mais polêmica é o da regulamentação da terceirização. Há muita desinformação e propaganda enganosa, tornando o assunto uma espécie de mito, o qual precisa ser derrubado.
Primeiramente, importante separar a terceirização que ocorre no setor público daquela no setor privado. A do setor público é uma espécie de câncer, uma burla ao concurso público, fonte de acomodação de “cabide de empregos” no jogo político, altamente precarizadora e danosa. Não é dela que pretendo tratar.
A terceirização no setor privado, inicialmente, ocorreu pela evolução natural dos processos produtivos, a empresa foca no seu “core business”, passando a terceiros atividades que para ela são menos importantes e não agregam valor ao negócio. São exemplo disso as atividades-meio, como contabilidade, logística, asseio e conservação etc.
Atualmente, muitas empresas no mundo terceirizam até a atividade-fim, passando para terceiros a manufatura de seus produtos, ficando a empresa-mãe mais preocupada com a concepção e valor da marca de seus produtos e a respectiva venda e promoção.
O maior problema é que no Brasil não existe uma lei regulamentando a terceirização. E como em outros diversos casos, o Judiciário é quem acaba “regulando” o que deve ser feito quando o assunto é terceirização de emprego. Há apenas o entendimento da jurisprudência do TST, contido na Súmula 331, a qual entende que não se pode contratar empregados por empresa interposta, salvo nas hipóteses de trabalho temporário (Lei 6.019/74) e nas atividades de asseio e conservação, vigilância e altamente específicas, sob pena de se configurar o vínculo de emprego com a empresa tomadora.
A empresa terceirizada, segundo a Súmula 331 e nessas atividades em que o TST entende serem lícitas, responde primeiramente pelos débitos trabalhistas, tendo a tomadora dos serviços a responsabilidade subsidiária por eventuais débitos.
Muito se fala que a terceirização significa precarização, retrocesso social, diminuição de salários, perda de direitos, etc. Isso pode acontecer, é verdade. Para evitar isso, bastaria que a regulamentação estabelecesse dois pontos cruciais: igualdade de direitos entre os trabalhadores da terceirizada e os da tomadora de serviços e responsabilidade solidária entre as empresas terceirizada e tomadora.
Isso evitaria, a um só tempo, a precarização das condições de trabalho e traria garantia de efetividade no recebimento de eventuais créditos trabalhistas por parte dos empregados eventualmente lesados.
Ora, se o “custo” da mão de obra seria o mesmo (dada a igualdade de direitos entre os trabalhadores da terceirizada e os da tomadora), com o acréscimo da “taxa de administração”, por assim dizer, da empresa terceirizada, tal terceirização não se tornaria mais cara do que empregar diretamente? Em princípio sim.
Imagine um condomínio vertical com vários apartamentos e várias famílias. Os condôminos, por meio do síndico, poderiam contratar os porteiros, zeladores, garagistas etc. diretamente ou por empresa de administração condominial. Qual seria a hipótese mais barata? Contratar diretamente. E qual seria talvez a escolha dos condôminos?
Entregar tal serviço a uma empresa terceirizada e pagar a “taxa de administração” por tais serviços. A escolha das famílias se dê, talvez, para atender ao “core business” familiar: paga-se mais para não se perder tempo com atividades que não interessam ao convívio familiar.
E, assim, as empresas só terceirizariam se fosse, ao final, mais vantajoso para a sua atividade, ainda que mais “caro”, evitando ao mesmo tempo a precarização das condições de trabalho.
O mito da terceirização precisa ser derrubado. É possível conciliar a livre iniciativa com a promoção de um trabalho decente. A legislação trabalhista precisa ser atualizada, especialmente regulamentando-se a terceirização, para acompanhar as constantes mudanças na economia, cada vez mais impactada pela tecnologia e pela globalização.
Autor: Eduardo Pragmácio Filho é mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sócio do escritório Furtado, Pragmácio Filho & Advogados Associados, professor adjunto da Faculdade Farias Brito, em Fortaleza (CE) e autor do livro “A boa-fé nas negociações coletivas trabalhistas”.