Pagamento por cessação de conduta no Cade extingue punição criminal por cartel

Autor:  Carlos Eduardo Scheid (*)

 

Nos procedimentos instaurados perante o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a celebração de termo de cessação de conduta, envolvendo empresas investigadas, acarreta a extinção da punibilidade das pessoas físicas implicadas em persecuções criminais pelo crime de cartel, desde que o pagamento da taxa ocorra antes do recebimento da denúncia.

Importante mostra-se esclarecer, nessa perspectiva, que o artigo 85 da Lei 12.529/11 estabelece que esse valor pecuniário apresenta uma finalidade específica e vinculada, qual seja, o financiamento do Fundo de Defesa de Direitos Difusos do Ministério da Justiça (FDDD).

Tem-se como correto, a partir desse cenário, que esse recolhimento tem natureza jurídica de tributo (taxa), de maneira que o seu pagamento, se levado a efeito no momento adequado, extingue a punibilidade, em observância ao artigo 34 da Lei 9.429/95.

Realmente, uma análise técnica da matéria evidencia que o valor pecuniário, estabelecido no termo de cessação de conduta, é taxa (imposto), aplicando-se, assim, essa causa de extinção da punibilidade, porquanto ela açambarca os “crimes definidos na Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990”, pouco importando se contra a ordem tributária ou a ordem econômica. Vejamos, pois:

De logo, observa-se que o Código Tributário Nacional, em seu artigo 3º, define tributo como sendo “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Em tal passo, verifica-se que a prestação pecuniária, paga ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), não se constitui em sanção, mas em cláusula em que as partes aderem antes do julgamento administrativo (quando, em tese, poderia haver punição), motivo pelo qual exsurge, desde já, o primeiro dos requisitos para o seu enquadramento como um tributo.

De outro giro, o artigo 184 do Regimento Interno do Cade esclarece que esse pagamento é compulsório, uma vez que, “tratando-se de investigação de acordo, combinação, manipulação ou ajuste entre concorrentes, o compromisso de cessação deverá, necessariamente, conter a obrigação de recolher ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos um valor pecuniário, que será estabelecido durante o processo de negociação e que não poderá ser inferior ao mínimo previsto no artigo 37 da Lei 12.529, de 2011.

De mais a mais, como os valores pagos estão diretamente vinculados ao custeio de um fundo criado para a reparação de danos a direitos difusos (FDDD), entre os quais se incluem os oriundos das práticas que são investigadas pelo Cade, força é reconhecer-se que se está diante da hipótese de tributo denominada taxa, a qual é cobrada “em razão do exercício do poder de polícia. As taxas, diferentemente dos impostos, são tributos com finalidade específica a determinar o destino do seu produto [1]”.

Inclusive, um dos elementos do reconhecimento de uma taxa, conforme assentou o Supremo Tribunal Federal [2], é o dado de ela ser diretamente vinculada com o poder de polícia [3] da administração pública [4].

No caso estudado, o fundamento do poder de polícia do Cade — quando da exigência de pecúnia nos termo de cessação de conduta — está diretamente vinculado à essência do Fundo de Defesa de Direitos Difusos do Ministério da Justiça (FDDD). É que, em realidade, ambos se entrelaçam com as práticas anticoncorrenciais, na medida em que o primeiro as reprime e o segundo financia a reparação de danos.

Sob esse prisma, a Suprema Corte já assentou que a “obrigação do Estado, impregnada de qualificação constitucional, de proteger a integridade de valores fundados na preponderância do interesse social e na necessidade de defesa da incolumidade pública legitima medidas governamentais, no domínio econômico, decorrentes do exercício do poder de polícia [5]”, o que encampa, no âmbito do acordo em exame, o pagamento de uma taxa (tributo).

Nessa ordem de ideias, as chamadas taxas de polícia são assim denominadas por mandamento da própria Constituição Federal (artigo 145, inc. II): elas são “caracterizadas na constituição como um instrumento de custeio da atividade estatal (tributo) exercida em razão do poder de polícia. [6] Em outras palavras: “eis a primeira causa jurídica da taxa: atividade estatal específica dirigida de modo particular ao contribuinte, decorrente do exercício do poder de polícia, ou melhor, conforme a Lei Ápice, em razão do exercício do poder de polícia. [7]”

Com efeito, soa incontroverso que a natureza jurídica da prestação pecuniária, paga quando da adesão ao referido acordo administrativo, é tributária. Porque preenche todos os requisitos de uma taxa: (i) advém do poder de polícia do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE); (ii) não constitui sanção por ato ilícito; (iii) está diretamente destinada e vinculada ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos do Ministério da Justiça (FDDD); (iv) é prevista em lei; (v) é quantificada para fins de reparação dos danos; e, finalmente, (vi) é compulsória. Cumpre-se anotar, aliás, que esse panorama já foi sustentado pelo professor Heleno Torres, em artigo específico sobre o tema [8].

Na base disso — e em face da quitação da taxa ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos do Ministério da Justiça (FDDD), quando do termo de cessação de conduta —, imperioso concluir-se que ocorreu um pagamento tributário, o qual, se levado a efeito antes do recebimento da denúncia pelo crime de cartel (artigo 4º da Lei 8.137/90), extinguirá a punibilidade, forte no artigo 34 da Lei 9.429/95.

 

 

 

 

 

Autor:  Carlos Eduardo Scheid  é advogado criminalista, doutor em Direito (UNISINOS), mestre em Direito (UNISINOS), especialista em Ciências Criminais (PUC/RS) e especialista em Direito Penal Econômico e Europeu (Coimbra/Pt).


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