Supremo Tribunal Federal cada vez mais revela seu papel político

Autor: Anderson Pereira (*)

 

A discussão quanto à natureza ou o papel do Supremo Tribunal Federal já foi objeto de inúmeras discussões, principalmente na academia[1] . Também um dos seus notórios componentes, o ex-ministro José Carlos Moreira Alves destacou, em uma das suas raríssimas manifestações públicas[2], perceber uma mudança de alteração no posicionamento da corte.

Advirta-se, de início, que nossa pretensão neste texto não é discutir as distinções semânticas entre as expressões “natureza” e “posição”, comumente utilizadas nas discussões sobre o tema ou, até mesmo, a da expressão “papel”, que adotamos no presente texto.

O intuito é, exclusivamente, chamar a atenção para recentes manifestações do STF e a sua nítida inclinação política, pois o teor dos votos proferidos demonstram um corpo de ministros muito mais preocupados com a opinião pública e com as consequências práticas dos seus acórdãos.

Neste sentido, são emblemáticas as recentes decisões sobre temas como execução da pena após julgamento de segunda instância, desaposentação e, mais precisamente, no campo tributário, a constitucionalidade do protesto de certidão de dívida ativa.

No primeiro caso, a corte, já em fevereiro de 2016, no julgamento do HC 126.292/SP, acenava para uma análise centrada também na expectativa da sociedade quanto ao cumprimento das decisões em matéria criminal. Esta linha de raciocínio fica clara desde o voto do relator, ministro Teori Zavascki, que destacou o que considerou os pontos principais da discussão da seguinte forma:

O tema relacionado com a execução provisória de sentenças penais condenatórias envolve reflexão sobre (a) o alcance do princípio da presunção da inocência aliado à (b) busca de um necessário equilíbrio entre esse princípio e a efetividade da função jurisdicional penal, que deve atender a valores caros não apenas aos acusados, mas também à sociedade, diante da realidade de nosso intricado e complexo sistema de justiça criminal. (g.n.)

A decisão em favor do cumprimento da pena logo após a decisão de segunda instância, mesmo que pendente(s) recurso(s) ao Superior Tribunal de Justiça e/ou ao próprio Supremo, repercutiu no ambiente jurídico de diversos modos, cabendo destaque ao juiz do Trabalho que entendeu ser possível, do mesmo modo, a execução imediata dos créditos trabalhistas após o julgamento em segunda instância[3].

Outra consequência foi uma nova provocação do STF, pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) e pela Ordem dos Advogados do Brasil, a partir das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44, por meio da qual tentavam reverter o entendimento, considerando que a interpretação constitucional do art. 283 do Código de Processo Penal[4], com sua nova redação, corresponderia à ratificação do princípio da presunção de inocência.

Em outubro, a corte, por maioria, ratificou o entendimento manifestado anteriormente. E, nesta oportunidade, os votos divergentes que prevaleceram desnudaram a preocupação dos ministros com a opinião pública. Registre-se, neste prisma, os seguintes trechos destacados pelo próprio STF[5]:

Ministro Roberto Barroso: “A presunção da inocência é ponderada e ponderável em outros valores, como a efetividade do sistema penal, instrumento que protege a vida das pessoas para que não sejam mortas, a integridade das pessoas para que não sejam agredidas, seu patrimônio para que não sejam roubadas”.
Ministro Luiz Fux: “Estamos tão preocupados com o direito fundamental do acusado que nos esquecemos do direito fundamental da sociedade, que tem a prerrogativa de ver aplicada sua ordem penal”.
Ministra Cármen Lúcia: “A comunidade quer uma resposta, e quer obtê-la com uma duração razoável do processo”.

Registre-se novamente que não é o nosso intuito fazer qualquer juízo de valor quanto ao mérito da decisão. Nossa pretensão no presente texto é, tão somente, contribuir para o debate acerca dos rumos que a jurisprudência pode tomar a partir da composição atual do Supremo Tribunal, com base em julgados que sugerem uma mudança de postura.

No segundo caso relevante para a reflexão aqui proposta, a desaposentação, a opção política foi manifestada no julgamento dos Recursos Extraordinários 381.367/RS, de relatoria do ministro Marco Aurélio; 661.256/SC, com repercussão geral, e 827.833/SC, ambos de relatoria do ministro Roberto Barroso.

Como consequência do julgamento, foi aprovada a seguinte tese de repercussão geral:

“No âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a regra do artigo 18, parágrafo 2º, da Lei 8.213/1991”.

Todavia, é possível identificar nos votos prevalecentes a clara tentativa de evitar um novo ônus ao sistema previdenciário que, há muito tempo, é qualificado como deficitário[6], ou seja, em outras palavras, o fio condutor do acórdão contra a desaposentação tem como base o impacto econômico do seu resultado, haja vista as milhares de ações aguardando este julgamento bem como as pessoas que já cogitavam ou que poderiam vislumbrar a possibilidade de intentar ação com o mesmo objetivo, na medida em que se lançam novamente ao mercado de trabalho.

Por fim, no terceiro caso, a Suprema Corte afirmou ser constitucional a utilização do protesto da certidão de dívida ativa, pelas Fazendas Públicas, como meio de cobrança de créditos tributários. Defendemos, em outra oportunidade, a inconstitucionalidade desta prática que se revelaria como verdadeira sanção política[7].

Mas, ao analisar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.135, proposta pela Confederação Nacional da Indústria, somente a minoria considerou que se tratava uma sanção política. Consequentemente, a ação foi julgada improcedente e o STF fixou a seguinte tese:

“O protesto das certidões de dívida ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política”.

No que nos interessa, no presente trabalho, ao analisar os argumentos lançados pelos ministros, mais uma vez, identificamos a presença de fatores políticos para contribuir com o entendimento firmado. Aspectos como a “eficiência” ou o “caráter menos invasivo” da medida é que prevaleceram.

Além disso, também foi levado em consideração o número de execuções fiscais em trâmite no país, como justificativa para se estimular uma “desjudicialização” da cobrança de créditos tributários. Mas, como destacamos no trabalho já mencionado[8], não era este o entendimento do Supremo Tribunal Federal que, até um tempo atrás, possuía precedentes em sentido contrário, como afirmado no julgamento da ADI 173:

O Supremo Tribunal Federal possui uma venerável linha de precedentes que considera inválidas as sanções políticas. […] Um dos motivos determinantes da orientação firmada pela Corte consiste no risco posto pelas sanções políticas ao exercício do direito fundamental ao controle administrativo ou judicial da validade dos créditos tributários […] A sanção política também viola o substantive due process of law na medida em que implica o abandono de mecanismos previstos no sistema jurídico para apuração e cobrança de créditos tributários (e.g., ação de execução fiscal), em favor de instrumentos oblíquos de coação e indução. (ADI 173, relator(a): min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 25/9/2008, DJe 20/3/2009).

Nota-se, portanto, que o ex-ministro João Carlos Moreira Alves não estava errado quando apontou, já em 2011, uma mudança de postura do STF[9]. E, há inúmeras outras matérias pendentes de decisão onde se poderá verificar uma ratificação desta inclinação política da Corte, que tem demonstrado a pretensão de atender às expectativas sociais ao mesmo tempo em que busca evitar colapsos econômicos.

Neste sentido, pode ser um tiro no pé exigir celeridade no julgamento de matérias como correção monetária dos saldos das contas de FGTS, constitucionalidade da vaquejada[10], ressarcimento de perdas dos planos econômicos, terceirização da prestação de serviços, dentre outros temas que possuem, como característica, a capacidade de encontrar grande clamor popular ou grave repercussão econômico-financeira a uma das partes.

Em matéria tributária, inclusive, inspira atenção esta conduta do Supremo que, ao privilegiar em suas análises as preocupações com as consequências sociais e econômicas das suas decisões, tem sinalizado pela flexibilização de regras constitucionais claras, da relação jurídico-tributária, como a da legalidade estrita, por exemplo, considerada “ultrapassada” em julgamento recente.

O Informativo 832 do STF[11] noticiou que, no RE 704.292/PR e no RE 838,284/SC, o relator de ambos, ministro Dias Toffoli, criticou a rigidez característica do sistema constitucional tributário, nos seguintes termos:

O relator teceu considerações sobre o princípio da legalidade tributária e apontou para o esgotamento do modelo da tipicidade fechada como garantia de segurança jurídica. O legislador tributário pode valer-se de cláusulas gerais. No tocante às taxas cobradas em razão do exercício do poder de polícia, elas podem ter um grau de indeterminação, por força da ausência de minuciosa definição legal dos serviços compreendidos. Pode haver maior abertura dos tipos tributários quando se está diante de taxa ou de contribuição parafiscal, já que, nessas situações, sempre há atividade estatal subjacente, o que acaba deixando ao regulamento uma carga maior de cognição da realidade, especialmente em matéria técnica. Assim, a ortodoxa legalidade tributária, absoluta e exauriente, deve ser afastada, tendo em vista a complexidade da vida moderna e a necessidade de a legislação tributária adaptar-se à realidade em constante transformação. Nesse sentido, deve-se levar em conta o princípio da praticidade no direito tributário e a eficiência da Administração Pública. Essa tem sido a tendência jurisprudencial da Corte.

Com muita clareza, também aqui se pode perceber a opção pela praticidadee eficiência para a Administração de modo que é possível imaginar o que esperar de julgamentos onde estejam em pauta temas capazes de produzir consequências politicamente indesejáveis.

Para os profissionais que atuam na área tributária, então, a questão assume inquestionável importância, pois, a maioria dos temas em repercussão geral com determinação de suspensão nacional dos processos em tramitação que versem sobre a mesma questão, nos termos do artigo 1.035, parágrafo 5º, do CPC[12], é de Direito Tributário.

Logo, o que se pode perceber é que não basta robusta argumentação jurídica a seu favor para obter êxito no Supremo Tribunal Federal. Há possibilidade de que o momento em que será proferida decisão exerça fundamental importância na sua construção.

Neste ponto, saber o que levar para a Corte e quando levar podem ser aspectos ainda mais decisivos do que apenas a técnica processual. Cabe, então, ao operador do Direito, fazer a opção. Que prevaleça a melhor!

 

 

 

 

 

Autor: Anderson Pereira é advogado na Bahia, presidente da Comissão de Direito Tributário da Subseção de Feira de Santana da OAB-BA e membro da Comissão de Direito Tributário da Seção da Bahia da Ordem dos Advogados do Brasil.


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