Autora: Carla Bernardini de Araujo (*)
A prescrição intercorrente em execução fiscal, assim entendida como a perda do direito de ação no curso do processo, em razão da inércia da Fazenda Pública, que deixa de praticar os atos necessários para a cobrança de seu crédito, com a consequente paralisação da ação, está prevista no Artigo 40 da Lei 6.830, de 1.980, que, em sua redação original, não apresentava nenhuma baliza para o termo inicial do prazo prescricional.
Posteriormente, a Lei 11.051, de 2004, introduziu o parágrafo 4º ao Artigo 40 da Lei 6.830, de 1.980, considerando como início do prazo prescricional a “decisão que ordenar o arquivamento”. Por óbvio, não se olvida a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, condensada na Súmula 314, no sentido de que: “em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente.” Portanto, este é o regramento legislativo e o atual entendimento jurisprudencial quanto ao termo inicial da prescrição intercorrente em execução fiscal.
Disposição semelhante não havia nas execuções cíveis. Por esta razão, é que foram introduzidos, na Lei 13.105, de 2015 (novo Código de Processo Civil), os artigos 921, § 4º e 924, V. Assim, o Diploma Adjetivo veio a tratar expressamente da prescrição intercorrente para as execuções cíveis, à semelhança do que ocorre no Artigo 40 da Lei 6.830, de 1980, para as execuções fiscais.
Nessa esteira, o Artigo 1.056 do Código de Processo Civil[1], alocado nas Disposições Finais e Transitórias do Livro Complementar, ao determinar que o termo inicial da prescrição intercorrente (Artigo 921, § 4º) que pode justificar a extinção da execução (Artigo 924, V) é a data do início de vigência do novo Código de Processo Civil, trouxe regra de direito intertemporal aplicável tão somente às execuções cíveis.
Isso porque o Artigo 40 da Lei 6.830, de 1.980 é uma Lei Especial, que trata especificamente da cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública e, portanto, prevalece sobre a regra processual que trata das execuções em geral, tal como proposto por Norberto Bobbio[2]:
“Lex posterior generalis non derogat priori speciali. Com base nessa regra, o conflito entre critério da especialidade e critério cronológico deve ser resolvido em favor do primeiro: a lei geral sucessiva não tira do caminho a lei especial precedente.”
Além disso, a ratio legis do Artigo 1.056 do Código de Processo Civil é atender ao princípio da duração razoável do processo, uma vez que a prescrição intercorrente não estava positivada no Código de Processo Civil de 1973.
Assim, o disposto no Artigo 1.056 do atual Código de Processo Civil faz sentido para as execuções cíveis, uma vez que, como para estas, até então, não havia prescrição intercorrente, o legislador houve por bem incluir tal regra de transição, a fim de estabelecer o termo inicial da contagem do prazo, para que exequentes e executados não fossem surpreendidos.
A contrario sensu, o mesmo não se aplica às execuções fiscais, uma vez que, desde 1980, a prescrição intercorrente está prevista no Artigo 40 da Lei 6.830.
Portanto, a aplicação do Artigo 1.056 do Código de Processo Civil às execuções fiscais não surtiria o desejado efeito de segurança jurídica prezado pelo legislador. Antes, causaria instabilidade jurídica, ao reiniciar o prazo prescricional de execuções fiscais já em curso, prazo este já definido e consolidado pela Lei 6.830/1980, lei especial anterior.
Autora: Carla Bernardini de Araujo é advogada, sócia de Knopfelmacher Advogados.