Autores: Eduardo Tonetto Picarelli, Cristian Ramos Prange e Ivan Scarparo Forgearini (*)
O processo eletrônico é uma das principais políticas públicas a serem desenvolvida pelo Poder Judiciário nacional. Com efeito, está mais do que provado que o uso do sistema de processo eletrônico reduz o tempo de tramitação processual[1], ou seja, torna mais célere a prestação jurisdicional, contribuindo para o atendimento do direito do cidadão a uma razoável duração do processo.
O processo eletrônico é mais acessível que o físico. A Justiça está aberta 24 horas por dia e em todos os dias da semana. Caso seja desenvolvido com o emprego da melhor tecnologia, pode ser mais acessível para os deficientes do que os autos físicos tradicionais[2].
O requisito da transparência é plenamente atendido, já que o acesso aos autos eletrônicos do processo pode ser feito mediante simples acesso na rede mundial de computadores. Ou seja, qualquer pessoa pode obter a informação completa do seu processo, desde que tenha acesso à internet.
Além de proporcionar maior celeridade, melhor acessibilidade e mais transparência, o processo eletrônico é mais econômico e sustentável[3].
Ora, diante de tantos benefícios, não é exagero afirmar que o processo eletrônico deve ser, ao lado da conciliação, dos juizados especiais e de outras políticas do Judiciário, mais uma política pública do Poder Judiciário.
Em sendo uma política pública, o questionamento que se faz é se é necessário um sistema único de processo judicial eletrônico para que todos os tribunais possam dela se beneficiar.
Para pensarmos o problema, precisamos examiná-lo sob três pontos de vista: dos usuários internos do sistema, dos usuários externos e da integração entre sistemas judiciais que precisam estabelecer uma comunicação eficiente.
Para os usuários internos — magistrados, servidores e estagiários —, é relevante que o sistema eletrônico adotado proporcione as melhores condições de trabalho, ou seja, que seja intuitivo, ergonômico, dotado funcionalidades que otimizem o seu trabalho e que possa ter manutenções evolutivas e corretivas de forma rápida e sem burocracias, preferencialmente no âmbito do próprio tribunal. Logo, para esses usuários, não é necessário se pensar na necessidade de se desenvolver um sistema único de processo eletrônico, e sim um sistema eletrônico que seja, no mínimo, um bom instrumento de trabalho.
No que diz respeito à necessidade de integração entre sistemas judiciais visando a uma comunicação eficiente, já existe, no âmbito da Justiça brasileira, um padrão de comunicação entre sistemas e que foi estabelecido pelo Conselho Nacional de Justiça, que é o Modelo Nacional de Interoperabilidade (MNI)[4].
Assim, para que um sistema de processo eletrônico possa estabelecer comunicação com outro sistema de outro tribunal, basta que ambos os sistemas adotem o MNI, e a integração entre os sistemas estará feita, o que torna desnecessário se falar em um único sistema de processo eletrônico para atender a esse objetivo. Em resumo: não é necessário que seja adotado um mesmo sistema para que um determinado tribunal encaminhe um processo eletrônico para outro, desde que ambos tenham sistemas de processo eletrônico que atendam ao MNI.
Em paralelo ao Modelo Nacional de Interoperabilidade, o CNJ também é o gestor das tabelas unificadas (classes, documentos, eventos e assuntos judiciais). Essas constituem um dos pilares fundamentais para a integração e a compreensão dos sistemas processuais informatizados, pois permitem classificar de forma padronizada os ritos, petições, fases e matérias processuais permitindo aos operadores do Direito, mesmo operando sistemas diversos, compartilhem da mesma linguagem.
No que tange aos usuários externos — advogados públicos e privados, membros do Ministério Público, defensores públicos, delegados de polícia… —, a conclusão talvez não seja a mesma em relação aos pontos de vista dos usuários internos e a da necessidade de comunicação entre sistemas. Para esse público, a adoção de um modelo que permita o acesso de todos os seus processos a partir de um mesmo ponto de acesso e com uma única interface é absolutamente necessária.
Não se pode ignorar que os advogados públicos e os membros do MP, em boa parte, já atuam diretamente dos seus sistemas internos, os quais, em boa medida, já estão integrados com os sistemas judiciais, via MNI.
Mas é inegável que, para a grande maioria dos advogados privados, principalmente, a adoção de um sistema eletrônico único seria a situação ideal.
Porém, qual é o melhor modelo a ser adotado? A adoção por todos os tribunais do país de um mesmo sistema? Ou a adoção de um sistema que concentre todos os sistemas que já existem, visando a uma integração (adoção de um sistema único) no longo prazo?
A regra vigente hoje é a da obrigatoriedade da adoção do sistema único, que é o Processo Judicial Eletrônico (PJe), do CNJ[5].
A realidade do desenvolvimento dos sistemas de processo eletrônico por parte dos tribunais brasileiros, no entanto, é a mais variada, pois temos de considerar que este, como qualquer sistema de informação, é uma consequência da forma como cada organização conduz a sua gestão. Há tribunais que já desenvolveram seus sistemas, seja de forma terceirizada e com investimentos vultosos, seja através da atuação de desenvolvedores internos, com emprego de muito esforço e horas de trabalho de juízes e servidores. Há cortes que aderiram ao PJe, especialmente no âmbito da Justiça do Trabalho. No outro extremo, temos tribunais que, apesar da adoção do PJe, estão em uma etapa muito insipiente de implantação do sistema eletrônico.
Essa diversidade de realidades fez com que se estabelecesse uma regra de exceção quanto à obrigatoriedade de adoção do PJe, a qual alcançou alguns tribunais que já possuíam sistemas com estágios de desenvolvimento mais avançados do que o sistema do CNJ.
As dificuldades em implantar o PJe em todos os tribunais e de dotá-lo de funcionalidades já existentes em outros sistemas judiciais e, principalmente, a necessidade de proporcionar aos advogados uma maior facilidade de acesso aos vários sistemas de processos eletrônicos, fez com que o CNJ desenvolvesse o Escritório Digital, antiga e justa demanda da advocacia.
Trata-se “de um software desenvolvido pelo CNJ para integrar os sistemas processuais dos tribunais brasileiros e permitir ao usuário centralizar em um único endereço eletrônico a tramitação dos processos de seu interesse no Judiciário”[6].
Não há dúvida de que o Escritório Digital é, a nosso ver, a melhor solução de acesso aos sistemas judiciais de processo eletrônico para os usuários externos.
Com efeito, ainda que todas as cortes do país venham a adotar o PJe, ou seja, passem a utilizar um mesmo sistema de processo eletrônico, como haverá uma instalação deste em cada um dos tribunais, o advogado que atue em mais de um ramo do Judiciário deverá necessariamente acessar o site de cada um deles para controlar os seus processos.
No Escritório Digital, ao contrário, os processos eletrônicos de todos os tribunais estarão acessíveis em um único local e com uma interface também única. Nesse cenário, que atende a reivindicação dos advogados de um sistema verdadeiramente único e no qual o seu trabalho possuirá um acesso concentrado, passa a ser pouco relevante, para os usuários externos, saber qual plataforma de processo eletrônico os usuários internos de determinado tribunal utilizam para a tramitação dos processos de sua competência.
Podemos também concluir que a única forma eficaz de atender às múltiplas plataformas disponíveis hoje (incluindo os dispositivos móveis) é o formato de “portal único” como o Escritório Digital.
Assim, respondendo ao questionamento formulado no início deste artigo — se é necessário um sistema único de processo judicial eletrônico —, entendemos que não, haja vista a excelente iniciativa do CNJ na implantação do Escritório Digital.
Autores: Eduardo Tonetto Picarelli é juiz federal e coordenador do e-Proc.
Cristian Ramos Prange é diretor de Tecnologia da Informação TRF-4.
Ivan Scarparo Forgearini é diretor de Sistemas Judiciais do TRF-4.