Não são todos os casos que ensejam honorários em execução e embargos

Autor: Gustavo Matos Vasques de Carvalho (*)

 

Com o advento do novo Código de Processo Civil e seus vultuosos honorários, alguns temas, antes adormecidos, voltaram a ser destaque. Dentre eles se encontra a possibilidade de cumulação de honorários advocatícios na ação de embargos à execução fiscal e na correlata execução. Tal tema, em que pese aparentemente de rasa complexidade, ganha notoriedade a partir do momento em que magistrados começam a, automaticamente, condenar a Fazenda Pública nas duas ações, com base em decisão do Superior Tribunal de Justiça, sem, contudo, atentar-se à origem/razão deste precedente da Corte da Cidadania (ou seja, não realizam a distinção necessária).

Em termos práticos, ocorre o seguinte: o executado opõe embargos à execução fiscal, a fim de se discutir a própria existência do crédito (alega pagamento por compensação, por exemplo). Após o contraditório, o juiz decide que o embargante tem razão e que o crédito tributário deve ser extinto, condenando a Fazenda Pública ao pagamento de honorários advocatícios na monta de 10% do valor da causa. Junta-se esta sentença nos autos da respectiva execução fiscal, a qual, diante desta decisão final, será automática e naturalmente extinta! Todavia (e eis aqui o âmago da discussão), surpreendentemente, ao extinguir a execução fiscal, alguns juízes têm, mais uma vez, condenado a Fazenda Pública em (novos) honorários de 10%, sob o argumento de que se tratam de ações autônomas e que os honorários devem ser cumulados!

Conforme se passa a expor, data maxima venia, tal tipo de decisão é absurda, foge à racionalidade e se limita a repetir (indiscriminadamente) a conclusão de um posicionamento do STJ, sem, contudo, observar a sua (tão importante) ratio decidendi. Em outras palavras, esquece-se de se fazer a distinção (conhecida como “distinguishing” – novidade legislativa “importada” no inciso VI, do §1º, do art. 489, do CPC/2015[1]), a fim de se averiguar se o caso se subsume no contexto da decisão paradigma. Veja-se.

Sabe-se que é pacífica a jurisprudência no sentido de que as ações de execução fiscal e correlatos embargos são autônomas e, por isso, podem ensejar dupla condenação em honorários, limitando-se, todavia, na soma das condenações, o percentual de 20% sobre o valor da causa. Neste sentido, veja-se recente (e remansosa) decisão do STJ: “1. Está pacificado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido de que os embargos à execução fiscal constituem ação autônoma, razão pela qual não se pode falar que os respectivos honorários de sucumbência apresentam qualquer tipo de caráter substitutivo. 2. Embora autônomas as condenações sucumbenciais mencionadas, a jurisprudência desta Corte também se firmou no sentido de que a somatória destas verbas não poderá ultrapassar o limite de 20% (vinte por cento) estabelecido no art. 20, § 3º, do CPC.” (AGARESP 201403258024, DJE de 27/3/2015).

Fixadas estas premissas, mister ressaltar que não se questiona aqui, absolutamente, a indiscutível possibilidade de se cumular honorários nestas duas ações, mas, sim, a forma como isto tem por vezes sido feito: sem a devida distinção. Em outras palavras, o que não se pode admitir é que se conceda honorários sem que tenha havido trabalho exercido pelo advogado!

Ora, os honorários advocatícios sucumbenciais correspondem, conceitualmente, à remuneração pelo serviço prestado por advogado no processo! Tanto é assim que o CPC (no §2º, do art. 85) prevê os critérios para se mensurar este serviço, sempre levando em conta a atuação do causídico: “I – o grau de zelo do profissional; II – o lugar de prestação do serviço; III – a natureza e a importância da causa; IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Ou seja, se não houver trabalho, não há que se falar em remuneração!

Assim, por óbvio, já se observa que nas hipóteses em que a extinção da execução fiscal é mera consequência automática da sentença extintiva proferida nos embargos (sem que tenha havido nenhuma atuação do advogado na causa), não faz sentido condenar, novamente, a Fazenda ao pagamento de honorários! Não se apresenta razoável se considerar ações autônomas para o fim de (eventualmente) se condenar em ambas, mas, diferentemente, considera-las “única” para o aproveitar o trabalho exercido em uma para o fim de condenação em honorários na outra).

Diferentemente são os casos em que há efetiva atuação do especialista tanto nos Embargos à Execução Fiscal quanto na Execução. A título de exemplo, basta imaginar a alegação de prescrição parcial na execução (por intermédio de exceção de pré-executividade) e compensação parcial nos embargos, hipótese em que será legítimo o recebimento de honorários em ambos (na proporção de cada êxito). O que não se pode aceitar, frise-se, é o recebimento de honorários em ação executiva, pelo simples fato de ela ser extinta como consequência necessária e automática da extinção dos embargos do devedor, sem que, frise-se, tenha havido qualquer atuação relevante nos autos!

Neste passo é que se deve analisar, com o cuidado que a situação requer, o teor das decisões do STJ que têm levado os magistrados a repetir, inadvertidamente, que sempre se deve cumular os honorários nas duas ações. Para tanto, pesquisou-se as decisões mais antigas (comumente citadas nas mais recentes) e se observou que, em verdade, a discussão originou-se, apenas e tão somente, para os casos em que o Exequente saía vitorioso nos Embargos, pois, nestes casos, a execução prosseguia normalmente (o que daria ensejo a novos honorários na ação de cobrança – já fixados na inicial e provisoriamente) – afastando-se justamente os casos em que os embargos eram procedentes, hipótese em que os honorários seriam arbitrados em favor do executado/embargante (mas apenas neles).

Veja-se, por exemplo, o EREsp 97.466/RJ, de 21 de janeiro de 1999, em que o relator, ministro Garcia Vieira, esclarece a situação sob análise nos seguintes termos em relação à existência de embargos:

Apresentados estes, os honorários de advogado, arbitrados na execução, passam a depender do que acontecer com os embargos. Se estes forem julgados procedentes, quem terá de pagar honorários é a exequente, porque ficou desconstituída a execução. Logo, nesta hipótese, não prevalecem os honorários fixados na execução, porque a sucumbente foi a exequente, sendo ela condenada, nos embargos, nos honorários. Se os embargos forem julgados improcedentes ou deles desistir o executado, este terá de pagar os honorários e é aí que surge a questão. O devedor fica sujeito aos honorários arbitrados na execução e também nos embargos, ou existe apenas uma sucumbência? O Juiz, nos embargos, fixa novos honorários ou apenas arbitra, definitivamente, os honorários devidos pelo executado? Para mim, só existe uma sucumbência […] Mesmo para aqueles que entendem ser admissível a fixação de parcelas autônomas de honorários de advogado na execução e nos embargos, a soma deles não pode ultrapassar a 20% (Recursos Especiais nºs 13.610-RS e 20.806-SP, citados pelo v. acórdão embargado). Isto demonstra haver apenas uma sucumbência. (destaques aditados)

Neste mesmo sentido, veja-se a decisão do saudoso Min. Athos Carneiro, no REsp 17.007/SP (19/04/1993):

Julgados procedentes os embargos, o devedor é que tem direito a honorários, impostos apenas nessa ação, única que promoveu e na qual exerceu a sua defesa. Os embargos podem ter vários objetivos, entre eles o de desfazer a penhora, excluir parcelas, ou extinguir o processo de execução, etc. Em qualquer caso de procedência cabe a condenação do embargado em honorários, salvo quando vence em parte mínima – REsp 10614/SP, 3ª Turma, rel. em. Min. Dias Trindade), ainda que a execução continue, pois o embargante foi vencedor no pleito que propôs, podendo haver, neste último caso, compensação com os honorários devidos na execução.

Apenas para que não pairem dúvidas, registre-se que, apesar de antigos, os acórdãos acima servem como referência até os dias atuais, conforme se depreende da ementa abaixo:

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. DUPLA CONDENAÇÃO EM VERBA HONORÁRIA. POSSIBILIDADE. ART. 20, § 3º DO CPC. LIMITAÇÃO.

1. A Corte Especial firmou orientação no sentido de que “mais do que mero incidente processual, os embargos do devedor constituem verdadeira ação de conhecimento. Neste contexto, é viável a cumulação dos honorários advocatícios fixados na ação de execução com aqueles arbitrados nos respectivos embargos do devedor. Questão jurídica dirimida pela Corte Especial do STJ, no julgamento dos Embargos de Divergência nº 97.466/RJ“. (ERESP nº 81.755/SC, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 02/04/2001). Incidência, na hipótese, da Súmula 168/STJ.

[…]

(REsp 786.979/RN, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 04/02/2009 – destaques aditados)

Atente-se, portanto, que a discussão, inicialmente, girou em torno, apenas e tão somente, dos embargos julgados improcedentes, situação em que se discutiu se caberiam (novos) honorários em favor do exequente nesta ação de defesa (além daqueles já fixados na ação executória)! No caso específico da Fazenda Nacional, porém, não tem sido permitida esta cumulação, ainda que vencedora nos embargos, tendo em vista que a jurisprudência se posiciona pela impossibilidade de cumulação do encargo legal (de 20%) com honorários advocatícios (súmula 168, do TFR: “O encargo de 20% do Dec.-lei 1.025/69, é sempre devido nas execuções fiscais da União e substitui, nos embargos, a condenação do devedor em honorários advocatícios”).

Avançando-se no tema, todavia, tal como já pincelado pelo excelentíssimo Athos Carneiro, nem sempre os Embargos levarão à extinção da Execução, razão pela qual também é possível (ainda que excepcionalmente) que haja cumulação de condenação de honorários sucumbenciais em favor do executado/embargante mesmo quando procedentes os embargos, especialmente nas hipóteses em que ele tenha atuado em ambos os processos (a exemplo de êxito tanto em exceção de pré-executividade quanto em embargos à execução fiscal).

Tratando desta especificidade do tema, tem-se pouquíssimas decisões dos tribunais pátrios, merecendo destaque, porém, o REsp 1.162.666/RS:

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. DUPLA CONDENAÇÃO EM VERBA HONORÁRIA. POSSIBILIDADE. ART. 20, § 3º DO CPC. LIMITAÇÃO.

1. A Corte Especial firmou orientação no sentido de que “mais do que mero incidente processual, os embargos do devedor constituem verdadeira ação de conhecimento. Neste contexto, é viável a cumulação dos honoráriosadvocatícios fixados na ação de execução com aqueles arbitrados nos respectivos embargos do devedor. Questão jurídica dirimida pela Corte Especial do STJ, no julgamento dos Embargos de Divergência nº 97.466/RJ” (ERESP 81.755/SC, . Min.

Waldemar Zveiter, DJ de de 02/04/2001).

2. [Na linha dessa orientação, tem-se que a verba honorária da execução pode ser fixada autonomamente, em relação à dos correspondentes embargos. Essa autonomia, entretanto, não tem caráter absoluto – registra-se que este trecho inicial foi extraído do inteiro teor do acórdão]. A cumulação de honorários, todavia, somente ocorre se houver, cumulativamente, a procedência da execução e a improcedência dos embargos, sendo que, mesmo nessa hipótese, o valor total resultante da cumulação deve observar os limites máximos estabelecidos na lei ou, se for o caso, recomendados pelos critérios de equidade (CPC, art. 21, §§  3º e 4º). Para as hipóteses de procedência parcial ou integral dos embargos, a verba honorária deverá ser fixada levando em consideração o grau de sucumbimento verificado em cada um dos processos.

3. Recurso Especial provido.

(REsp 1162666/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 04/06/2010)

E antes que se alegue que, na prática, esta questão não teria diferença ou relevância (pois bastaria ao juiz condenar em 20% nos embargos, por exemplo), recorda-se que o percentual condenatório há de ser fundamentado. O novo CPC (assim como o antigo) elenca critérios a serem seguidos na mensuração da condenação, o que significa que a fixação no patamar máximo exigirá robusta fundamentação (diferentemente dos “tradicionais 10%”, que, com certa razão, normalmente se resumem à argumentação da normalidade: zelo comum; lugar de fácil acesso; complexidade normal etc).

Enfim, ante todo o exposto é que se entende imprescindível que os magistrados revejam seus posicionamentos acerca do tema, conferindo correto e razoável interpretação às decisões do STJ, a fim de não mais se condenar, indiscriminadamente, a Fazenda Pública nas execuções fiscais extintas em decorrência automática (e lógica) da procedência dos embargos (nos quais já houve a merecida condenação em honorários em favor do embargante). Esta cumulação de honorários deve se limitar aos casos em que, eventualmente, o advogado tenha obtido êxito e realmente tenha trabalhado nos dois processos (considerados isoladamente)!

 

 

 

 

Autor: Gustavo Matos Vasques de Carvalho   é procurador da Fazenda Nacional e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).


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