Autor: Leonardo Corrêa (*)
Em 9 de dezembro de 2000, a Suprema Corte americana decidiu sobre uma liminar referente ao caso Bush v. Gore. A decisão foi apertada, 5 a 4. Todavia, a corte apreciou o caso em conjunto, diante da gravidade e da importância nacional que — obviamente — circundavam a questão. A determinação foi para suspender a contagem manual dos votos. Posteriormente, em 11 de setembro do mesmo ano, a corte ouviu aos argumentos orais dos advogados. Um dia depois, foi proferida a decisão final.
Conquanto o caso seja, até hoje, considerado polêmico, a decisão sobre a questão liminar foi tomada pelo colegiado, dando a legitimidade e transparência que o assunto merecia. Todos os justices se reuniram, debateram e votaram livremente. A despeito de não ser unânime, a corte avaliou o feito e se pronunciou de forma conjunta. Isso, aliás, era uma das principais características da chamada rehnquist court — em alusão ao chief justice William Rehnquist.
Não foi a primeira vez que isso aconteceu. No famoso Marbury v. Madison, julgado em 1835, o chief justice John Marshall optou por uma decisão conjunta. Nesse caso, ao final de seu mandato, o presidente John Adams, receoso do que Thomas Jefferson, recentemente eleito presidente, poderia fazer, nomeou diversos juízes de paz no intuito de conter eventuais arroubos do presidente eleito. Ao tomar posse, Jefferson se revoltou contra a atitude de Adams e negou o direito a William Marbury, que, ato contínuo, ingressou com uma demanda exigindo que a sua nomeação fosse aceita.
Pois bem. John Marshall havia sido indicado chief justice pelo presidente John Adams e, quando o caso chegou à Suprema Corte, recebeu um recado do presidente eleito (Thomas Jefferson) no sentido de que ele não cumpriria uma decisão que determinasse a nomeação de William Marbury. A corte, portanto, estava em cheque.
De forma muito habilidosa, o chief justice Marshall buscou um consenso entre os seus colegas e, em decisão unânime, a Suprema Corte julgou improcedente o pedido de Marbury. Mas, astutamente, entendeu que a lei na qual Marbury sustentava o seu pleito era inconstitucional. De quebra, a decisão criticou a postura de Thomas Jefferson e criou um poder novo para a corte: o judicial review. Tal poder, resumidamente, consistia em dizer que uma lei emanada pelo Poder Legislativo poderia ser tida como inconstitucional. Noutros termos, Jefferson “ganhou, mas não levou”. Afinal de contas, apesar de Marbury não ter conseguido o cargo de juiz de paz, o presidente passou a enfrentar uma corte mais forte, capaz de “derrubar” (strike down) leis que considerasse inconstitucionais.
Dito isso, vamos navegar no tempo e espaço para chegar ao Brasil. Após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, diversos processos chegaram ao nosso Supremo Tribunal Federal, tendo sido distribuídos para diferentes ministros. Cada um proferiu sua decisão, todas elas pelo indeferimento das liminares. A questão, contudo, era grave e de relevo para o país. Merecia, assim, um posicionamento do Supremo — como instituição —, de modo a apaziguar os ânimos e mostrar a sua força e importância no balanço dos Poderes.
Sem qualquer juízo de valor, a mesmíssima situação ocorreu na decisão do ministro Marco Aurélio, com relação ao afastamento do senador Renan Calheiros. Marco Aurélio Mello decidiu, sozinho, uma questão de grande repercussão, que, pela prudência e em homenagem a instituição, demanda um posicionamento da corte. Obviamente, não se espera, nesses casos, uma deliberação unânime como ocorreu em Marbury v. Madison. No entanto, uma decisão colegiada, tal qual a de Bush v. Gore, poderia trazer mais estabilidade para o país. Todavia, o caso resultou em debates, fora dos autos e do Plenário, quanto a posição dos ministros.
Sem qualquer crítica ao nosso Supremo, parece que seria apropriado adotar o modelo utilizado pela Suprema Corte americana — julgando em conjunto as questões de relevância nacional. Nossos ministros poderiam levar, imediatamente, as liminares ao Plenário, decidindo-as em sessão aberta, com todos votando. Assim, diversas questões seriam pacificadas, dando uma segurança jurídica maior ao país e reforçando o papel institucional do Supremo.
O que a Suprema Corte americana nos ensina? Em resposta à indagação formulada no título deste brevíssimo artigo, ela reconhece a sua importância institucional, sendo maior do que os justices que — por um lapso temporal — ocupam seus respectivos cargos. Talvez, apenas talvez, o Brasil esteja precisando disso, uma corte com posicionamento mais institucional do que meramente jurisdicional.
Autor: Leonardo Corrêa é advogado e LL.M. pela Universidade da Pensilvânia (EUA).