Contratação bancária eletrônica deve ser melhor analisada pela Justiça

Autor: Douglas Belanda (*)

 

Estamos vivendo a revolução tecnológica e, nesse aspecto, todos os entes da sociedade devem se aperfeiçoar para entender a complexidade de tais sistemas, que alteram a nossa vida e rotina nos mais diversos aspectos, seja na rapidez em transações (contratações) eletrônicas, melhora no quesito segurança nos atos praticados (vide que em Internet tudo deixa rastro) e, ainda, custo mais acesso de muitos serviços.

O ramo bancário, que sempre foi destaque em evoluções sistêmicas, segurança e agilidade (o Brasil é um dos exponenciais em tal tema), é um dos entes que mais estão se adequando as novas tecnologias, e esse viés afetará diretamente nossa Justiça, inclusive, diminuindo os processos judiciais envolvendo fraudes e erros cometidos na esfera administrativa, justamente pela confiabilidade, segurança e agilidade das transações eletrônicas.

Todavia e para que isso ocorra, torna-se necessário que os nossos operadores do Direito acompanhem a revolução tecnológica nos detalhes, para justamente criar o conceito de que fraude e erros em sistema bancário doravante e com o advento da tecnologia latente tornar-se-á cada vez mais difícil, já que é sempre possível rastrear todos os crimes ou equívocos cibernéticos.

Em tal ponto, iremos doravante explicitar o quanto é confiável tal contratação eletrônica no Direito Bancário e, ainda, que o nosso Direito (em sentido lato) já possui normas e regulamento para auxiliar os operadores do Direito a resguardarem a prestação jurisdicional.

Temos pelo contrato eletrônico entre instituições financeiras e clientes o meio pelo qual é possível ao cliente adquirir produtos financeiros (internet – caixas eletrônicos – ATM – “Automated Teller Machines”), sem a necessidade de um funcionário do banco propriamente dito ou qualquer interface na solicitação, gerando mais privacidade, economia para a empresa financeira e segurança ao pleito. Veja que, o interessante de tudo isso é que ocorre de modo automático, em tempo real, trazendo dinamismo e perfeição a tal modalidade de contração, pois as partes envolvidas conseguem rastrear todo o entorno da transação, do início ao fim da cadeia contratual.

Na oportunidade em que um cidadão comum saca dinheiro ou opera em determinado caixa eletrônico ou internet banking, o mesmo está transacionando / contratando com a instituição financeira e terceiros (se o caso), ocorrendo a plena relação comercial e contratual, gerando deveres e obrigações para as partes afeto ao contrato eletrônico, que pode ser definido como o encontro de uma oferta de bens ou serviços facilitada por modo visual e concretizada através de uma rede interligada de telecomunicações e, ainda, de possibilidade de aceite e eventual recusa sistêmica.

Reafirmando, se o caso concreto gera direitos e deveres e foi assinado eletronicamente com ciência dos termos transacionados, estamos falando sim e regularmente de um contrato perfeito, estando o mesmo regulado por nosso ordenamento jurídico, sem dúvidas. Reforço que, para haver um contrato em geral, os seguintes pontos devem ser abarcados: (i). Ser um negócio jurídico perfeito; (ii). Sujeito capaz de adquirir direitos e obrigações; (iii) objeto lícito e determinado ou determinável; e (iv) forma prescrita ou não defesa em lei. Em tal ponto, o contrato eletrônico perfaz todos os requisitos necessários, ou seja, de legalidade e existência. Afinando o sentido do trabalho desenvolvido, trazemos o preceituado no atual artigo 434 do Código Civil Brasileiro, que diz:

Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto:

I – no caso do artigo antecedente;

II – se o proponente se houver comprometido a esperar resposta;

III – se ela não chegar no prazo convencionado”.

O contrato se aperfeiçoará com o envio da mensagem eletrônica confirmando a aceitação do que é proposto (ato jurídico perfeito).”.

Sem dúvidas, ao efetuar uma transação eletrônica, manifestando o “aceite” com as condições dispostas no equipamento utilizado, temos que a relação contratual existirá e terá validade e vigência na sociedade brasileira, isto é, é um ato jurídico perfeito em sentido lato senso.

Em outro ponto, os princípios que regem os contratos eletrônicos e, por consequência, os bancários, são: Identificação das Partes, Assinatura Eletrônica Válida, Privacidade, Verificação e Checagem de Dados, Possibilidade de Cancelamento ou Arrependimento, Validade do Contrato Juntamente a Documento Físico, Previsão no Ordenamento Jurídico e Banhado por Boa-fé Objetiva.

No que concerne ao Contrato Eletrônico Bancário, reforçamos que o mesmo está vinculado ao “aceite” conforme já falamos, inclusive, nos terminais eletrônicos e via internet, onde é necessário ao cliente que manifeste a vontade em adquirir produtos ou contratar valores, mediante a digitação da senha (de uso pessoal e intransferível – de responsabilidade total do cliente) e utilizando o cartão para tanto, ou alguns casos com uso de biometria (utilização da digital, que é muito seguro e diminuiu ainda mais a volumetria de fraudes).

Em tal sistemática, só existe e se concretiza uma contratação com êxito na seara eletrônica, se existir (novamente) a real intenção e concretização do ato pelo consumidor bancário, ao digitar senha e utilizar do cartão ou biometria para o ato, e assim, tendo ciência total do enlace efetivado.

Por esse feito, novamente trazemos à baila o já citado artigo 434 do Código Civil, que regula a transação entre ausentes e a possibilidade da contratação efetiva, de modo correto. Não é crível que, no Século XXI, exista transação somente por papel, assinatura com firma reconhecida e demais meios probatórios.

Incontroverso é o fato de que a contratação via modo eletrônico será o norte dos contratos em geral doravante e, o quanto antes o nosso Judiciário e Magistrados se adaptar, menores problemas e embaraços teremos no Brasil, com diminuição de custos e estoques de processos, aumentando a presteza e efetividade do atendimento jurisdicional, sendo benéfico para todos.

No direito bancário eletrônico, havendo telas digitais claras de contratação (seja em ATM, Clique Único e Internet Banking), e ainda, o aceite claro e bem exposto conforme apontamos outrora, temos a real e efetiva contratação entabulada e concretizada, respaldando todos os entes da relação comercial. Importante enfatizar sempre esse ponto da vontade manifesta.

De antemão, para consolidar e efetivar tal instrumento jurídico, precisamos ter a ciência exata da ocorrência de uma troca ou atitude positiva financeira (investimento, contratação ou saque). Assim, deve existir um benefício para as partes (troca de favores ou vantagens), para que o ato no Direito Bancário se entabule.

Veja que, caso o consumidor tenha interesse em cancelar uma operação ou contratação (inclusive feita por equívoco), pode efetivar por diversos canais junto aos bancos, seja no “Internet Banking”, SAC e canais de Ouvidoria da referida empresa, não havendo motivos para alegar falta de informação ou desconhecimento dos termos contratados.

Fato é que, na era da tecnologia, a mera alegação de desentendimento sobre item contratado ou detalhes intrínsecos da contratação é quesito que não pode ser alegado doravante, sem dúvidas. Novamente, alegamos que a contratação na esfera eletrônica deixa todo o histórico registrado, sendo possível rastrear todo o contexto negocial, inclusive.

Outrossim, para que seja possível uma Instituição Financeira operar com caixa eletrônico ou Internet Banking, deverá por consequência ser autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil (BACEN), e, não obstante, seguir as Resoluções do referido Órgão Regulador, sendo responsável por ofertar a segurança da máquina, do respectivo sistema e operação junto ao cliente final.

Nesse contexto, a contratação eletrônica é correta e está prevista no normativo de tal órgão (BACEN), mais detidamente ao avaliarmos a Resolução nº 4.283, de 04.11.2013, que regula contratação de operações eletrônicas e também a correta prestação de serviços pelas instituições financeiras, com seguinte redação:

““Art. 1º As instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, na contratação de operações e na prestação de serviços, devem assegurar:

II – A integridade, a confiabilidade, a segurança e o sigilo das transações realizadas, bem como a legitimidade das operações contratadas e dos serviços prestados;

III – a prestação das informações necessárias à livre escolha e à tomada de decisões por parte de clientes e usuários, explicitando, inclusive, direitos e deveres, responsabilidades, custos ou ônus, penalidades e eventuais riscos existentes na execução de operações e na prestação de serviços;

IV – O fornecimento tempestivo ao cliente ou usuário de contratos, recibos, extratos, comprovantes e outros documentos relativos a operações e a serviços;

VI – A possibilidade de tempestivo cancelamento de contratos”.

Não existe qualquer mistério ou obscuridade, sendo totalmente possível a transação via modo eletrônico, desde que haja a legitimidade e confiabilidade da operação, fato que não opomos ou conflitamos, sendo regra para todos os entes jurídicos ou físicos a devida operação do sistema disponível.

É evidente pelo teor do texto legal e normativo que as Instituições Financeiras podem sim operar por meio eletrônico, assegurando a simplicidade da relação comercial, o que é observado totalmente na contratação em caixa eletrônico, justamente pelo fato da operação necessitar da digitação da senha pelo cliente (que é pessoal e intransferível e, ainda, de única e total responsabilidade do portador da conta bancária), gerando comprovante físico ou eletrônico de contratação ou mantido em registro sistêmico, sendo também facilmente consultado tais informações via canais de atendimento do Banco (“Internet e Call Center”), estando sempre tais documentos à disposição total do cliente, inclusive, para o cancelamento do serviço contratado dentro de 07 (sete) dias, conforme já dispõe o Artigo 49, do Código de Defesa do Consumidor, vide na sequência:

“Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados. ”.

Em tal diapasão, se o cliente pode contratar e descontratar via canal eletrônico em tempo hábil e tendo ciência dos detalhes efetivos da contratação ocorrida, por qual razão não teríamos segurança no quesito eletrônico? Os magistrados devem entender que, a operação via tecnologia auxilia os próprios consumidores quanto a segurança do ato de contratação, pois como já ressaltamos, tudo na esfera eletrônica deixa rastros e pistas, passível de descobrirmos na íntegra os detalhes efetivos de determinada contratação, totalmente positivada pelo nosso Judiciário.

Veja que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal também já se pronunciou sobre a legalidade da contratação eletrônica, em julgamento de apelação datado de 11.11.2015 (TJ-DF – Apelação Cível APC 20140111450486 ), discorrendo:

“Ementa: AÇÃO DE COBRANÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA EM RAZÃO DE NÃO ANÁLISE DO PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. AUSÊNCIA DE DOCUMENTO ESSENCIAL À PROPOSITURA DA AÇÃO. CONTRATOELETRÔNICO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE TERMO FÍSICO DE ADESÃO. DISPENSÁVEL. PRELIMINARES REJEITADAS. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS, COMISSÃO DE PERMANÊNCIA, TABELA PRICE, INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA E MULTA. LEGALIDADE. REVISÃO DO CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. IMPOSSIBILIDADE. VÍCIO DO NEGÓCIO JURÍDICO. LESÃO ENORME. ONEROSIDADE EXCESSIVA. INAPLICABILIDADE. 1. Se o julgador monocrático reputou prescindível a produção da prova em questão para formar seu convencimento, considerando ser suficiente o conjunto probatório apresentado, agiu em consonância com o Código de Processo Civil (art. 330, I CPC). 2. A inexistência de contrato escrito é irrelevante para comprovar o vínculo obrigacional, uma vez essa formalidade não ser essencial para a validade da manifestação de vontade relacionada aos contratos eletrônicos, de modo que a existência desse vínculo pode ser demonstrada por outros meios de prova admitidos em direito, no caso dos autos o extrato demonstrativo da operação. Ademais, o contrato foi firmado por meio eletrônico mediante a utilização de senha pessoal de uso exclusivo do correntista, inexistindo assim o contrato escrito. 3. As operações bancárias consumadas por meio eletrônico não geram documentos físicos de adesão aos termos gerais da contratação ofertada pela instituição financeira. 4. Pactuada de forma expressa e clara, é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31/3/2000, data da publicação da Medida Provisória 1.963-17/2000 – em vigor como MP 2.170-36/2001 (Resp. 973827/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJ 24/09/2012). 5. É válida a incidência da comissão de permanência quando não cumulada com outro encargo ou qualquer outra quantia que compense o atraso no pagamento…”.

Outrossim, temos que é aceitável e já previsto pelo atual Código de Processo Civil a contratação eletrônica como prova nos processos englobando referida matéria, onde colaciono de modo claro o disposto nos artigos 440 e 441 do nosso novo Código de Processo Civil:

Art. 440.  O juiz apreciará o valor probante do documento eletrônico não convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor.

Art. 441.  Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e conservados com a observância da legislação específica. ”

Novamente, é notório e aceito o documento eletrônico ou seus deslindes (citando, por exemplo, extrato bancário ou tela do Internet Banking) como meio de prova no Direito Bancário brasileiro, e assim, concluímos que:

01º – Temos Regulamentação do Banco Central do Brasil para operação eletrônica;

02º – É possível contratação efetiva entre entes ausentes, preceituado no Código Civil; e

03º – O Código de Processo Civil aceita prova eletrônica.

Assim, o cliente ao aceitar as condições ofertadas pelo acesso via canal eletrônico, será responsável pela atitude tomada. O ordenamento jurídico, aos poucos, já reforça o entendimento de positivar a contratação eletrônica, sendo prova incontroversa o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul/RS, que se posicionou em 2013, face Apelação Cível (Apelação Cível Nº 70057100810, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Julgado em 19/11/2013), dizendo:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. CONTRATOSELETRÔNICOS. DECLARATÓRIA. DANO MORAL. MÚTUOS PACTUADOS PELO AUTOR. AUSÊNCIA DE NULIDADE. Comprovada a existência da contratação, tendo em vista que os empréstimos foram contratados, em nome da parte autora, diretamente no caixa eletrônico. Subtende-se que os valores e as condições de pagamento eram de conhecimento do autor, quando este pagou quase que a totalidade dos contratos firmados, estes parcelados em 48 vezes. Era da parte o dever de demonstrar as abusividades (patamar de juros contratados, prazo e não formalização das avenças) alegadas, ônus do qual não se desincumbiu, nos termos do art. 333, I, do CPC. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70057100810, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Julgado em 19/11/2013)

Finalizando o raciocínio quanto a legalidade da contratação por meio eletrônico (com utilização da senha ou biometria, que é pessoal e intransferível), bem como, trazendo a definição do nosso Sistema Judiciário quanto a referida contratação e sua possibilidade, temos o seguinte acórdão proferido pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), nos autos do Recurso Especial nº 602.680 – BA (2003/0195817-1):

 “…

Desse modo, achando-se na posse e guarda do cartão e da senha, a presunção lógica é a de que se houve o saque com o emprego de tal documento magnético, cabe à autora provar que a tanto não deu causa. Não basta alegar que dele não fez uso. Tem de demonstrá-lo. ”.

E

A hipótese retratada nestes autos é idêntica, porquanto no saque não houve utilização apenas do cartão magnético, mas, também, como sustenta o Banco, da senha pessoal criptografada, que, por força de contrato, “é um código privativo e de conhecimento exclusivo do titular da conta” (fls. 70)..”.

Por todo o exposto, vemos que já existe pronunciamento do órgão superior de nosso país (STJ) quanto a responsabilidade do cliente na guarda e utilização da senha e cartão, e ainda, das contratações por meio eletrônico. Com isso, é notório que o entendimento de nossa corte é amplo e já consolidado para as decisões de ações cíveis englobando tal natureza bancária e processual. Assim, o Judiciário passará a observar melhor ações análogas a tal tema.

Nos casos em que não for possível provar eventualmente a contratação eletrônica por algum modo, a devida perícia técnica poderá esclarecer o ocorrido nos detalhes, pois tudo é mapeado no ambiente da tecnologia.

Levando-se em consideração que o ordenamento jurídico e regulador permite a contratação por meio eletrônico, carece do Judiciário melhor entendimento sobre tal matéria e como eventualmente se operacionaliza uma fraude bancária, para inclusive, diminuir o estoque de ações sobre tal tema e legalidade da contratação.

 

 

 

 

 

 

 

Autor: Douglas Belanda é advogado corporativo em São Paulo. Especialista em Contratos e Operações Bancárias (FGV/SP), Processo Civil (Fadisp), Direito Aeronáutico (UFABC) e Acordos para Representantes de Empresas pela (UnB).


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