Incoerência nos honorários de sucumbência em caso de RPV

Autor:  José Jácomo Gimenes (*)

 

O § 7º do artigo 85 do novo CPC estabelece que “não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada”. A regra conforma-se com a polêmica decisão do Supremo Tribunal Federal (RE 420.816/PR, de 29/9/2004), que declarou constitucional o artigo 1º-D da Lei 9.494/97, na redação que lhe foi dada pela MP 2.180-35/2001, reconhecendo a inexistência de honorários de sucumbência na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, excluídos os casos de pagamento de obrigação definidos em lei como de pequeno valor (CF88, artigo 100, § 3º). A jurisprudência majoritária acompanha este precedente do Supremo.

A aplicação literal da regra gera um paradoxo risível: um cumprimento de sentença de R$ 50 mil, abaixo de 60 salários mínimos, limite legal de pequeno valor no âmbito federal, contra a Fazenda Pública, com pagamento sujeito a Requisição de Pequeno Valor (RPV), tem honorários de sucumbência, mesmo não impugnada. Um cumprimento de sentença de R$ 60 mil, por exemplo, acima dos 60 salários mínimos, não impugnada pela Fazenda Pública, com pagamento sujeito a precatório, não tem honorários de sucumbência. As petições são idênticas, o trabalho o mesmo, a não ser pela diferença no valor do crédito.

A regra é também um exemplo de injustiça. No caso dos valores elevados, muitas vezes milhões, em que o pagamento depende do procedimento previsto na Constituição (caput do artigo 100), o famoso precatório, com inclusão no orçamento público e pagamento no ano seguinte, demorando de 8 meses a 1 ano para realizar-se, ou mais, a Fazenda Pública não paga honorários de sucumbência. No caso de pequenos valores, sujeitos a procedimento de RPV, mais simples, também regulado em lei (artigo 17 da Lei 10.259/2001), em que o pagamento é feito em 60 dias, muito mais rápido, a Fazenda Pública tem que pagar honorários de sucumbência. Quando é mais eficiente, a Fazenda Pública paga mais. Incoerência insustentável.

Na disputada decisão do Supremo sobre o assunto (RE 420.816/PR, de 29/9/2004), a razão fundante aceita foi “O processo de execução por quantia certa contra a Fazenda Pública é um desdobramento necessário para satisfação do débito reconhecido por sentença, ao contrário do que acorre na execução por quantia certa contra devedor particular” ou “Na execução contra particular, só se vai ao processo de execução se há mora. Mas, ao contrário, a Fazenda não pode pagar sem precatório”. Também foi reconhecido como fundamento paralelo a ausência de sucumbência, uma vez que a Fazenda concorda com o valor ao não impugnar a execução.

Em Embargos de Declaração, o ministro Sepúlveda Pertence, relator para o acórdão, explicou: “1. Na medida em que o caput do art. 100 condiciona o pagamento dos débitos da Fazenda Pública à “apresentação dos precatórios” e sendo estes provenientes de uma provocação do Poder Judiciário, é razoável que seja a executada desonerada do pagamento de honorários nas execuções não embargadas, às quais inevitavelmente se deve submeter para adimplir o crédito. 2. O mesmo, no entanto, não ocorre relativamente à execução de quantias definidas em lei como de pequeno valor, em relação às quais o § 3º expressamente afasta a disciplina do caput do art. 100 da Constituição.”

Como se vê, as razões do discrímen é a ausência de impugnação, a necessidade de um procedimento legal para pagamento e ausência de sucumbência. Estas três condições também ocorrem no caso de pagamento de pequenos valores por RPV. É de conhecimento corrente que o procurador da Fazenda Pública não tem verbas para pagamento à sua disposição. O pagamento de pequenos valores pela Fazenda Pública também necessita de um procedimento, conhecido como RPV, regulado pelo artigo 17 da Lei 10.259/2001, feito pelo juízo de primeira instância à Presidência do Tribunal, onde é processado e pago com verba disponibilizada pela Fazenda Pública.

A exceção do § 3º do artigo 100 da Constituição, mencionada nos Embargos de Declaração do RE 428.616 ED/PR, acima citado, com todo respeito que merece o julgado da Suprema Corte — ainda não vinculante para as instâncias inferiores — refere-se somente a não necessidade de precatório e respectiva inclusão do orçamento do ano seguinte. A exceção é no sentido de garantir pagamento simplificado, mais rápido, com verba disponibilizada no orçamento corrente, mas também depende de inafastável procedimento legal (artigo 17 da Lei 10.259/2001), requisição (RPV) pelo juízo sentenciante e deferimento pela Presidência do respectivo Tribunal, que controla a verba disponibilizada e ordena o pagamento.

Com estas razões, centradas no princípio da igualdade, racionalidade sistêmica, interpretação conforme a Constituição e justiça, parece razoável sustentar que o termo precatório, constante do § 7º do artigo 85 do novo CPC, deve incluir também a RPV. Por consequência, não deve ser fixado honorários de sucumbência em cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, quando não impugnada, também nos casos sujeitos a RPV. A crítica respeitosa e de boa-fé tem um valor importante no aprimoramento do sistema judicial. Os tribunais têm obrigação de manter a jurisprudência íntegra e coerente, conforme determina o artigo 926 do novo CPC.

 

 

 

 

Autor:  José Jácomo Gimenes é juiz federal e professor universitário.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento