Violência em presídios decorre de ausência de vontade governamental

Autor:  José Ribamar da Costa Assunção (*)

 

Todos, sem exceção, desde o cidadão comum até o homem letrado, a mídia, o parlamento nacional, o governo, federal, estadual e municipal, os especialistas em Direito Penitenciário, Direito Penal e Processual Penal, a polícia, preventiva e repressiva, o Poder Judiciário e o Ministério Público, admitem que o sistema prisional brasileiro está carcomido: sua ineficiência é alarmante e sem dúvida assusta a todos nós. As consequências da falta de medidas eficazes no combate à violência deixam o povo, toda a sociedade, em polvorosa. Mas uma análise meticulosa da situação mostra que o governo federal e os governos estaduais (causa frustração a dependência dos municípios) são os grandes responsáveis pelo agravamento da violência em nosso país, visto que não fazem investimentos visando assegurar direitos básicos do cidadão, previstos na Constituição Federal, tais como educação, saúde, moradia, trabalho, segurança, previdência social, proteção à infância e assistência aos desamparados, entre outros constantes do artigo 6º da CF.

Um país que não possui educação e saúde públicas de qualidade; com sérios bolsões de pobreza e miséria, uma imensa população de malandros e desocupados perambulando nas ruas, sem uma política séria de moradia para as classes mais carentes, deixando que se proliferem favelas, antros de marginais, pessoas sem ocupação definida, flanelinhas, drogados, gerando no cidadão a imagem terrível da falta de segurança dentro dos seus próprios lares; um Estado que não reconhece devidamente os direitos do homem aposentado, que não respeita velhos e idosos, que não conta com políticas eficazes em favor da criança, permitindo que instituições de caridade assumam o papel que cabe ao governo, certamente terá um povo insatisfeito com os programas sociais e nunca poderá debelar a onda de violência, que se agrava a cada dia.

Dias atrás, o ministro da Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes, foi a uma rede nacional de TV para anunciar o “Plano de Segurança Pública Nacional” e afirmou , a propósito do massacre com 56 mortes no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, que a situação estava “sob controle”. Contudo, cinco dias após o massacre de Manaus, 33 presos foram mortos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, localizada na zona rural de Boa Vista. Evidente que o ministro se equivocou, como também restou equivocada a conclusão feita pelo presidente Michel Temer, que, apesar de um doutorado em Direito Público e tendo sido Secretário de Segurança Pública em São Paulo, denominou o massacre na Penitenciária de Manaus de “acidente”. Ora, o mais alto mandatário do país chamou uma “tragédia anunciada” de acidente!

Em 2014, o Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado do Ministério Público de São Paulo revelou que o PCC era praticamente onipresente nos presídios paulistas e que a organização possuía planos de expandir-se para os demais estados. Um promotor de Justiça em São Paulo, entrevistado pela revista Carta Capital, em março de 2014, alertava que o grupo organizado do PCC tencionava promover revoltas em presídios. Bem antes disso, em 2012, um relatório produzido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), órgão do Ministério da Justiça, agora denominado Ministério da Justiça e Cidadania, já apontava a expansão dessa organização criminosa por todo o território nacional. O Relatório Infopen – Dezembro de 2014, preparado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da Justiça, reconhece que as críticas dirigidas ao sistema penitenciário procedem, “em boa parte”, havendo inegável “violação de direitos das pessoas privadas de liberdade no Brasil”.

Os níveis de encarceramento, cerca de 300 presos para cada 100 mil habitantes, enquanto a taxa mundial é de 144 presos por 100 mil habitantes, diz o mesmo relatório, são preocupantes, considerando que o nosso país tem a quarta maior população carcerária do mundo, cerca de 622 mil presos, enquanto a população carcerária na Índia é de 418 mil presos, embora o país da Ásia Meridional seja o segundo mais populoso do mundo e o Brasil fique no quinto lugar. Era, portanto, previsível a onda de rebeliões com assassinatos em massa nos presídios de Manaus e Boa Vista. Todos sabiam e, entretanto, nada foi feito para evitá-las.

O Relatório do Depen afirma, porém, que os três países com maior contingente de presos, os Estados Unidos, a China e a Rússia, estão reduzindo as suas taxas de encarceramento nos últimos anos; mas o Brasil segue uma trajetória diametralmente oposta. As penitenciárias brasileiras, de um modo geral de má qualidade, em péssimo estado de conservação, estão, como todos sabem, com o número de presos bem acima do número de vagas, segundo dados de 2014: 622 mil presos para apenas 371 mil vagas! No momento, estatísticas oficiais dizem que a taxa de crescimento anual de presos é de 7%.

A cota de responsabilidade do governo em face do problema não admite tergiversações e discursos com o mero objetivo de minimizar o caos carcerário. A resenha dos acontecimentos demonstra a omissão ou ausência estatal nos estabelecimentos penais e os estudos e estatísticas apontam, de maneira clara, as mazelas do sistema carcerário, envolvendo grande contingente de funcionários, mal remunerados e sem treinamento. Tudo isso, somado à prática generalizada da tortura ao lado da corrupção de funcionários e dirigentes de presídios, retrata o mau gerenciamento do sistema. A superpopulação carcerária contém riscos os mais diversos, resultado da incompetência dos governos no trato da questão penitenciária, o que torna flagrante a violação de preceitos constitucionais e da Lei de Execução Penal. Estes diplomas legais determinam a necessidade de cumprimento da pena privativa de liberdade em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado (artigo 5º, XLVIII, da CF), asseguram ao preso o respeito à integridade física e moral (artigo 5º, XLIX, da CF), cuidando ainda da disciplina nos presídios e demais estabelecimentos penais (artigos 44 a 60, da Lei 7.210/84), além de nomearem e classificarem os estabelecimentos penais segundo os seus fins (artigos 82 a 104, da Lei 7.210/84).

O que aconteceu no Amazonas, depois em Roraima, na Paraíba, no Paraná e, por último, no Rio Grande do Norte, pode ocorrer em qualquer região do país e decorre da ausência de vontade governamental no trato do problema penitenciário, que é nacional. A taxa de assassinatos nas prisões brasileiras é de 58 presos para cada 100 mil habitantes, segundo matéria do jornal Folha de S.Paulo. O Estado brasileiro não exerce qualquer controle sobre a situação, este é o diagnóstico correto, não sendo aceitável que as autoridades preguem o contrário. As facções criminosas dominam os presídios, que escolheram para montar o seu quartel-general. Aqui, os chefes dirigem com mão de ferro todas as ações de interesse dos grupos dominantes: lideram rebeliões, decidem quem deve morrer, saem, quando querem; voltam, quando é mais conveniente. Os diretores de presídios são figuras decorativas e o Estado fica assistindo a tudo sofismando que controla alguma coisa.

No Estado do Piauí, cuja população carcerária é de 4 mil presos e nem de longe se compara a São Paulo, com cerca de 232 mil presos, houve 16 assassinatos em estabelecimentos penais, de acordo com o Sindicato dos Agentes Penitenciários (Sinpoljuspi), uma cifra que evidencia a insegurança nos presídios, não estando as unidades federadas cumprindo prescrições legais no atinente à proteção que devem dar aos presidiários.

Não há dúvida de que é necessário construir presídios no Brasil, de preferência presídios regionalizados, como acentua o presidente da OAB Nacional, Cláudio Lamachia. Justificável a construção desses estabelecimentos em face da superlotação carcerária, por haver um excedente de presos muito acima da capacidade dos estabelecimentos que temos. No Complexo Penitenciário Anísio Jobim, por exemplo, havia 1.224 homens para apenas 454 vagas, ou seja, o triplo da capacidade do presídio! Mas soltar criminosos como forma de resolver a superlotação de presídios jamais será uma solução; ao contrário, contribuirá para o aumento da criminalidade. Teremos aí a impunidade velada e estaremos penalizando a população composta de pessoas que trabalham, as famílias, as pessoas de bem, que ficarão à mercê dos criminosos.

A solução, pregada por certos “especialistas”, de que devemos prender menos, praticamente acabando com as prisões provisórias e diminuindo as definitivas, mandando para o regime aberto ou impondo penas alternativas a diversos tipos de criminosos, não é criteriosa, está equivocada. César Dario Mariano da Silva, promotor de justiça em São Paulo, mestre em Direito das Relações Sociais e especialista em Direito Penal, leciona que “A tão propalada tese de que o Brasil prende demais não resiste a uma análise lógica e honesta” (leia aqui). O crescente e enorme número de criminosos ocupando presídios, no país, não são de praticantes de crimes leves, exceção aos casos de reincidentes, e sim de homicidas, latrocidas, traficantes, estupradores, dentre outros criminosos violentos. Prende-se de acordo com a legislação em vigor.

As medidas a serem implementadas, visando o combate da violência, deverão conter mecanismos capazes de evitar ações das chamadas organizações criminosas, contribuindo, em curto e médio prazo, para o desmantelamento delas e sua extinção. O crime organizado, mormente ações levadas a efeito em presídios por facções criminosas, precisa ser combatido com mais rigor e, se necessário, com implantação da pena de morte no Estado brasileiro.

Investimentos dos governos na modernização e construção de estabelecimentos penais são medidas que se impõem. Contudo, o sistema penitenciário necessita de pessoal preparado, de boa formação técnica, capacitados para executar funções e tarefas indispensáveis ao pleno funcionamento das unidades prisionais, além de pessoas qualificadas na direção dos estabelecimentos, que não devem ser administrados por entidades privadas, visto que é dever do Estado preservar a ordem pública e cuidar da segurança das pessoas (artigo 144, da CF). Necessário que o Brasil esteja preparado para atingir metas de excelência no serviço público, se pretende ser uma grande Nação, cuidando da segurança, educação e saúde do seu povo.

A União, os estados e os municípios devem estar unidos nessa cruzada contra a violência, única maneira sensata de reprimir a barbárie já instalada e organizada em nosso país.

 

 

 

 

Autor:  José Ribamar da Costa Assunção é procurador de Justiça do Ministério Público do Piauí.


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