Autor: Rodrigo Haidar (*)
Idôneo, técnico, sério, corajoso e dono de uma sólida carreira na área jurídica. A maior parte das declarações sobre o ministro Teori Zavascki, morto nesta quinta-feira (19/1) em um trágico acidente aéreo, resume essas qualidades invejáveis e incomuns do juiz do Supremo Tribunal Federal. Mas uma de suas mais marcantes características, muito pouco lembrada, era o seu bom humor.
Advogados recebidos em audiências no gabinete do ministro, no Superior Tribunal de Justiça desde 2003, e depois no STF a partir de 2012, pouco conheceram dessa faceta de Teori. Já aqueles que frequentavam os círculos da Justiça em Brasília sempre souberam que ao lado da figura austera do magistrado andava a de um homem bastante afável e de um bom humor à toda prova. Mesmo quando estava envolto em complexos julgamentos ou quando havia tomado polêmicas decisões, o ministro não deixava de circular em Brasília.
Os jornalistas que cobrem Poder Judiciário na capital da República sabiam que iriam encontrá-lo nas festividades em tribunais, como posses, lançamentos de livros e outros encontros onde se reuniam magistrados de todos os calibres. Mas também tinham consciência de que não haveria a menor possibilidade de conseguir informações sobre os processos que ele julgava ou iria julgar. Nem por isso ele deixava de conversar — ou desconversar com classe quando necessário.
Há casos exemplares disso. Pouco antes de ser nomeado para o Supremo, seu nome já circulava como um dos favoritos para a vaga do ministro Cezar Peluso. Teori Zavascki, então ministro do STJ, compareceu a uma solenidade no Tribunal Superior Eleitoral e foi imediatamente rodeado pelos jornalistas. A pergunta que todos queriam fazer, porque era cobrada nas redações, era a seguinte: “Vossa Excelência irá participar do julgamento do processo do mensalão? Se participar, irá pedir vista para se inteirar do caso?”.
Um dos repórteres fez a pergunta. Seguiu-se o silêncio dos colegas, na expectativa da resposta. Teori, então, abriu um largo sorriso, reconheceu na roda um jornalista gremista como ele e perguntou, caminhando na direção dele: “E o nosso Grêmio, hein?!”. E deixou na roda a maior parte dos jornalistas colocando as mãos nos bolsos por não saber o que fazer com elas após o drible. O ministro, depois, assumiu o STF, não pediu vista e julgou o processo.
Em novembro de 2014, já relator das ações que compõem a operação conhecida como “lava jato”, foi ao aniversário de uma jornalista de quem se tornou amigo no STF. Entrou no bar, sentou-se à mesa, pediu um drinque e ficou ali jogando conversa fora com uma dúzia de coleguinhas cheios de perguntas na cabeça. Nenhuma foi feita, porque se sabia perfeitamente que não seriam respondidas. Teori estava ali como o amigo da jornalista. O ministro havia ficado no tribunal. Todos sabiam disso.
Um deles, não se aguentando, ensaiou algumas perguntas. “Ministro, o trabalho do STF é mais pesado do que no STJ, não é? O holofote é maior, as decisões repercutem mais…” O ministro respondeu que o trabalho não era mais difícil do que o de muitos juízes de primeira instância porque a responsabilidade era a mesma. Em seguida, virou-se para o outro lado da mesa e se meteu numa conversa sobre viagens. Com leveza, sem destratar o jornalista.
Teori Zavascki era sereno. Certa vez, foi alvo de notícia sobre gastos com passagens aéreas no STJ. Noticiou-se que ele viajava muito próximo aos finais de semana. Nem sempre em missão ou compromisso oficial para cumprir. Ministros do STJ e amigos insistiram para que ele respondesse à imprensa e dissesse o motivo das viagens — acompanhar o tratamento médico de sua mulher, que morreu pouco tempo depois. Ele não respondeu e, tranquilo, disse aos colegas: “Prefiro passar por perdulário do que expor minha mulher”. Também não guardou mágoas do noticiário ou de jornalistas. Sabia que, de alguma forma, era parte do trabalho da imprensa investigar gastos. E que as notícias passam, como tudo na vida.
Em sua sabatina no Senado, em novembro de 2012, disse que fazia parte das atribuições de um juiz tomar decisões impopulares. Afirmou que não cabe a um magistrado, principalmente se ocupar o Supremo, observar estritamente a vontade popular. “Eu diria até que, se fosse levar em conta a vontade popular, nós teríamos implantada no Brasil a pena de morte há muito tempo.” Teori ressaltou que o juiz não deve tomar sempre decisões que agradem à maioria: “Às vezes, para aplicar a lei, não se escapa da impopularidade. Por isso é que a Constituição assegura aos juízes a prerrogativa de serem vitalícios e inamovíveis”. Não foi por outro motivo que muito se comemorou no meio jurídico o fato de ser ele o sorteado para relatar os processos da “lava jato”. E a pressão sobre ele foi grande. Mas Teori não se dobrou e tratou as ações com a mesma seriedade que tratava todos os seus casos.
Quando encontrei com o ministro pela primeira vez para uma entrevista, há mais de dez anos, cheguei ansioso por causa de sua fama de austero e ríspido. Enviei as perguntas dias antes do encontro ao seu gabinete no STJ. Com cinco minutos de conversa, a imagem anterior se desfez. Teori Zavascki respondeu a tudo, mas apontou que algumas perguntas eram irrelevantes e sugeriu questões muito mais importantes do ponto de vista da jurisprudência que não haviam sido elaboradas por mim. E, com humor e leveza, aconselhou, como quem dá uma bronca: “Dê uma olhada no boletim de jurisprudência do tribunal. Algumas das principais decisões estão lá. É um bom guia do que é importante”. Ajudou o repórter leigo a descobrir um dos caminhos para boas notícias.
Autor: Rodrigo Haidar é jornalista.