O impacto da PEC 287/2016 sobre os servidores públicos

Autora: Déborah de Andrade Cunha e Toni (*)

 

A seguridade social, que deveria servir como instrumento de políticas públicas para o cumprimento dos direitos e garantias fundamentais constitucionalmente previstos, tem sido alvo constante de reformas restritivas de direitos dos servidores, justificadas por um propalado desequilíbrio financeiro e atuarial da seguridade social.

Em 5 de dezembro de 2016, o Poder Executivo submeteu à análise do Congresso Nacional a PEC 287, com o suposto intuito de “fortalecer a sustentabilidade do sistema de seguridade social”.

Na prática, a PEC 287/2016 implementou verdadeira reforma previdenciária e criou óbices e restrições à fruição de direitos sociais, formadores da base do ordenamento jurídico do Estado Democrático de Direito.

Foram alterados os requisitos para a aposentadoria dos servidores públicos, modificados os critérios de cálculo de seus proventos, estabelecidas vedações quanto à cumulação de benefícios previdenciários, remodelada a concessão da pensão por morte e criadas regras de transição para aqueles que cumprirem as exigências constantes na Emenda, pontos que serão abordados ao longo deste artigo.

Caso a PEC 287/2016 seja aprovada, os requisitos e os critérios para a concessão de aposentadoria aos servidores públicos serão alterados de forma substancial. De início, a Constituição unificará em 75 anos a idade para a aposentadoria compulsória, conforme já previa a LC 152/2015.

Também a aposentadoria voluntária do servidor público sofrerá alterações expressivas. Antes, desde que cumpridos o tempo mínimo de 10 anos de efetivo exercício no serviço público e 5 anos no cargo em que se desse a aposentadoria, o homem com 60 anos de idade e 35 anos de contribuição e a mulher com 55 anos de idade e 30 anos de contribuição teriam direito de se aposentar.

Caso não houvessem cumprido o tempo mínimo de contribuição, os servidores poderiam se aposentar voluntariamente com proventos proporcionais, desde que completados 65 anos de idade, se homem, ou 60 anos de idade, se mulher.

De agora em diante, são requisitos para a aposentadoria voluntária a idade mínima de 65 anos de idade e 25 anos de contribuição, desde que cumpridos 10 anos de serviço público e 5 anos no cargo em que se dará a aposentadoria, sem distinção de gênero.

Além disso, o artigo que antes estabelecia que os proventos de aposentadoria do servidor não poderiam exceder a remuneração do cargo em que se desse a inativação, agora conta com a seguinte redação: “Os proventos de aposentadoria não poderão ser inferiores ao limite mínimo ou superiores ao limite máximo estabelecidos para o regime geral de previdência social”. Trata-se de equiparação dos valores dos benefícios do regime próprio aos do RGPS.[1]

No que tange à forma de cálculo dos proventos, a Constituição previa que seriam consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que estivesse vinculado, “na forma da lei”. Para regulamentar esse dispositivo, foi editada a Lei 10.887/2004, que previa, no artigo 1º, que seria considerada a média aritmética simples das maiores remunerações utilizadas como base para as contribuições, correspondentes a 80% de todo o período contributivo.

Com as modificações promovidas pela PEC 287/2016, na hipótese de aposentadoria voluntária, os proventos corresponderão a 51% da média das remunerações e dos salários de contribuição utilizados como base para as contribuições, acrescidos de 1 ponto percentual para cada ano de contribuição considerado na concessão da aposentadoria, até o limite de 100% da média.

Isso significa que, para o servidor obter 100% da média das remunerações percebidas no período de cálculo, deverá perfazer um total de 49 anos de contribuição, tendo em vista que, para cada ano de contribuição, soma-se um ponto percentual (51% + 49% = 100%).

No que se refere à aposentadoria compulsória, os proventos corresponderão ao resultado do tempo de contribuição dividido por 25, multiplicado pelo resultado do cálculo de que trata o inciso I. Exemplo: um servidor que, ao chegar aos 75 anos de idade, tenha contribuído por 20 anos, fará jus a proventos calculados da seguinte forma: (20/25) x (51% + 20%) = 0,8 x 71% = 56,8% da média das remunerações utilizadas como base para as contribuições.

A PEC 287/2016 também altera a aposentadoria especial do servidor público. Apesar de ter sido mantida a possibilidade de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão do benefício, nos termos dispostos em lei complementar específica, a PEC estabelece limitações a esse direito.

A possibilidade de concessão de aposentadoria especial aos servidores que laborem sob condições que prejudiquem a “integridade física” foi suprimida do texto constitucional. Essa prerrogativa será mantida para os servidores cujas atividades sejam exercidas sob condições prejudiciais à saúde, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação. Portanto, para fazer jus ao benefício, o servidor deverá comprovar a exposição ao agente nocivo.

Ademais, os servidores do magistério, assim como os servidores que exercem atividades de risco, não mais farão jus à aposentadoria especial, exceto aqueles abrangidos pelas regras de transição.

Ainda no âmbito da aposentadoria especial, a PEC 287/2016 limitou a redução do tempo exigido para a obtenção do benefício a, no máximo, 10 anos no requisito idade e 5 anos no requisito tempo de contribuição. Assim, mesmo quem faça jus ao direito (deficientes, servidores sujeitos a agentes nocivos, etc), só poderá se aposentar aos 55 anos de idade e após 20 anos de contribuição.

No que tange à possibilidade de cumulação de benefícios, a atual Constituição veda a percepção de mais de uma aposentadoria regida pelo RPPS, ressalvadas as decorrentes dos cargos acumuláveis.

Com as alterações dadas pela PEC 287/2016, sobrevieram 2 outras vedações. O servidor não poderá cumular: i) mais de 1 aposentadoria no âmbito do RPPS, com a ressalva daquelas decorrentes de cargos cumuláveis; ii) mais de 1 pensão por morte, seja no âmbito do RPPS, do RGPS, das Forças Armadas (FAs) ou das Polícias Militares (PMs) e dos Corpos de Bombeiros Militares (CBMs); e iii) 1 pensão por morte com 1 aposentadoria, seja no âmbito do RPPS, do RGPS, das FAs ou das PMs e dos CBMs, assegurado o direito de opção por 1 dos benefícios.

No que se refere à concessão de pensão por morte [2], não mais valerá a regra de que o benefício corresponderá à totalidade dos proventos do servidor falecido (servidor aposentado na data do óbito) ou à totalidade da remuneração no cargo efetivo em que se deu o falecimento (servidor ativo na data do óbito) até o teto do RGPS, acrescido de 70% da parcela excedente a esse limite.

A partir de agora, o benefício será equivalente a uma cota familiar de 50%, acrescida de cotas individuais de 10% por dependente, até o limite de 100%.

Na hipótese de óbito de servidor aposentado, as cotas familiares serão calculadas sobre a totalidade de seus proventos, respeitado o teto do RGPS. A pensão corresponderá a 50% da totalidade dos proventos de aposentadoria do servidor falecido, mais 10% por dependente, até o teto do RGPS.

No caso de óbito de servidor em atividade, as cotas familiares serão calculadas de acordo com os proventos de aposentadoria a que o falecido faria jus caso fosse aposentado por incapacidade permanente [3], também respeitado o teto do RGPS. A pensão equivalerá a 50% do valor obtido, mais 10% por dependente, até o limite do teto do RGPS.

Além das alterações citadas, a PEC 287/2016 equipara as regras do RPPS às do RGPS para fins de definição dos dependentes e das condições necessárias para o enquadramento às regras.

Estabelece, ainda, que as cotas individuais cessarão com a perda da qualidade de dependente e não serão reversíveis aos demais beneficiários. Ou seja, o valor da pensão diminuirá na medida em que os filhos do servidor falecido deixarem de ser dependentes.

Por fim, a PEC 287/2016 prevê que o tempo de duração da pensão por morte e as condições de cessação das cotas individuais serão estabelecidos conforme a idade do beneficiário na data do óbito do servidor, na forma prevista para o RGPS.

Outrossim, a partir de agora serão obrigatórias a instituição do regime de previdência complementar para os servidores públicos e a limitação de seus benefícios previdenciários ao teto do RGPS [4]. Frise-se que a previdência complementar não será mais, necessariamente, gerida por entidades fechadas de natureza pública. Na prática, essa alteração permite o gerenciamento também por entidades abertas de previdência privada, como bancos e seguradoras.

Ainda a respeito do tema, permanece inalterada a previsão de que, apenas mediante sua prévia e expressa opção, o novo regime será aplicado ao servidor que tiver ingressado no serviço público até a instituição do respectivo regime de previdência complementar.

Ou seja, o teto do RGPS apenas poderá ser imposto aos servidores que ingressaram no serviço público após a instituição do regime de previdência complementar, ou que ingressaram anteriormente e exerceram essa opção.

Finalmente, merece relevo o mecanismo automático de elevação da idade mínima para a aposentadoria implementado pela PEC 278/2016. Sempre que verificado o incremento mínimo de 1 ano inteiro na expectativa de sobrevida do brasileiro, medida pelo IBGE a cada ano, serão majoradas as idades previstas para aposentadoria compulsória (75 anos) e voluntária (65 anos) [5].

É importante destacar que a PEC 287/2016 assegura a concessão de aposentadoria ao servidor público e de pensão por morte aos seus dependentes que tiverem cumprido os requisitos para a obtenção dos benefícios até a data de promulgação da Emenda com base nos critérios da legislação vigente na data de atendimento dos requisitos.

Para aqueles que não tiverem cumprido os requisitos para a obtenção dos benefícios no momento em que for implementada a reforma previdenciária, a PEC 287/2016 estabelece regras de transição, que possibilitam ao servidor a obtenção de aposentadoria — e a seus dependentes, a percepção de pensão por morte — com critérios e formas de cálculo mais benéficos.

Aquele que tiver ingressado no serviço público até a data da promulgação da PEC n. 287/2016 e que tenha 50 anos, se homem, ou 45 anos, se mulher, poderá se aposentar de acordo com as regras de transição quando cumprir todos os seguintes requisitos: i) 60 anos (homem) ou 55 anos (mulher) de idade; ii) 35 anos (homem) ou 30 anos (mulher) de contribuição; iii) 20 anos de serviço público; iv) 5 anos de exercício no cargo em que se der a aposentadoria; e v) desde que cumprido o “pedágio” de 50% de contribuição adicional sobre o tempo que falta para o cumprimento dos 35 ou 30 anos de contribuição, se homem ou mulher.

Os servidores que ingressaram no serviço público até a data de promulgação da EC n. 20/1998 poderão ainda optar pela redução de idade mínima (60 anos de idade, se homem, ou 55 anos de idade, se mulher) em 1 dia de idade para cada dia que exceder o tempo de contribuição (35 anos de contribuição, se homem, e 30 de contribuição, se mulher). Exemplo: se o servidor homem ingressou no serviço público até a promulgação da EC 20/1998, poderá se aposentar com 58 anos de idade se tiver contribuído com 2 a mais do exigido, ou seja, 37 anos.

Contudo, diferentemente da regra de transição constante na EC 47/2005, essa regra só poderá ser aplicada se o servidor tiver pelo menos 50 anos (se homem) ou 45 anos de idade (se mulher) na data de promulgação da PEC 287/2016.

A referida PEC também estabelece regras de transição (redução de idade e de tempo de contribuição em 5 anos) para os servidores policiais e professores, que, consoante mencionado, tiveram o direito à aposentadoria especial suprimido.

Além disso, são estipuladas regras de transição para o cálculo dos proventos dos servidores que tiverem ingressado no serviço público até a promulgação da Emenda e tiverem, nessa data, pelo menos 50 ou 45 anos de idade, se homem ou mulher.

Para aqueles que ingressaram até a promulgação da EC 41/2003, os proventos corresponderão à totalidade da remuneração do cargo em que se der a aposentadoria (desde que esses servidores não optem pelo regime de previdência complementar).

Contudo, para ter direito à integralidade, é necessário que esse servidor tenha, no mínimo, 50 ou 45 anos de idade, se homem ou mulher, na data da promulgação da referida Emenda. Vale repetir: se o servidor não tiver a idade exigida, pouco importa se ingressou no serviço público antes ou depois da EC 41/2003: terá que se aposentar de acordo com as novas regras.

Já para os servidores que contem com 50 ou 45 anos de idade, se homem ou mulher, na data da promulgação da Emenda, e que tenham ingressado no serviço público após a EC n. 41/2003 e antes da instituição do respectivo regime de previdência complementar, os proventos de aposentadoria serão calculados de acordo com o artigo 1º da Lei 10.887/2004, sem a aplicação do teto do RGPS.

Isso porque a PEC 287/2016 prevê que O limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social previsto no §2º do art. 40 da Constituição somente será imposto para aqueles servidores que ingressaram no serviço público posteriormente à instituição do correspondente regime de previdência complementar ou que ingressaram anteriormente e exerceram a opção de que trata o § 16 do art. 40 da Constituição.”

Ademais, se o servidor tiver ingressado no serviço público antes da EC 41/2003 e tiver 50 ou 45 anos de idade, se homem ou mulher, na data da promulgação da Emenda, seus proventos serão reajustados pela paridade com os ativos. Se o servidor tiver ingressado no serviço público após a EC 41/2003 e tiver 50 ou 45 anos de idade, se homem ou mulher, na data da promulgação da Emenda, seus proventos serão reajustados pelas mesmas regras fixadas para o RGPS, consoante já previa a Lei 10.887/2004.

A PEC 287/2016 também estabeleceu regras de transição para a concessão de pensão por morte aos dependentes do servidor que ingressou no serviço público antes da instituição do regime de previdência complementar. Nesse caso, o benefício equivalerá a uma cota familiar de 50%, acrescida de cotas individuais de 10% por dependente, até o limite de 100%.

Na hipótese de óbito de servidor aposentado, as cotas serão calculadas sobre a integralidade de seus proventos, respeitado o teto do RGPS, mais 70% da parcela excedente a esse limite. Na hipótese de óbito de servidor ativo, as cotas familiares serão calculadas de acordo com os proventos de aposentadoria a que o falecido faria jus caso fosse aposentado por incapacidade permanente, também respeitado o teto do RGPS, mais 70% da parcela excedente a esse limite.

No ponto, vale destacar que a paridade assegurada no artigo 3º da EC 47/2005 às pensões concedidas pela regra de transição aos servidores que ingressaram até a EC 20/1998 foi extinta pela PEC 287/2016.

Em suma, são essas as alterações primordiais que ocorrerão no regime previdenciário dos servidores públicos.

Sob o pretexto de corrigir distorções no sistema e de poupar o Erário com o dispêndio de alguns bilhões de reais anuais, é de se ver que a PEC 287/2016 implementou reforma que impactará profundamente os direitos sociais, em afronta aos princípios da vedação do retrocesso social (corolário dos princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da máxima eficácia e efetividade dos direitos fundamentais) e do Estado Democrático e Social de Direito, com destaque ao princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança.

O próximo passo para a aprovação da PEC 287/2016 será a votação do parecer do relator, deputado Alceu Moreira, pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Depois disso, a PEC será votada pelo Plenário dessa Casa e, caso aprovada, seguirá para tramitação no Senado.

* Clique aqui para ter acesso a um estudo mais aprofundado acerca das alterações implementadas pela PEC 287/2016 e ao quadro de simulação da aposentadoria dos servidores (a depender da idade e da data de ingresso no serviço público).

 

 

 

 

 

Autora: Déborah de Andrade Cunha e Toni é advogada, sócia do Torreão Braz Advogados.


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