Cade reconhece amparo legal para atuação do Cenp e arquiva processo

Autores: Tercio Sampaio Ferraz Junior e Thiago Francisco da Silva Brito (*)

 

Em dezembro último, final do ano de 2016, o Conselho Executivo das Normas-Padrão (Cenp) completou 18 anos de existência. Em janeiro já deste novo ano de 2017, um processo administrativo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) de mais de 10 anos de tramitação que investigava a atuação do Cenp foi arquivado por unanimidade, sem qualquer condenação à entidade.

Na gênese do Cenp, nos idos de 1998, as Normas-Padrão da Atividade Publicitária, que deram origem à entidade, foram submetidas ao mesmo Cade como ato de concentração, nos termos do caput do artigo 54 da Lei 8.884/94. Na ocasião, ao longo do trâmite processual, houve a conversão do procedimento de ato de concentração para o procedimento de consulta, tendo culminado na decisão final do tribunal em 2000 que concluiu que a autorregulação era um instituto correto, protegido pelas leis e que faz parte do processo de desenvolvimento econômico do país, tendo a relatora à época apontado algumas recomendações que o Cade posteriormente esclareceu não terem sido mandatórias.

Dezoito anos depois, a Superintendência-Geral do Cade e agora o tribunal atribuíram à submissão das Normas-Padrão realizada em 1998 o qualificativo de ato de boa fé das entidades fundadoras do Cenp. O relator do caso no Cade, o Conselheiro Gilvandro Vasconcellos de Araújo, assim se pronunciou em seu voto quanto ao tema: “(…) a criação do Cenp — e demais desdobramentos dela decorrentes — foi submetida ao crivo do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, o que deve ser considerado como boa-fé para o desfecho do caso”.

O fato é que, após a decisão da Consulta, a extinta Secretaria de Direito Econômico (SDE) — cujas competências hoje pertencem à Superintendência-Geral do Cade  instaurou dois processos administrativos para investigar o Cenp, tendo o primeiro sido anulado e o segundo sido instaurado no ano de 2005. Neste último se investigavam supostos “fatos novos” ocorridos após a decisão do Cade na consulta.

Após 10 anos de investigação, no ano passado, em 2016, a Superintendência-Geral do Cade proferiu parecer final no processo administrativo concluindo por recomendar ao Tribunal do Cade o arquivamento do processo, sem condenação ao Cenp.

Na sua conclusão, assim se pronunciou a Superintendência-Geral do Cade, no que diz respeito à razão central que a conduziu a opinar pelo arquivamento do processo administrativo: “(…) todas as práticas neste PA são respaldadas e incentivadas por normas estatais que regem o mercado de publicidade desde 1965 e também por normas recentes (Lei 4.680/65, Lei 12.232/2010, Decreto 57.690/66, Decreto 4.563/2002)”.

Nesse mesmo parecer, a Superintendência destacou que “sob o enfoque da defesa da concorrência, a análise de mérito sobre a legalidade das condutas alvo deste Processo Administrativo depende diretamente da apreciação da legislação aplicável ao setor publicitário durante o período relevante. A importância dessa análise consiste na possibilidade de o Estado, por meio de sua atividade reguladora, ter a competência para eleger, em detrimento da livre concorrência, outros princípios e vetores para nortear a atividade econômica de determinado setor”.

Ao longo de 2016, após o processo sair da Superintendência-Geral, tanto a Procuradoria-Geral do Cade como o Ministério Público Federal avaliaram o caso e posicionaram-se igualmente pelo arquivamento do processo administrativo, sem condenação ao Cenp.

Com todos os pareceres unânimes pelo arquivamento, o julgamento pelo Tribunal do Cade foi célere, após o proferimento dos pareceres, e a decisão do colegiado foi tomada também por unanimidade com aderência dos demais conselheiros ao voto do relator.

Em seu voto, o conselheiro relator basicamente adotou como razão de decidir o mesmo posicionamento externado anteriormente pelos três pareceres proferidos nos autos pelas outras autoridades. Ou seja, a principal razão para o arquivamento do processo administrativo foi o reconhecimento da existência de um marco legal, composto por leis federais e decretos, que “respalda”, “chancela”, “autoriza”, “incentiva” a atuação do Cenp e o atual modelo de autorregulação brasileiro, ao menos enquanto vigorar tal legislação: “Não obstante a possível indução de conduta concertada que pode ser implementada por meio dessas normas-padrão, destacadamente na obrigação de padronização de percentuais de desconto imposta pelo Cenp, forçoso observar que a sistemática possui amparo legal. Nesse contexto, decidindo pela existência ou não de risco concorrencial de se estabelecer ao mercado parâmetros uniformes de remuneração de 20%, a prática comercial do Cenp é chancelada enquanto vigorarem as Leis 4.680,65 e 12.232,10 e os Decretos 57.690,66 e 4.563,02”.

Quanto a um suposto potencial anticompetitivo de normas da autorregulação, vale ressaltar que o posicionamento das autoridades, inclusive o relator, é inconclusivo e baseia-se em aspectos relacionados à perspectiva teórica do direito da concorrência, inexistindo nos autos parecer econômico ou documentos relacionados a fatos que sejam concreta e especificamente relacionados à realidade do mercado publicitário brasileiro demonstrando a produção de quaisquer efeitos anticompetitivos ao longo de todos os últimos 18 anos em que o Cenp atuou como autorregulador.

Pelo contrário, o fato é que ao longo desses 18 anos não houve a produção de efeitos anticompetitivos decorrentes da autorregulação, a nosso ver. O mercado publicitário brasileiro contempla muitos players concorrendo efetivamente, seja no caso das agências de propaganda, de todos os portes e especialidades, de norte a sul do país, seja no caso dos veículos de comunicação, em diferentes meios, incluindo novos meios que durante esses 18 anos passaram a também comercializar espaço para publicidade e também no caso das empresas que anunciam que concorrem entre si em diferentes mercados.

A decisão do Cade transitou em julgado em 31 de janeiro de 2017. Com isso, a atuação do Cenp que, ao longo dos últimos 18 anos, tutelou a aplicação de um modelo pioneiro de autorregulação do mercado publicitário brasileiro inter-relacionando-se com normas legais, constituindo um marco regulatório complexo, mas harmônico, foi considerada como adequada à legislação de regência da atividade publicitária, o que certamente significa um reconhecimento institucional a um modelo de sucesso.

Independentemente desta decisão do Cade, que tem sua atuação reconhecida internacionalmente como uma das melhores agências antitruste, assim como o mercado publicitário brasileiro é reconhecido internacionalmente, o direito da concorrência hoje é tema muito relevante no país e no mundo e impacta toda e qualquer empresa que atue nos mais diferentes mercados. Não deve ser diferente no mercado publicitário, ainda que seja necessário considerar simultaneamente a legislação específica de regência da atividade e do setor. De toda maneira, deve-se sempre buscar maximizar um mercado com liberdade em que exista concorrência efetiva, o que beneficia os agentes econômicos que respeitam as leis e a autorregulação e também a coletividade.

 

 

 

 

 

Autores: Tercio Sampaio Ferraz Junior é advogado do CENP no processo administrativo do Cade.

Thiago Francisco da Silva Brito  é advogado do CENP no processo administrativo do Cade.


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