Autores: Luiz Roberto Peroba Barbosa, Ana Carolina Carpinetti e Eduardo Benclowicz (*)
Em recente manifestação constante da Solução de Consulta COSIT 7/17 [1] as autoridades fiscais divulgaram sua opinião no sentido de as remessas ao exterior relacionadas à assinatura de periódico estrangeiro disponibilizado pela Internet estarem supostamente sujeitas à alíquota de 25% Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).
Como se sabe, a definição da alíquota de IRRF aplicável à uma determinada remessa passa necessariamente pela análise da natureza da atividade que está sendo remunerada.
Nesse sentido, o entendimento constante da Solução de Consulta COSIT 7/17 parte da premissa que tal assinatura e pagamento configuram uma hipótese de importação de serviço passível de tributação na forma do artigo 685 do Regulamento do Imposto de Renda de 1999 (RIR/99).
Dois aspectos chamam a atenção com relação ao entendimento manifestado pelas autoridades fiscais.
O primeiro deles diz respeito à possibilidade de incidência do Imposto de Renda sobre remessas para aquisição de periódicos, ainda que disponibilizados por meio de download. Isso porque, por se tratar de periódicos padrão, colocados à disposição de qualquer interessado, estaríamos diante de uma mercadoria e não de uma hipótese de prestação de serviço, conforme já decidido em caso análogo inclusive pelas próprias autoridades fiscais (Solução de Consulta COSIT 125/14).
O segundo aspecto que merece destaque está relacionado ao raciocínio desenvolvido pelas autoridades fiscais para sustentar que a operação em questão configura uma situação de importação de um serviço, e não aquisição de uma mercadoria ou licenciamento de um direito, qual seja, o recurso às categorias e classificações estabelecidas na chamada “Nomenclatura brasileira de serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio” (NBS) e as suas respectivas Notas Explicativas (Nebs), que funcionam como elemento subsidiário para a interpretação da NBS.
A edição da NBS e das Nebs foi autorizada por meio do artigo 24 da Lei 12.526/11[2] e implementada pelo Decreto 7.708/12.
Esta nomenclatura foi editada por iniciativa do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) como parte das ações do Plano Brasil Maior, visando a convergência internacional quanto à classificação de bens e serviços, e seguiu padrões técnicos estabelecidos por órgãos de atuação global, em especial à “Central Products Classification – CPC” das Nações Unidas.
Nesse sentido, juntamente com a autorização para criação da NBS, foi instituída a obrigação de prestar informações para fins econômico-comerciais ao Mdic sobre transações entre residentes ou domiciliados no País e residentes ou domiciliados no exterior. Os serviços, os intangíveis e as outras operações que devem ser informados são justamente os definidos na NBS [3].
Poucos meses depois foi implementado o chamado Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio (Siscoserv),[4] que se vale tanto da NBS quanto da Nbes para identificar as operações realizadas para fins do registro de informações “relativas às transações realizadas entre residentes ou domiciliados no Brasil e residentes ou domiciliados no exterior que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio das pessoas físicas, das pessoas jurídicas ou dos entes despersonalizados (…)”.[5]
Nesse sentido, de acordo com a NBS, a “oferta de livros, jornais, periódicos, diretórios e listas de postagem de acesso imediato (on-line)” é considerada um serviço (item 1.1703.10), posicionamento complementado pela respectiva Nota Explicativa que indica que neste item se classificam os serviços de “Publicações na rede mundial de computadores, oferecidos mediante assinatura ou venda avulsa e cujo conteúdo principal é atualizado em intervalos fixos, geralmente diários, semanais ou mensais”.
Desse modo, verifica-se da Solução de Consulta 7/17 que as autoridades fiscais simplesmente absorveram uma classificação de atividade com fins meramente cadastrais e administrativos para tentar caracterizar a atividade de disponibilização de periódicos como uma prestação de serviços, como se a descrição constante do NBS pudesse definir a natureza jurídica da operação para fins tributários.
A nosso ver, entretanto, um Decreto para fins de classificação das operações não tem o condão de definir a efetiva natureza jurídica de uma operação para fins tributários.
Isso porque o sistema constitucional tributário brasileiro privilegia os princípios da segurança e legalidade. A definição do que é ou não serviço é tema diretamente relacionado à materialidade das incidências tributárias e deve, portanto, estar prevista em lei.
Nesse sentido, a jurisprudência dominante atualmente adota o entendimento pacificado pelo Supremo Tribunal Federal[6] no sentido de que, em respeito ao disposto no artigo 110 do Código Tributário Nacional, somente podem ser considerados serviços as prestações que envolvam uma obrigação de fazer em respeito às disposições de Direito Civil.
São esses parâmetros que devem pautar a atuação das autoridades fiscais quando se encontrarem diante da tarefa de identificar a natureza jurídica de uma determinada operação.
O processo de análise acerca da tributação aplicável deve levar em conta necessariamente as previsões constitucionais, legais e, se existente, os precedentes vinculantes sobre o tema.
Ao tentar identificar a natureza jurídica da atividade de disponibilização de periódicos on-line por meio da Solução de Consulta COSIT 7/17, as autoridades fiscais meramente replicaram uma identificação cadastral sem qualquer análise ou consideração adicional acerca da adequação das conclusões em face do ordenamento brasileiro.
Destaque-se ainda que a classificação da NBS sequer foi incluída no ordenamento por meio da edição de uma lei em sentido estrito. Sua edição se deu por meio de um Decreto e a versão atual da lista de códigos foi atualizada por meio de uma Portaria.
Em outras palavras, tem-se que o racional adotado pelas autoridades fiscais para definir a tributação aplicável às remessas feitas em decorrência da aquisição de periódicos pela internet não leva em consideração a definição legal do conceito de serviços, mas se baseia única e exclusivamente nas disposições do Decreto 7.708/12.
Vale destacar que não é só a atividade de disponibilização de periódicos online que é classificada (a nosso ver indevidamente) como um serviço pela NBS. O mesmo acontece com a disponibilização do espaço para equipamentos de informática, a provisão de infraestruturas (incluindo o compartilhamento temporário de computadores), disponibilização de jogos e programas de computador etc.
Tendo em vista que a definição da natureza jurídica das operações realizadas é determinante para fins de identificação da correta tributação aplicável a cada atividade, as autoridades fiscais devem atuar nos limites do lei. A imposição de um determinado tributo com base em previsão contida em Decreto editado para classificação de operações afronta diretamente o princípio da legalidade e não deve prevalecer.
Autores: Luiz Roberto Peroba Barbosa é sócio da área tributária do Pinheiro Neto Advogados.
Ana Carolina Carpinetti é associada sênior da área tributário do escritório Pinheiro Neto Advogados.
Eduardo Benclowicz é advogado no escritório Pinheiro Neto Advogados.