Autor: Maurício Brichta (*)
A proposta do governo para a reforma da legislação trabalhista tem urgência de análise e, embora não traga exatamente uma novidade em termos do que já há na prática, vem apresentar, em tese, a segurança jurídica que muitas vezes não existe nas regras estabelecidas entre sindicatos, empregados e empregadores em negociações coletivas de trabalho.
A ideia é dar maior validade às normas coletivas, atribuindo-lhes efetiva força de lei ao acrescentar o artigo 611-A à CLT, que diz que as normas coletivas passariam a prevalecer sobre o dispositivo legal no trato das condições de trabalho enumeradas em seus 13 incisos, ressalvado em seus parágrafos a impossibilidade de alterar o disciplinado na Constituição Federal e as normas de medicina e segurança do trabalho.
A proposta apresentada disciplina, inclusive, o que a Constituição já prevê ser possível negociar, como a irredutibilidade salarial e a jornada de trabalho, mas acrescenta a necessidade de que se explicite a vantagem compensatória em relação ao direito flexibilizado e o seu tempo de duração.
Importante mencionar que o Supremo Tribunal Federal recentemente proferiu decisões validando a negociação coletiva, que haviam sido anuladas pela Justiça do Trabalho, valendo mencionar o trecho extraído de recente decisão da nossa Suprema Corte ao tratar do tema das horas in itinere: “O acórdão recorrido não se encontra em conformidade com a ratio adotada no julgamento do RE 590.415, no qual esta corte conferiu especial relevância ao princípio da autonomia da vontade no âmbito do direito coletivo do trabalho. Ainda que o acordo coletivo de trabalho tenha afastado direito assegurado aos trabalhadores pela CLT, concedeu-lhes outras vantagens com vistas a compensar a supressão” (RE 895.759-PE)
Deve ser considerado que a modernização da sociedade precisa ser acompanhada pelo Direito. Assim, as empresas e os empregados buscam estabelecer as melhores condições de trabalho que funcionem na operação diária das atividades econômicas, considerando suas especificidades, sem representar perda de direitos ou prejuízos econômicos para os empregados. Ocorre que tais situações, por vezes são incompreendidas e têm contestada sua validade perante o Judiciário, com potencial para gerar passivos inesperados às empresas.
Vale destacar que a reforma não traz qualquer alteração nas normas que regem a negociação coletiva, de maneira que as mudanças não virão a bel prazer do empresariado ou do sindicato como muitos querem fazer crer, as alterações dependerão da aprovação em assembleia de trabalhadores.
Obviamente, possíveis abusos, que possam advir da nova ordem apresentada, sempre serão passíveis de serem levados à apreciação do judiciário, não se atribuindo imunidade legal para os ajustes das condições de trabalho realizadas por meio de negociação coletiva, sendo que a proposta de lei, traz em seu texto também o alinhamento quanto a esta questão.
Comumente se tem afirmado que a proposta estabelece a prevalência do negociado sobre o legislado, colocando a situação como uma espécie de confronto, mas não deve se ter esta impressão, afinal o legislado está apenas se adaptando a transformação da sociedade, como uma necessária evolução diante da pratica que já existe.
Deve-se reconhecer que cada categoria profissional possui características próprias voltadas para sua maior efetividade econômica e subsistência, exigindo cada qual soluções diferenciadas, sendo a negociação coletiva a maneira natural de tratar esta questão.
Não há que se falar em sacrifício de direitos, mas adequação das leis face às mudanças da sociedade, atualmente muito mais tecnológica e ágil do que há 73 anos, quando surgiu a CLT. A manutenção deste sistema engessado de relações de trabalho não se justifica, porém, salutarmente, conforme prevê a proposta de lei apresentada pelo Governo Federal, os Direitos Fundamentais e Constitucionais e as normas de medicina e segurança do trabalho devem permanecer intocados.
É importante reforçar que o capítulo da reforma trabalhista que busca modernizar a legislação trabalhista e dar maior segurança jurídica às normas fixadas em negociações coletivas de trabalho, não pode ser visto como retrocesso ou como extirpador de direitos, como querem alguns, ao contrário, trata-se de um avanço necessário frente à sociedade atual, na qual, as ferramentas de trabalho e os próprios trabalhadores evoluem em ritmo frenético, alterando completamente as relações de trabalho.
Até em razão desta agilidade da vida moderna, temos que a opção pela observância das regras estabelecidas em acordos e convenções coletivas detém maior lógica, pois estas detêm maior flexibilidade, possuindo prazo de vigência, com possibilidade de renovação ou readequação à uma nova realidade que venha a surgir.
Não se justifica a manutenção dos entraves que a atual e antiquada legislação trabalhista traz às relações de trabalho, assim como não se pode imaginar que em cenário econômico mundial tão instável, não possam os empregados e empregadores buscar ajustar as regras que norteiam a relação de trabalho, visando com isso a manutenção do bem comum, a garantia de empregabilidade aos trabalhadores e a proteção ao futuro das empresas.
Autor: Maurício Brichta é advogado da área Trabalhista do Machado Meyer.