Complexidade da guerra fiscal de ICMS exige saída organizada (II)

Autores: Luciano Felício Fuck, José Roberto Afonso e Daniel Corrêa Szelbracikowski (*)

 

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Os últimos julgados do Supremo Tribunal Federal sobre o tema possibilitam antever uma tendência à modulação dos efeitos da proposta de súmula vinculante, conforme recentemente descrito por Celso de Barros Correia Neto.[1]

Mas não só. Diante dessa orientação mais recente do STF — que visa assegurar a segurança jurídica — e dos conhecidos debates a respeito do assunto no Congresso Nacional, é preciso encontrar uma solução nacional, consensual e urgente para o desembarque da guerra fiscal, um verdadeiro diálogo institucional[2] entre os Executivos estaduais, a União, o Judiciário e o Congresso Nacional.

Sobre o tema, aliás, está em trâmite no Congresso Nacional o PLP 54/2015, o qual permite remissão de débitos decorrentes de incentivos concedidos unilateralmente no passado e a reinstituição desses mesmos incentivos e benefícios, mediante um quorum de dois terços das unidades federadas e de um terço das unidades federadas integrantes de cada uma das cinco regiões do país.[3]

O projeto prevê também a possibilidade de extensão das desonerações a outros contribuintes e de adesão, por outra unidade da Federação da mesma região, a benefícios concedidos ou prorrogados por seu vizinho. Contempla, ainda, prazos máximos para os incentivos no §2º de seu artigo 3º.

Com efeito, são previstos, no máximo, quinze anos para atividades agropecuária, industrial, de infraestrutura rodoviária, aquaviária, ferroviária, portuária, aeroportuária e de transporte urbano. Relativamente à manutenção ou ao incremento de atividades portuárias e aeroportuárias, vinculadas ao comércio internacional, haveria um limite máximo de oito anos para a fruição do benefício. Para as atividades comerciais, o prazo limite para o gozo do benefício seria de cinco anos, enquanto incentivos destinados a produtos agropecuários poderiam durar até três anos. Os demais casos apenas poderiam ser incentivados por um ano.

Além disso, o artigo 5º do projeto prevê expressamente o afastamento das sanções previstas no artigo 8º da Lei Complementar 24, de 1975, para os benefícios fiscais remitidos, impedindo, assim, a glosa do diferencial entre o regime normal de apuração e o regime incentivado pelo Estado de destino, como atualmente ocorre.

Em suma, o PLP 54-2015 pretende uma convalidação ampla dos incentivos fiscais, cujo objetivo é estancar a Guerra Fiscal, pacificando o passado, mediante remissão, e atingindo o futuro apenas em relação aos incentivos que já haviam sido concedidos.

Encontra-se também em trâmite o Projeto de Lei do Senado 407-2015, segundo o qual a unanimidade exigida para a aprovação de incentivos fiscais seria substituída por um quorum de “mais de dois terços das unidades federativas e de três quintos para a revogação dos mesmos benefícios”.[4]

A aprovação de medidas similares às propostas poderia, de um lado, minimizar os problemas relacionados à necessidade de unanimidade e, ao mesmo tempo, proteger os interesses das minorias, contribuindo, portanto, para a cessação da Guerra Fiscal entre os Estados, segundo afirma Fernando Facury Scaff.[5]

Embora defenda a flexibilização do quorum para a aprovação dos incentivos fiscais de ICMS, Hamilton Dias de Souza alerta que a referida flexibilização precisa, necessariamente, vir acompanhada da criação de sanções específicas e eficazes para os agentes públicos e entes da federação que descumprirem as novas regras.[6]

Diante da complexidade do tema e das discussões existentes no Congresso Nacional e no STF, verifica-se que a adoção de decisões fiscais isoladas e descoordenadas é nefasta para um país que precisa urgentemente da retomada dos investimentos. É preciso que se busque uma saída nacional, coordenada e simultânea para todos os contribuintes e todos os fiscos estaduais.

A solução empregada desde 1989 de reconhecer tardia e isoladamente a inconstitucionalidade de benefícios tributários da guerra fiscal não tem tido sucesso em desestimular os Estados. Ao contrário, apenas o contribuinte tem sido prejudicado pela insegurança jurídica e pelo desequilíbrio concorrencial.

Enquanto foi fácil e rápido para os Estados ingressar na Guerra Fiscal, o desembarque dessa mesma guerra não é tão simples como se imagina. Em paralelo à necessidade de observância da segurança jurídica, a questão mais preocupante é a concorrência entre os contribuintes. Há receio de que a solução da guerra fiscal por parte de alguns Estados crie diferenciais competitivos entre os contribuintes (ao contrário do que o artigo 146-A da Constituição pretende evitar) e, paradoxalmente, promova uma onda indireta de guerra fiscal. Isso ocorrerá se o benefício de uma empresa for cortado de forma mais profunda e rápida que o mesmo benefício dado a seu concorrente.

Dois fatos novos podem provocar isso: de um lado, o STF voltar a julgar ações isoladamente e, se mantida a tendência anterior, derrubar os incentivos concedidos por um estado de forma irregular. De outro, os Estados reduzirem os incentivos mediante a exigência de uma contribuição de 10% das empresas incentivadas, tal como foi realizado recentemente pelo Rio de Janeiro (Lei 7.228/2016) com amparo no Convênio-Confaz 42/2016. Esse percentual pode chegar a 20%, como tem exigido a União no projeto da “lei de falência dos Estados” (PLP 257/2016).

Quanto ao primeiro aspecto, é bem verdade que a atribuição de efeitos prospectivos às últimas decisões do STF ameniza os seus impactos. Entretanto, o ideal seria sobrestar os julgamentos específicos e priorizar a proposta de súmula vinculante. Com isso, se prestigiaria a aplicação de um mesmo entendimento a todos, inclusive em relação a eventual modulação de efeitos e respectivo termo inicial.

Quanto ao segundo aspecto, verifica-se que a redução dos incentivos pode atingir mesmo aqueles que foram concedidos de forma condicionada e por prazo certo e, pior, mediante contribuição não prevista na competência atribuída aos Estados pela Constituição Federal. São inconstitucionalidades mais do que aparentes. Além disso, nem todos os Estados adotaram essa posição e provavelmente a referida contribuição já foi suspensa pela Justiça para determinados contribuintes. Portanto, para além da inconstitucionalidade da exigência, os impactos concorrenciais são potencialmente elevados.

Como se vê, tanto pela via judicial quanto pela via da renegociação, pode vir a ser criado um diferencial entre os incentivos vigentes em um Estado, em face de incentivos similares promovidos por outras unidades federativas. Não bastasse seu impacto sobre o equilíbrio federativo, mais grave ainda é o resultado dessas ações para as decisões empresariais, que, além de sofreram os efeitos perversos da recessão e da falta de perspectiva de crescimento, agora veem aumentar a complexidade tributária, a insegurança jurídica e, o pior de tudo, o risco de um concorrente passar a ter um tratamento tributário diferente e melhor que o seu, a depender do Estado em que estiver localizado.

Em suma, mais que a incerteza jurídica, é a incerteza em torno da capacidade de concorrer, que certamente travará novos investimentos e pode levar até mesmo a reduzir a produção, e — no caso dos grandes grupos — a deslocar-se de uma para outra unidade, de um para outro estado. Agora — imagine-se —, em meio a esse cenário incerto, quem realizará um investimento realmente novo no país? Uma nova unidade fabril, com novas máquinas e novos empregados? Para que o investimento tão necessário à retomada do crescimento venha a lume, as autoridades públicas precisam urgentemente negociar e pactuar uma saída organizada, nacional e segura da guerra fiscal do ICMS.

O sistema tributário brasileiro chegou a um ponto de incerteza máxima e de quebra de confiança em que será preciso uma ação mais coordenada e integrada — entre autoridades, legisladores, juízes e contribuintes — para a solução dessa questão.

 

 

 

 

 

Autores: Luciano Felício Fuck é professor do Instituto Brasiliense de Direito Público, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo, mestre pela Ludwig-Maximilians-Universität de Munique e membro do Conselho Editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional.

 

José Roberto Afonso é economista, contabilista, doutor em economia pela Universidade de Campinas, mestre pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, professor do curso de mestrado do Instituto Brasiliense de Direito Público e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas. Coordenou a equipe técnica responsável do governo federal que elaborou o projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal.

Daniel Corrêa Szelbracikowski é advogado, mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), especialista em Direito Tributário e sócio da Advocacia Dias de Souza.


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