Autores: Pedro Corino e Cristiano Maciel (*)
O governo federal instituiu em janeiro o Programa de Regularização Tributária (PRT), por meio da Medida Provisória 766/2017, que nada mais é do que um “parcelamento especial” de dívidas federais, de natureza tributária e não tributária, vencidas até 30 de novembro de 2016, perante a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Esse “novo Refis” – ou “Refis do Temer”, como dizem alguns – oferece (bem) menos vantagens aos contribuintes aderentes que os costumeiros – e periódicos – parcelamentos especiais que lhe antecederam. A legislação do PRT não prevê a redução de quaisquer valores devidos, seja a título de tributo (principal), de multa, ou de juros.
Aparentemente, o governo deseja desacostumar o contribuinte que aguarda o “próximo Refis” para proceder ao pagamento de seus tributos; e, sem sombra de dúvidas, deseja exercer a função precípua dos tributos em prol da arrecadação: a fiscalidade.
O PRT permite a adesão de pessoas físicas e jurídicas, titulares de débitos vencidos até 30 de novembro de 2016, constituídos ou não, objeto de discussão administrativa ou judicial, ainda que sejam provenientes de parcelamentos em andamento ou já rescindidos. Permite também a regularização de débitos lançados (de ofício) pelas autoridades fazendárias, após 30 de novembro de 2016, desde que o prazo legal para pagamento do tributo exigido tenha vencido antes da prelecionada data.
A legislação basicamente seguiu o “padrão” dos parcelamentos especiais anteriores e deu, aos cidadãos as seguintes opções de adesão: (i) pagamento antecipado de 20% da dívida, e parcelamento do valor remanescente em até 96 prestações; e (ii) parcelamento da dívida em até 120 prestações acrescida de percentuais definidos pela própria lei.
Até aí, nenhuma novidade; o PRT inovou ao autorizar a utilização de “créditos” de Prejuízos Fiscais (PF) e bases negativas da CSLL (BC), e de créditos tributários em geral, para amortização das dívidas das pessoas jurídicas perante a RFB. São duas as opções:
- pagamento de, no mínimo, 20% da dívida consolidada, em espécie, e por ocasião da adesão ao programa, e liquidação do saldo remanescente mediante a utilização dos créditos de PF, BC e genéricos; ou
- pagamento de, no mínimo, 24% da dívida consolidada, em 24 prestações mensais e sucessivas, e liquidação do restante com utilização dos referidos créditos.
Seguindo o caminho bem-sucedido da “repatriação”, a adesão ao PRT se dará mediante requerimento a ser apresentado exclusivamente através do sistema eletrônico da RFB, até 31 de maio de 2017.
É importante ressaltar que, até o presente momento, a MP 766 foi prorrogada por mais 60 dias e ainda não foi convertida em lei pelo Congresso Nacional. Foi instaurada uma comissão mista, formada por deputados e senadores, para a apreciação do teor da referida norma, porém o trabalho ainda não foi concluído.
Dentre as 376 propostas de emendas à MP 766, destacam-se aquelas que sugeriram a inclusão dos débitos vencidos após o dia 30 de novembro de 2016 ou a extensão da abrangência do PRT, para que as dívidas estaduais e municipais também pudessem ser liquidadas. Merece destaque, também, a sugestão de que as dívidas possam ser quitadas por meio da dação em pagamento de bem imóvel, em prestígio da recente Lei 13.259/2016, editada para fins de regular o referido procedimento.
Contudo, a despeito da relevância do teor dessas sugestões, as emendas que mais chamaram atenção foram aquelas que propuseram a inclusão, no texto da lei de conversão da MP 766, da possibilidade de quitação de dívidas mediante a utilização de precatórios.
A conteúdo da propositura, em si, não causa qualquer estranheza: nada mais justo do que permitir, ao cidadão, que é, ao mesmo tempo, devedor e credor do Estado – em razão de ser possuidor de direito creditório e de precatórios – proceder ao encontro dessas “contas”, dando ensejo à quitação recíproca das dívidas.
Aliás, pelo contrário: a referida emenda à MP 766 confere ainda mais intensidade à “luz no fim do túnel”, no que se refere à possibilidade de quitação da imensa e vergonhosa dívida mantida – há anos, em diversos casos – pelos entes federativos brasileiros, no caso, União Federal, estados, municípios e Distrito Federal.
Explica-se. No dia 15 de dezembro de 2016, foi editada a Emenda Constitucional 94, que incluiu o artigo 105 no do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que deixa claro: “é facultada aos credores de precatórios, próprios ou de terceiros, a compensação com débitos de natureza tributária ou de outra natureza que até 25 de março de 2015 tenham sido inscritos na dívida ativa dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios (…)”
Ou seja, passados mais de cinco anos desde que a Emenda Constitucional 62 “suspendeu” a aplicação do artigo 78, parágrafo 2º, do ADCT – que autorizava a compensação de precatórios não alimentícios, vencidos e não pagos, cujo regime de pagamento foi instituído pela Emenda Constitucional 30 –, a Constituição Federal volta a autorizar, de forma expressa, que os credores procedam sobredito encontro de contas entre débitos tributários e seus legítimos direitos creditórios.
Com efeito, a proposta de inclusão do precatório no rol das formas de liquidação das dívidas passíveis de regularização por meio do PRT representa, além de elogiável medida legislativa em prol da justiça – especialmente no que toca aos milhões de credores de precatórios – evidente confirmação do entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4.357 e 4.425, em que se apreciou (e se declinou) a constitucionalidade das Emenda Constitucional 62.
E não só; a emenda à MP 766 surge em excelente momento para reiterar o conteúdo do artigo 105 do ADCT, da Constituição de 1988 e respectiva mens legislatoris: está de volta a possibilidade de compensação tributária por meio da utilização de direitos creditórios e precatórios.
Desse modo, esperamos ansiosamente a publicação da lei de conversão da MP 766, torcendo para que o Congresso Nacional não se deixe levar pela condição de penúria das contas públicas dos entes tributantes e reitere seu recente posicionamento no sentido de autorizar e reconhecer a possibilidade de quitação de débitos mediante a utilização de direitos creditórios e precatórios.
Somente assim será possível elevar a regularização pretendida pelo PRT ao patamar que o brasileiro consciente almeja: a regularização de todas as dívidas, independentemente de quem são os credores e os devedores; especialmente se, em um desses polos, estiver algum ente público.
Autores: Pedro Corino é CEO da Sociedade São Paulo de Investimentos.
Cristiano Maciel é mestre em Direito pela PUC-SP e professor de contabilidade e planejamento tributário