Autor: Marcelo Ribeiro Uchôa (*)
Na passagem do mês da mulher vê-se relevante destacar tema que usualmente passa ao largo do conhecimento social. Segundo o Ministério da Justiça (Brasil, 2015) cerca 68% das mulheres em situação de cárcere encontram-se aprisionadas por cometimento de crimes relacionados ao tráfico de drogas.
Até 2005, ano anterior ao da promulgação da atual Lei de Drogas, Lei 11.343/06, tal percentual era de 34%. Essa situação de encarceramento feminino por razão de tráfico é tão periclitante que, em alguns estados do país, o percentual nacional médio de 65% salta para 89% (RS e RR), 82% (MT), 77% (MS e RO), 75% (AM), 69% (SP) e 68% (ES).
No Ceará, o número de prisão de mulheres também elevou-se nos últimos anos, chegando a triplicar entre 2014 e 2016, tendo como causas principais do apenamento fatores relacionados à criminalidade das drogas. Uma observação, porém, merece destaque: as autoridades de polícia locais reconhecem que, “ao contrário dos homens, as mulheres normalmente não costumam se envolver diretamente com prática de violência ou porte ilegal de armas”.
O estudo da UESC citado mostra que o perfil das mulheres presas é composto de jovens, abandonadas pelo marido, com pelo menos um filho para criar e idoso para cuidar. São desempregadas, com histórico de uso de drogas ilícitas. Ou seja, um segmento feminino extremamente vulnerável socialmente, carente de políticas públicas e dependente de renda para manter sua casa e núcleo familiar.
Esse contingente compõe a base mais explorada e desprotegida da rede do narcotráfico, atuando, quase que exclusivamente, no ramo da preparação para a venda e na distribuição da substância em varejo (aviãozinho) para o consumidor final. Está longe de gerenciar a “boca de fumo”, e, muito menos de administrar a logística do tráfico na região.
Ora, que essas mulheres cometeram atividades ilícitas, não há dúvidas. Porém, o que há de se considerar por amor a razão é que, numa teia criminosa como o narcotráfico, reconhecida como a atividade ilegal número 1 do planeta, que movimenta 1,5% do PIB mundial, mulheres como essas são muito mais vítimas do narcotráfico, e da respectiva cadeia discriminatória que lhe é adjacente, do que criminosas de relevante periculosidade.
Por isso, na aplicação da Lei de Drogas para mulheres, o magistrado deve lançar ao caso, mais ainda que noutras situações convencionais, um olhar humano, para avaliar se a eventual penalização da lei, de fato, será adequada para os fins a que ela se propõe, de recuperação da interna, ou se tão-somente estará endurecendo desmedidamente uma índole punitiva, estendendo-a impiedosamente à sua família, duplamente sacrificada com a ausência de afeto da mãe reclusa e a interrupção da renda do lar pela prisão da mantenedora.
Que se reflita, portanto, sobre até que ponto o Estado não estará empobrecendo, ainda mais, sua já discriminada população feminina. Importante também conjecturar sobre o assoberbado sistema penitenciário nacional, pois, diante do que se vem lendo cotidianamente nas páginas dos mais diversos jornais do país, medidas penais alternativas, que evitem a restrição da liberdade, são mais do que bem-vindas.
Autor: Marcelo Ribeiro Uchôa é Secretário Especial de Políticas sobre Drogas do Ceará e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor). É mestre e doutorando em Direito Constitucional pela mesma instituição. Também é doutorando em Direito do Trabalho e Direitos Humanos pela Universidad de Salamanca, na Espanha. Autor do livro Direito Internacional (Ed. Lumen Juris, 2013), é sócio do escritório Uchôa Advogados Associados.