Autor: Alberto Silva Franco (*)
Há poucos dias, fui surpreendido por uma chusma de palavras grosseiras, de expressões inapropriadas, de imagens montadas, de escritos em painéis de leitores, de agressões nas redes sociais, enfim, por agravos que atingiram duramente a ministra Maria Thereza de Assis Moura, do Superior Tribunal de Justiça.
E meu espanto se adensou na medida em que nova ofensa, a cada dia, era agregada a esse contingente de inverdades como se ela fosse merecedora de ataques tão rasteiros e abjetos.
Seu passado e sua conduta não podem, contudo, estar em jogo. Por isso, gostaria de escrever um pouco sobre sua pessoa e outro tanto sobre sua decisão no Habeas Corpus 392.806.
Sob o primeiro aspecto, ponho no papel minha visão estritamente pessoal; sob o segundo, ponho em destaque a logicidade e o caráter técnico da decisão.
Conheço a ministra Maria Thereza não é de hoje, mas há décadas. Advogada, acompanhei de perto sua atuação sempre correta e diligente, com inteiro respeito às normas próprias desse exercício profissional. Professora de Processo Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, publicou inúmeros livros e artigos sobre a matéria e foi motivo de consagração por parte de seus alunos. Juíza do Superior Tribunal de Justiça, há quase onze anos, foi sempre um exemplo de dedicação ao trabalho e de alta proficiência judicante.
Com todas essas qualidades e virtudes, e com a enorme capacidade de lutar, de construir e de atingir sempre as finalidades que tomava como direções, não é possível tolerar o baixo nível dos que, hoje, sem respaldo algum, procuram diminuí-la ou desconsiderá-la.
Quem conhece a história de sua vida, não pode conformar-se com o modo atrabiliário e grotesco com o qual alguns pretendem — e não terão sucesso — destruí-la. Se se está à procura de um modelo de gente e de um exemplo de juíza, modelo e exemplo se corporificam na pessoa da ministra Maria Thereza.
Para não dizer que o artigo se circunscreve tão somente a censurar o que os meios tecnológicos, no mundo da atualidade, são idôneos a transmitir em termos de ódio, de intemperança e de vulgaridade, é de bom alvitre que se faça uma sumária aferição técnica da decisão proferida.
A acusada Adriana de Lourdes Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral foi denunciada, em 5 de dezembro de 2016, na 7ª Vara Criminal da Justiça Federal do Rio de Janeiro. A peça acusatória foi recebida no dia imediato, ou seja, 6 de dezembro de 2016 e, nessa data, e pelo mesmo juiz, foi decretada sua prisão preventiva. Adriana Ancelmo permaneceu presa até o dia 17 de março de 2017, quando sua custódia preventiva foi substituída pela prisão domiciliar — com inúmeras condições — fundamentada no inciso V do artigo 318 do Código de Processo Penal, criado pela Lei 13.257, de 8 de março de 2016.
Inconformado, no dia 18 de março de 2017, o Ministério Público impetrou, junto ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, mandado de segurança com liminar visando a suspensão da prisão domiciliar e, no mérito, pela concessão da ordem para cassá-la em definitivo. Releva notar que no dia 20 de março de 2017, o MPF aditou o writ para requerer também efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito impetrado na mesma data.
O desembargador-relator, que já havia negado a ordem de habeas-corpus em favor de Adriana Ancelmo contra a decretação de sua prisão preventiva, concedeu ao Ministério Público Federal, liminar em mandado de segurança para suspender os efeitos da decisão do juiz da 7ª Vara Criminal Federal que determinava, nos termos do inciso V do artigo 318 do Código de Processo Penal, o recolhimento domiciliar de Adriana Ancelmo. No mesmo dia, deu o efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito apresentado contra decisão na qual o referido juiz lhe havia concedido tal benefício.
Em face dessa manifestação judicial de segundo grau, foi requerido pela defesa de Adriana Ancelmo, junto ao Superior Tribunal de Justiça, o HC 392.806/RJ que foi distribuído, por prevenção, à ministra Maria Thereza.
Este é o quadro minimamente descrito que chegou às mãos da ministra Maria Thereza. E qual foi o equacionamento por ela adotado?
Antes de tudo, considerou com base no entendimento jurisdicional e nas palavras do professor Antonio Scarance Fernandes (Mandado de Segurança em Matéria Criminal, RBCCRIM, 40, São Paulo:RT, out/dez 2002, p. 140) que o Ministério Público fez uso do mandado de segurança, não para proteger o indivíduo contra abusos de poder, por parte de autoridades, mas sim “como um remédio destinado a proteger o indivíduo contra o próprio indivíduo para que ele retorne à prisão”, o que, diante da concessão de prisão domiciliar, provocaria “a estranha situação do uso de uma garantia individual em favor de uma maior repressão social, substituindo-se a via recursal”.
Depois, foi concedido liminarmente, pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no bojo de mandado de segurança, efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito apresentado pelo Parquet. Constitui jurisprudência pacífica no STJ o entendimento de que é inadmissível a impetração de mandado de segurança com o objetivo de atribuir efeito suspensivo a recurso em sentido estrito contra decisão que substituiu a prisão preventiva pela prisão domiciliar.
Consequência imediata dos dois argumentos-chave não poderia ser outra senão a da concessão de liminar no HC 392.806/RJ para suspender os efeitos da liminar proferida pelo desembargador-relator do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. O resultado direto desse correto entendimento foi o de restabelecer a prisão domiciliar deferida pelo juiz da 7ª Vara Criminal da Justiça Federal, com todas as condições impostas por tal juiz até que houvesse, no TRF, o julgamento, no mérito, do recurso em sentido estrito.
Diante do que foi explicitado, algumas conclusões podem ser extraídas:
a) A ministra Maria Thereza valeu-se de uma argumentação estritamente processual para restabelecer a decisão do juiz da 7ª Vara Criminal do Rio de Janeiro;
b) A ministra Maria Thereza não se manifestou, no mérito, sobre a aplicabilidade ou não a Adriana Ancelmo, do inciso V, do artigo 318 do Código de Processo Penal;
c) Tal decisão substantiva só terá pertinência quando houver, no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, o julgamento do recurso em sentido estrito, e desse julgamento couber eventual recurso ao STJ, oportunidade em que serão devidamente analisados os dados próprios do inciso V, do artigo 318, do Código de Processo Penal.
d) Não há automatismo na incidência a toda e qualquer mulher do inciso V do artigo 318 do Código de Processo Penal, criado pela Lei 13.257, de 8 de março de 2016. É evidente que cada situação concreta deverá ser examinada e dada a recente publicação da lei ainda não se formou firme jurisprudência a respeito. Em momento algum, a ministra Maria Thereza mostrou adesão ao entendimento do juiz da 7ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro. Não pode, por isso, responder por sua decisão que foi apenas mantida na medida em que a liminar concedida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região se revelou impertinente e foi cassada.
Nesse fecho, cabe-me dizer que nada me incomoda mais do que ler ou ouvir as críticas que a ignorância, a desfaçatez, o desconhecimento científico ou a má fé são capazes de imputar à ministra Maria Thereza para ferir sua reputação como ministra de Superior Tribunal de Justiça ou como ser humano honesto, incorruptível e extremamente digno. Diante dessa insuportável forma de agir, só me cabe dar à ministra Maria Thereza minha irrestrita solidariedade.
Autor: Alberto Silva Franco é advogado, desembargador aposentado do TJ-SP, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).