Regime sucessório da união estável não é inconstitucional

Autora: Regina Beatriz Tavares da Silva (*)

 

Estreitar uma relação afetiva, dar aquele passo adiante ao mero namoro em direção a um relacionamento mais sério e íntimo é uma decisão que brasileiros tomavam aos poucos, dia a dia, de maneira natural, espontânea, a partir de seus mais variados e complexos sentimentos, emoções e expectativas em relação à outra pessoa.

Tal processo, muito saudavelmente gradual e quase imperceptível aos próprios casais, recebeu um choque desmedido vindo de um lugar inesperado: o Supremo Tribunal Federal.

No dia 10 de maio, o Supremo Tribunal Federal, sem votação unânime, deu provimento aos Recursos Extraordinários 646.721-RS e 878.694-MG, ambos de repercussão geral, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, que instituía o regime sucessório aplicado à união estável.

A tese fixada no julgamento, tal como proposta pelo ministro Barroso, foi a seguinte: É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002.

Os efeitos sucessórios típicos do casamento são a partir de agora atribuídos também à união estável.  Antes, este instituto recebia do artigo 1.790 o seguinte regramento sucessório:

A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Com a decisão do STF, o regramento passa a ser o do artigo 1.890, o mesmo do casamento:

A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III – ao cônjuge sobrevivente;

IV – aos colaterais.

Equiparar a sucessão na união estável à sucessão no casamento trará consigo impactos sociais graves e nocivos. Como advertiu o ministro Marco Aurélio, em seu excelente voto pelo desprovimento dos recursos, “a prevalecer a ótica direcionada [da equiparação dos institutos], é possível que ocorram efeitos perversos e contrários à proteção da união estável e aos casais de companheiros”.

De fato, a alteração brusca e inadvertida no regime jurídico da união estável prejudicará enormemente o instituto e, como não poderia deixar de ser, os companheiros — sejam heterossexuais, sejam homossexuais — que vivem sob essa forma particular de entidade familiar, assim como seus herdeiros.

Ao tomarem notícia da novidade (sem precedentes em qualquer outro país do mundo, note-se) trazida pela decisão do STF, que impõe aos companheiros o mesmo regime sucessório do casamento civil, é mais provável que os companheiros que não queiram casar e que justamente por isso vivam em união estável, acabem se casando, ou, receosos e pressionados pela exacerbada gravidade que a relação acaba de adquirir graças ao STF, acabem, isto sim, dissolvendo a relação? Se a segunda opção for a que soar mais provável, o leitor pode começar a vislumbrar os perversos efeitos da decisão.

Teríamos de nos resignar com tais efeitos se a Constituição de fato vedasse distinções sucessórias entre cônjuges e companheiros. Mas não é o caso. O artigo 1.790 do Código Civil, ao fixar um regime sucessório próprio para a união estável, não tem nada de inconstitucional.

A grande inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, segundo os que defenderam a tese, residiria em uma suposta incompatibilidade com o artigo 226, § 3º da Constituição Federal:

Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Mas este dispositivo justifica mesmo a declaração de inconstitucionalidade das regras sucessórias da união estável? Vejamos.

“…é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar…”

Casamento é entidade familiar. União estável, conforme a Constituição, é


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