Autor: Luiz Flávio Borges D’Urso (*)
A importante fase da execução penal tem início com o cumprimento da pena imposta ao final do processo penal, todavia, admite-se também, a execução penal provisória, para aqueles que, presos preventivamente, já tenham cumprido tempo de prisão cautelar, que lhes assegure o direito à progressão de regime.
Esta fase processual nunca recebeu a atenção necessária dos juristas e legisladores, e talvez isto se deva à situação de pobreza que se encontra a quase totalidade da massa carcerária brasileira, refletindo num mercado de trabalho pouco atrativo economicamente
Tamanho descaso com a execução penal e com o próprio sistema prisional tem consequências jurídicas e fáticas que refletem na sociedade como um todo.
Com o advento da operação “lava jato”, réus de elevado poder aquisitivo passaram a ser remetidos aos cárceres, quer por decretação de custódias cautelares (frequentemente prisões preventivas), quer por decisões condenatórias, que embora não definitivas, levaram à instauração de execuções provisórias das penas, perante as varas de execuções criminais.
Diante deste fato, o mercado alterou-se de modo a atrair profissionais do Direito para esta área, até então exercida quase que exclusivamente pelos defensores públicos e advogados nomeados para defesa de réus pobres.
A matéria que contempla a fase de execução penal é bem ampla e complexa, reclamando do profissional do Direito, conhecimento específico de institutos jurídicos só existentes nesta fase.
Uma questão bastante tormentosa reside na obrigatoriedade da reparação do dano — quando imposta pela sentença penal — para que o sentenciado possa progredir de regime, passando de um regime de cumprimento de pena mais grave, para um regime menos severo.
Pela lei brasileira, além do preenchimento das condições objetivas (tempo de cumprimento de pena) e das condições subjetivas (bom comportamento carcerário), exige-se — quando imposto pela sentença — que a reparação do dano seja cumprida, para se conceder a referida progressão.
Neste ponto, apresentam-se alguns problemas, pois o sentenciado poderá não ter condições financeiras para realizar tal reparação e esse fato não poderá impedir que a progressão lhe seja concedida.
Isto porque, no Brasil, não se admite manter alguém preso, somente porque esta pessoa não possui recursos financeiros. Da mesma forma, não se pode admitir a manutenção de alguém em regime mais gravoso, somente porque não tem dinheiro para pagar a reparação do dano que lhe foi imposta.
A impossibilidade de reparação do dano, pode se dar pela constrição do patrimônio do sentenciado (penhora, arresto, etc.), podendo também se verificar tal impossibilidade, quando o valor da reparação é superior à totalidade do patrimônio do condenado. Nestes casos, a progressão não pode ser vedada.
Mesmo em sede de execução penal provisória, existe uma tendência de não se admitir a execução somente de parte da pena (exige-se o cumprimento da pena na sua inteireza), obrigando, também neste caso, a reparação do dano, salvo quando esta for impossível, como nos exemplos indicados anteriormente.
Explico. Se a reparação não pode ser realizada por causa de bloqueios patrimoniais judiciais, ou ainda, se o patrimônio total do sentenciado não alcançar o valor a ser reparado, e isto for devidamente provado, não se poderia impedir a progressão de regime, quando presente os demais requisitos.
Nesta situação, há que se conceder a progressão de regime, porquanto o cumprimento da reparação do dano só não ocorreu por condições alheias à vontade do sentenciado, que se encontra insolvente.
Por fim, tomemos o exemplo da fiança, a qual não pode ser fixada em valor elevado, tornando-a impagável, pois, dessa forma inviabilizaria a liberdade do preso, pelo fato deste não dispor de condições financeiras, mantendo-o encarcerado. Da mesma forma deve ser enfrentada a questão da reparação do dano, que deve se adequar às condições financeiras do sentenciado, não devendo a sua insolvência, tornar-se óbice para a progressão de regime prisional.
Resta lembrar, por derradeiro, que os valores impostos na sentença, a título de reparação de danos, representam dívida de valor, para as quais o Estado dispõe de mecanismos de cobrança. Assim, o encarceramento jamais deve ser utilizado para obrigar tal pagamento.
A progressão de regime prisional é um direito do condenado, de modo que, preenchidos os requisitos de tempo de cumprimento de pena e de bom comportamento, a reparação do dano imposta pela sentença, deve ser paga, desde que o condenado tenha condições para tal.
Caso essa condição de pagamento inexista, mesmo assim, a progressão deve ser concedida, pois, se negada, estaríamos diante de uma prisão por dívida, o que é proibido no ordenamento jurídico do Brasil.
Autor: Luiz Flávio Borges D’Urso é advogado criminalista, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, Conselheiro Federal da OAB, presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), presidente de honra da Academia Brasileira de Direito Criminal (ABDCRIM). Foi presidente da OAB-SP por três gestões (2004/2012).