Autor: Tito Hesketh (*)
Em recente acórdão (j. 6/3/2017), a 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao reanalisar a indenização arbitrada judicialmente para uma área particular de praia, em virtude da criação do Parque Estadual da Ilha do Cardoso, decidiu pela flexibilização da coisa julgada, para reduzir o valor daquela condenação da Fazenda do Estado em desapropriação indireta. O relator, desembargador Marcelo Semer, criticou o antigo laudo pericial e argumentou no sentido de que aquela indenização “foi fixada em parâmetros que não condizem com a realidade”, que “resultaram em valores irreais, incompatíveis com aquilo que, por dever constitucional, devia ser indenizado”.
Como complementação, vimos agora mencionar outros acórdãos do TJ-SP (7ª Câmara – 0000193-31.2008.8.26.0294 – rel. des. Luiz Sergio Fernandes de Souza – j. 9/5/2016; 12ª Câmara – 0000189-91.2008.8.26.0294 – rel. des. José Luiz Germano – j. 28/9/2016; 11ª Câmara – 0000192-46.2008.8.26.0294 – rel. des. Oscild de Lima Júnior – j. 6/3/2017), os quais ― julgando as apelações da Fazenda do estado em ações análogas e paralelas de querelae nullitatis, entre as mesmas partes e distintas glebas na Ilha do Cardoso ― negaram a flexibilização da coisa julgada, por não verem vícios ou máculas nas ações, e cujas provas passaram pelo crivo de três instâncias da Justiça (sentença, apelação e REsp). O denominador comum desses três acórdãos, ou premissa, em síntese, é que “a relativização da coisa julgada somente pode ser admitida em situações de excepcionalidade, sob pena de provocar consequências altamente lesivas à estabilidade das relações intersubjetivas, à segurança jurídica e à preservação do equilíbrio social”.
Acentuaram que a “querela nullitatis somente se concebe nas hipóteses de ato jurídico inexistente e nas situações em que tão graves e perturbadoras afiguram-se as consequências do ato jurídico praticado (sentença/acórdão) que a relativização da coisa julgada se imponha à consciência moral coletiva e à consciência jurídica coletiva como uma espécie de imperativo da razão jurídica alargada, o que não é o caso”; e que “interesse público não se confunde com interesse social”.
Aliás, o referido acórdão da 10ª Câmara de Direito Público do TJ-SP (Apelação 0000190-76.2008.8.26.0294) ressaltava, em certo trecho, que “não se desconhece que questões similares, em relação a terrenos contíguos foram propostas” com “julgamentos pela improcedência” (referia-se, expressamente, às outras apelações entre as mesmas partes); e arrematou: “As observações que aqui serão feitas, todavia, se circunscrevem à área em questão, cujas particularidades não permitem automática comparação com terrenos vizinhos, de geografias distintas”.
De outro lado, vale notar também que nos acórdãos das apelações 0000189-91.2008.8.26.0294 e 0000192-46.2008.8.26.0294 citou-se, quanto ao cabimento ou não da relativização de coisa julgada, lição de Nelson e Rosa Maria Nery no sentido de que, entre duas situações fáticas possíveis, há a hipótese de se estar “diante de avaliação correta, ocorrendo apenas que, demorando o expropriante a pagar a indenização, o valor atualizado da dívida acaba assumindo expressão monetária muito superior ao atual valor de mercado do imóvel. Neste caso, não haveria como relativizar a coisa julgada, pois o expropriante é devedor da quantia em dinheiro, atualizável monetariamente, e não do imóvel”.
Por seu turno, o acórdão da 10ª Câmara tocou nesse tema: “É certo, como alegam os apelados, que os gastos vultosos também decorreram do atraso nos pagamentos e na cumulação dos consectários legais, em especial a cumulação dos juros compensatórios, aqui contabilizados desde 1962; mas a sobrevalorização de imóveis, em áreas como o Parque Estadual da Serra do Mar, chegaram a motivar até a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembleia Legislativa”.
A esse propósito, nos referidos processos, fora mesmo pontuado que os números considerados agora pela Fazenda do estado como exorbitantes não decorrem singelamente dos valores apurados para as condenações transitadas em julgado. Na realidade, os valores dos precatórios derivam de que, em face de antigas e conhecidas súmulas 618 do STF e 12, 102 e 114 do STJ, as indenizações fixadas nas sentenças tiveram a incidência de juros compensatório (1%), cumulados com os moratórios (0,5%), durante quase 50 anos, pelo longo curso dos processos e a demora da Fazenda do estado para começar a pagar os precatórios, o que significou, grosso modo, algo como 600 meses (1,5% ao mês), ou seja, 900%, praticamente decuplicando os valores originários líquidos das condenações, sem se falar na correção monetária em todas essas décadas.
Autor: Tito Hesketh é sócio do escritório Hesketh Advogados e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo