Autora: Natália Ciriani J. de Araújo Freitas (*)
Não é de hoje que se tem notícias de militares mortos em treinamentos e que o Exército brasileiro, na grande maioria das vezes, informa que a família do militar morto não tem direito a qualquer amparo, ou, ainda, dão apenas uma palavra de consolo e ignoram o fato ocorrido.
Recentes casos, amplamente divulgados na mídia, retratam esse cenário. Durante um treinamento do Exército na cidade de Barueri, na Grande São Paulo, no dia 24 de abril, três militares morreram afogados em um lago, durante exercício de orientação em um terreno militar.
No dia 15 de maio, outro militar, durante treinamento de selva em Altamira, no interior do Pará, passou mal e depois morreu. Mais quatro militares também passaram mal e foram encaminhados ao Hospital da Guarnição de Marabá, devido aos excessos no treinamento físico.
Já no dia 22 de abril, um militar morreu e dois ficaram feridos durante treinamento com cães no lago do Batalhão em Mangaratiba, no estado do Rio de Janeiro.
É sabido que os treinamentos físicos militares exigem demasiado esforço físico, e, para isso, é necessário que o militar possua um preparo físico e psicológico capaz de suportar a intensidade dos treinamentos.
No entanto, devido ao despreparo de alguns instrutores, para orientar adequadamente outros militares quanto à execução correta das atividades físicas, tornam-se inevitáveis a ocorrência de acidentes e até mesmo q morte de militares.
Ora, o Exército pode e deve submeter os militares a atividades exaustivas, mas somente aqueles que estão realmente preparados. Observar a condição física individual de cada militar, prepará-los antecipadamente para as atividades, realizando atividades de adaptação antes de ir para a atividade real, são fatores importantes para evitar acidentes.
É importante destacar que, quando um militar se acidenta ou morre durante uma instrução, as unidades militares, na maioria das vezes, emitem uma declaração informando que “será instaurado um inquérito policial militar para apurar as causas do acidente”.
Ocorre que os inquéritos são conduzidos por militares, nos quais são juntadas as provas produzidas por eles. Ou seja, são militares investigando militares, o que põe em xeque a imparcialidade do procedimento.
Além disso, demoram tempo mais que suficiente para dar uma resposta sobre a conclusão final do inquérito, e, nesse meio tempo, a família do militar morto fica totalmente desamparada e sem saber a causa da morte de seu ente querido.
É importante advertir que tal situação é ilegal, pois os militares, sejam eles temporário ou de carreira e que venham a se acidentar ou morrer dentro do quartel durante uma instrução ou no deslocamento do quartel para a sua residência, ou vice-versa, têm direito ao amparo do Estado. E esse amparo deve ser concedido num tempo razoável.
A atitude protelatória da administração militar deve ser combatida, e, caso não haja sucesso administrativamente, o correto é procurar a ajuda de um advogado especialista na área de Direito Militar, com a finalidade de ingressar com uma ação de pensão militar — no caso de morte de militar — para que a família não fique desamparada. Isso porque, na maioria das vezes, os militares são pessoas humildes, de poucos recursos financeiros e que sustentam a família unicamente com o salário que ganha nas Forças Armadas.
A lei de pensões militares, em seu artigo 1º, parágrafo único, exclui da contribuição obrigatória da pensão militar os cabos, soldados, marinheiros e taifeiros com menos de dois anos de serviço e, ainda, dispõe em seu artigo 15, parágrafo único, inciso II que o militar que morre em decorrência de acidente sofrido em ato de serviço ou de moléstia nele adquirida tem direito à pensão para a graduação de terceiro-sargento.
Portanto, não é somente a família do militar de carreira, ou daquele que possui mais de dois anos de prestação do serviço militar, que tem direito à pensão por morte. A família do militar que esteja prestando serviço militar obrigatório também tem direito a essa pensão.
O militar que se acidenta em ato de serviço, ou apenas durante a prestação do serviço militar, enquanto em fase de recuperação, também possui direito ao afastamento total do serviço, conforme determina o Estatuto dos Militares (Lei 6.880/80), à lavratura de uma parte de acidente, à instauração de uma sindicância e à consequente lavratura do Atestado de Origem, para garantir os seus direitos.
É necessário que tais esclarecimentos sejam feitos à população, pois, por desconhecimento, os militares acidentados ou os familiares de militares mortos deixam de buscar seus direitos, restando-lhe somente o sofrimento pela perda do ente querido, o aumento das dificuldades financeiras que advieram da morte do militar e o sentimento de injustiça em razão de uma morte que poderia ter sido evitada.
Autora: Natália Ciriani J. de Araújo Freitas é advogada do escritório Januário Advocacia.