O imposto sobre grandes fortunas é um erro triplo: moral, jurídico e econômico

Autor: Nadir Mazloum (*)

 

“A lei perverteu-se por influência de duas causas bem diferentes: a ambição estúpida e a falsa filantropia.”

A Constituição Federal de 1988, apesar de ser um primor no seu artigo 5º e seus incisos, estabelecendo inúmeras garantias e direitos ao cidadão, principalmente no que se refere à persecução penal, apresenta inúmeras sandices ao longo de seu extenso corpo. Dentre elas se encontra uma que, na aparência, e somente na aparência, parece uma proposta louvável, justa e correta, mas que na sua essência não passa de uma medida maldosa, injusta e errada. Trata-se do Imposto Sobre Grandes Fortunas, previsto no art. 153, VII da Lei Maior. Muitos são os que se queixam do fato deste imposto nunca ter saído do papel. Eu registro esse fato com alegria, pois tal imposto é um triplo erro: moral, jurídico e econômico. Comecemos por este último.

Antes de tudo, é preciso erradicar da mente de muitas pessoas o famoso “dogma de Montaigne”: a crença infundada de que o lucro de um é a perda de outro. A essência da doutrina de certos economistas e juristas que pregam esse odioso imposto é justamente essa errônea ideia de que a economia de mercado é um jogo de soma zero. Confundem riqueza com cédulas de dinheiro, e se esquecem de que a verdadeira riqueza consiste na produção de bens e serviços. E é aí que o imposto, se efetivamente instituído, revelaria sua capacidade de destruição devastadora: paralisaria a produção e jogaria o país num estado de desemprego e escassez de produtos sem precedentes. Ninguém melhor que Benjamin Constant para aclarar o que aqui se diz: “Ou ele (o imposto) acaba com o lucro líquido do produto, isto é, os custos de produção da commodity são maiores que a receita com as vendas, e o cultivo é necessariamente abandonado.” Ou seja, tal imposto ataca diretamente o capital, o que acaba por reduzir a prosperidade do país que o adote, ainda conforme as lições de Constant: “Sejam quais forem os tipos de impostos que um país adote, eles devem incidir sobre a renda e jamais afetar o capital. Isso significa dizer que eles nunca devem confiscar mais do que parte da produção anual e jamais tocar em ativos previamente acumulados. Os ativos são os únicos meios de reinvestimento, de alimentar os trabalhadores, de gerar abundância.” Tudo se resume na questão dos incentivos: se o investidor sabe de antemão que terá seus ativos confiscados pelo governo se acumular capital e renda, deixará de investir. Carnelutti, à sua época, também teceu severas críticas a tais impostos, demonstrando que sua genialidade não se restringia à processualística:

“Até que ponto o direito pode tirar de quem possui e que não quer dar? O que quer dizer, em termos mais elevados: Até que ponto a força pode substituir o amor? A resposta é infalível: Se a quem devesse dar lhe fosse tirado o que não quer dar, esgotar-se-ia nele o estímulo de produzir mais além do limite a partir do qual lhe seria tirado o que produz. Em termos econômicos: não somente a distribuição depende da produção, mas também a distribuição reage sobre a produção. Em termos jurídicos: o direito, a fim de equilibrar a riqueza dos homens, não pode operar mais além do limite no qual o tirar de quem produz compromete a iniciativa de produzir.”

Do ponto de vista jurídico, o erro não é menos grave: consiste em utilizar a lei para um fim ao qual não corresponde a sua verdadeira finalidade. Hugo de Brito Machado é categórico: “A finalidade do direito tributário não se confunde com a finalidade do tributo, e a distinção – aliás, evidente – é muito importante. (…). A finalidade do direito tributário não é a arrecadação de recursos financeiros para o Estado, mas o controle do poder de tributar a este inerente. (…). A finalidade essencial do direito tributário, portanto, não é a arrecadação do tributo, até porque esta sempre aconteceu, e acontece, independentemente da existência daquele. O direito tributário surgiu para delimitar o poder de tributar e evitar os abusos no exercício deste.”

Finalmente, o mais grave dano que esse imposto provoca, a meu ver, é de ordem moral: pretender introduzir a caridade e a solidariedade através da força. Corrompe-se, desta forma, não só a lei, mas, ao mesmo tempo, as próprias noções de caridade, fraternidade e solidariedade. O francês Jean Barbeyrac, ao traduzir e comentar a obra de Pufendorf, penetrou no âmago da questão: “Há alguns deveres de um tipo que a sua própria natureza exige que sejam deixados inteiramente livres, como o de beneficência, que não é mais beneficência a partir do momento em que, para alguns propósitos, está envolvida a coerção.” A instituição do imposto sobre fortunas equivaleria, assim, ao nível mais horrendo de perversão da lei, causada por aquilo que Bastiat brilhantemente chamou de falsa filantropia. A verdadeira filantropia é, por definição, espontânea, voluntária e anônima. Brota no coração do homem não em razão das (nefastas) interferências do Estado nas relações privadas, mas a despeito delas. Aliás, estas interferências acabam por produzir o contrário: introduzem a cizânia e as desavenças entre os homens. Tocqueville, ao estudar A democracia na América, demonstrou que o individualismo nos Estados Unidos não só não era incompatível com a solidariedade, mas com ela caminhava de mãos dadas:

“Quando os homens sentem uma piedade natural dos males uns dos outros, quando relações espontâneas e frequentes os aproximam cada dia sem que nenhuma suscetibilidade os divida, é fácil compreender que, se preciso, eles se prestarão ajuda mútua. (…). Tudo isso não é contrário ao que disse a propósito do individualismo. Acho até que essas coisas, longe de se repelirem, se harmonizam.”

O Imposto Sobre Fortunas, em suma, pertence àquela categoria de medidas que são aprazíveis e sedutoras, fáceis de serem defendidas. Qualquer pessoa gosta de se apresentar publicamente como um abnegado, preocupado com o bem estar dos mais carentes e com a desigualdade social, defendendo a taxação sobre os ricos. No entanto, o austríaco Ludwig Von Mises deixou bem registrada a hipocrisia desses fariseus: “Ao apoiar o princípio da igualdade como um postulado político, ninguém pensa em repartir sua renda com os que têm menos.”

 

 

 

 

Autor: Nadir Mazloum é advogado do Lopes, Rezende & Mazloum Advogados.


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