Desvincular receitas para emitir passaportes é inconstitucional

Autor: Cleyber Valença (*)

 

Recentemente houve ampla divulgação nos meios de comunicação de que inúmeros Brasileiros estavam sem receber os passaportes que haveriam solicitado junto à Polícia Federal. Segundo informado pelos órgãos competentes nessas matérias jornalísticas, a Casa da Moeda não estaria recebendo os valores pagos para a impressão dos documentos, uma vez que os documentos de arrecadação estariam direcionando verbas para o Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-fim da Polícia Federal (Funapol).

Por isso, a solução provisória que o governo federal estaria dando ao caso seria o pedido de orçamento complementar para o custeio e emissão dos documentos de viagem dos brasileiros. Mas será que está correto o procedimento adotado pelos órgãos públicos envolvidos na escassez de verbas para a emissão de passaporte?

O Funapol foi criado pela Lei Complementar 89, de 18 de fevereiro de 1997, e como seu nome já destaca, tem como finalidade o “Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-fim da Polícia Federal”

Dentre as receitas destinadas ao Funapol, estão os valores de emissão dos Passaportes, consoante previsão expressa no artigo 3º, inciso I, alínea “b”, da LCP 89/1997. Aí reside, em nosso sentir, a inconstitucionalidade e o abuso das autoridades federais, comprometendo a regular emissão de importante documento de viagem e trabalho dos cidadãos comuns.

Explica-se.

Das noções mais elementares no direito tributário, está a classificação dos tributos pelos artigos 145, 148, 149 e 149-A, todos da Constituição Federal de 1988, que assim os divide em impostos, taxas, contribuição de melhoria empréstimos compulsórios e contribuições especiais.

Nessas lições básicas, ainda é possível extrair que as taxas são tributos devidos em razão de serviço público específico (no caso, a emissão do passaporte) e divisível (para cada cidadão). Ou seja, o valor pago pelo cidadão comum é uma taxa, tributo que não comporta desvinculação para outras finalidades diversas daquela para a qual são instituídos.

Em comparação grosseira, não usar o valor das taxas pagas para a emissão de passaporte é a mesma coisa que pagar para participar de um concurso público e perceber, na hora do certame, que não há dinheiro para a impressão das provas ou para pagamento de quem as vai corrigir.

Desse modo, é relevante perceber que os valores das taxas pagas para a obtenção dos passaportes não deveriam estar sendo destinados ao Funapol ou, em assim sendo, não poderiam ter outra finalidade que não a expedição do documento de viagem, sob pena de desvirtuação abusiva do tributo em questão.

Daí a clara inconstitucionalidade na desvinculação da receita de emissão dos passaportes, uma vez que os montantes das taxas adimplidas pelos contribuintes tem destinação específica e divisível, segundo a Constituição de 1988.

Por esse motivo, já se multiplicam o número de liminares em mandados de segurança concedidos pelas Seções Judiciárias espalhadas pelo país. Também não se pode argumentar que a desvinculação seria permitida pela Emenda Constitucional 93, de 08 de setembro de 2016, uma vez que o artigo 76, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (por ela modificado), deixa clara a limitação de apropriação de apenas 30% dos montantes recolhidos das taxas federais.

Por isso, jamais o valor integral recolhido dos contribuintes poderia estar sendo destinado ao aparelhamento e operacionalização da Polícia Federal ou qualquer outra finalidade, de modo que não se justifica o argumento utilizado de que não haveria dinheiro para a emissão do documento em pauta.

Considere-se, ainda, que houve recente reajuste no valor da taxa cobrada para a emissão de passaportes em mais de R$ 100, que representa aumento superior a 60% do valor anterior. Assim, nos parece óbvio que os cidadãos lesados por estas práticas de desvinculação de receita para a emissão do passaporte devem recorrer ao Poder Judiciário para obter a emissão dos seus documentos em prazo razoável, vedando a utilização dos montantes integrais para outras atividades das autoridades públicas.

Autor: Cleyber Valença é advogado graduado pela Universidade Católica de Pernambuco, pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários e mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco. Também é professor.


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