Reforma trabalhista altera modelo de pedido inicial de liquidação

Autor: Roberto Dala Barba Filho (*)

 

A Reforma Trabalhista sancionada pelo Presidente da República em 13 de julho de 2017 traz em seu corpo alterações que vão desde dispositivos de direito material individual do trabalho, passando por normas de direito coletivo e administrativo, até normas de processo do trabalho.

Observada a vacatio legis de 120 dias estabelecida no art. 6o da lei 13467/17, todas as suas alterações passam a entrar em vigor, sendo evidente que os efeitos mais imediatos serão sentidos no processo do trabalho.

As normas processuais se sujeitam a regra “tempus regit actum”, razão pela qual quando se versa a respeito da petição inicial, contudo, a questão de direito intertemporal é muito mais simples, já que basta aferir qual a norma processual em vigor por ocasião do ajuizamento da demanda. Assim, ao se versar a respeito da disciplina dos pedidos na petição inicial trabalhista após a reforma, está a se tratar das petições iniciais de ações ajuizadas após o período da “vacatio legis”.

Os requisitos da petição inicial trabalhista já eram disciplinados antes da reforma no art. 840, § 1o, da CLT, e continuam o sendo, permanecendo a admissão da apresentação da reclamatória tanto verbal quanto escrita. Houve, contudo, significativa e importante alteração quanto à parte do pedido na petição inicial, como se verifica a seguir:

Art. 840 – A reclamação poderá ser escrita ou verbal.

§ 1o Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do juízo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante.

Antes da nova redação, o parágrafo em exame fazia alusão exclusivamente à necessidade do pedido, mas não fazia qualquer referência à certeza ou determinação, muito menos à indicação de valores.

Nesse aspecto, é conveniente notar que a própria exigência de certeza e determinação, ou mesmo o significado desta exigência, sempre foi objeto de debate doutrinário.

Com relação à certeza, sempre pairou poucas dúvidas a respeito de sua necessidade até de forma a viabilizar o exercício do direito de defesa pela parte adversa. Com efeito, seria virtualmente impossível qualquer delimitação efetiva dos limites da demanda e do objeto controvertido se todos os pedidos pudessem ser considerados simplesmente “implícitos”.

Neste sentido, a certeza implica necessariamente que o pedido deve ser antes de tudo expresso, além de especificado e individualizado na petição inicial. Vale destacar que mesmo que se demandasse coisa incerta (o que é extremamente raro no processo do trabalho), ainda assim seria necessária ao menos a indicação de gênero e quantidade do que é indicado, na forma do art. 243, do Código Civil.

A exigência de determinação, por outro lado, sempre causou um pouco mais de embaraço. Isso porque por vezes interpreta-se a determinação como possuindo um conteúdo e significado próprio, enquanto por vezes interpreta-se como mero sinônimo de liquidez.

Manoel Antônio Teixeira Filho, por exemplo, entende que a determinação seria necessária para individualizar, especificar e desassemelhar o pedido de outros, embora admita também que pode significar simplesmente a apresentação do pedido sob a forma de quantia certa. O problema é que a individualização e especificação do pedido parecem já estar inseridas no conceito de certeza, razão pela qual a sua inserção no conceito de determinação ficaria redundante ou inócua.

Essa confusão é tão corriqueira que Sérgio Pinto Martins, ao versar sobre certeza e determinação no procedimento sumaríssimo, afirma que “a palavra determinado diz respeito à certeza do pedido”, ou seja, transforma a exigência de pedido determinado em sinônimo de pedido certo, neutralizando-o, e depois procura explicar que a expressão “certo” no dispositivo na verdade se refere ao valor.

Isso mais cria problemas do que resolve, porque transforma “determinado” em sinônimo de certeza e “certo” em sinônimo de líquido. Melhor seria, nesse caso, simplesmente interpretar que pedido “certo” se refere à certeza e determinado se refere aí sim à liquidez.

Boa parte da celeuma, entretanto, está contida no pressuposto da discussão que é o dogma de que a norma não conteria expressões inúteis, procurando-se, então, conferir ao conceito de “determinado” um sentido diverso de “líquido” para justificar o fato de que a norma, tautologicamente, exige a determinação e também a indicação dos valores dos pedidos.

Deslocada a exigência de indicação do valor do conceito de pedido “determinado”, o mesmo fica virtualmente esvaziado de conteúdo, razão pela qual parece realmente mais lógico estabelecer um vínculo direto entre o conceito de determinação e liquidez. Acompanho, assim, o entendimento de Cândido Dinamarco no sentido de que “diz-se certo o pedido quando individualizado em seus elementos o objeto sobre o qual se pretende o pronunciamento jurisdicional; líquido ou determinado, o pedido que faz tal indicação (número de cabeças de animal, determinado valor em dinheiro)”.

Do ponto de vista das pretensões de obrigação de pagar quantia certa, parece haver poucas dúvidas a respeito da ligação direta entre o conceito de determinação e de liquidação. A determinação pode se divorciar do conceito de liquidação nas pretensões relacionadas a obrigações de fazer, em especial quando infungíveis, ou ainda nas pretensões cujo objeto seja essencialmente declaratório.

Nas pretensões que visam condenações de pagar, contudo, a única diferenciação que poderia ser feita neste aspecto é que a determinação pode se referir a um objeto cujo valor dependa de uma liquidação posterior, como seria o caso de um objeto cujo valor necessariamente dependa de uma liquidação por artigos ou por arbitramento (e.g. participação do empregado em direitos autorais ou de invenção), situações de exceção, contudo, que estão em grande parte previstas legalmente, como se verá a seguir.

  1. o advento do Código de Processo Civil de 2015, boa parte dessa discussão restou facilitada porque a lei cindiu o conteúdo do art. 286 do CPC anterior e passou a estabelecer, de forma categórica, que o pedido deve ser certo (art. 322) e determinado (art. 324).

No que se refere ao pedido certo, as exceções legais sempre foram os pedidos implícitos, que a jurisprudência e a doutrina processual trabalhista sempre admitiram também como aplicáveis ao processo do trabalho, tais como as prestações sucessivas (art. 323 do CPC), os juros e a correção monetária, assim como também parece claro que se aplicará o mesmo tratamento, após a reforma trabalhista, às verbas de sucumbência e honorários advocatícios, na forma do art. 322, § 1o, do CPC.

Há alguma discussão na doutrina processual trabalhista se algumas pretensões específicas, tais como a incidência da multa prevista no art. 467, poderiam ser inseridas dentro do conceito de pedido implícito (o que entendo não ser o caso por absoluta ausência de previsão legal). A verdade, porém, é que mesmo quem assim entende estaria correndo um risco desnecessário se omitisse tal pedido com base neste entendimento, precisamente por se poder entender que não existe o pedido ou que o provimento extrapolaria os limites da demanda.

Aliás, mesmo no que se refere aos pedidos que expressamente se entendem implícitos é conveniente que sejam abordados, até porque pode haver discussões incidentais a seu respeito (e.g. incidência de imposto de renda sobre juros de mora). No que concerne à determinação, o CPC manteve em sua atual redação as ressalvas que já existiam no Código de 1973 para autorizar a formulação de pedido genérico como se vê:

Art. 324. O pedido deve ser determinado.

§ 1o É lícito, porém, formular pedido genérico:

I – nas ações universais, se o autor não puder individuar os bens demandados;

II – quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato;

III – quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu.

§ 2o O disposto neste artigo aplica-se à reconvenção.

Como regra, no processo do trabalho, embora os pedidos observem o requisito de certeza, a determinação (no sentido de indicação de valores) não costumava ser observada. Apenas por ocasião do advento do procedimento sumaríssimo, em 2000, passou-se a exigir a indicação de valor da causa no processo do trabalho, e, mais do que isso, valor da causa correspondente ao somatório dos pedidos líquidos deduzidos, naturalmente. Mas, ainda assim, limitado a este procedimento.

Com a reforma trabalhista há uma inversão, e a regra de exceção se transforma em regra geral e passa a exigir que o valor dos pedidos conste expressamente na petição inicial, sendo natural que o valor da causa corresponda ao somatório dos mesmos, sob pena de extinção sem julgamento do mérito, conforme §3o que a reforma introduz no art. 840, da CLT.

Prática de pedido líquido no processo do trabalho após a reforma
Uma das primeiras reações na doutrina e até nos comentários em corredores forenses que surgiu nesse caso foi a necessidade de uma generalização de cautelares de exibição de documentos de forma a verificar o eventual adimplemento de verbas que se pretende postular, sob o fundamento (verdadeiro) de que os recibos de pagamento como regra permanecem em poder do empregador (como, aliás, a maioria dos documentos relacionados ao contrato de trabalho).

Tome-se como exemplo um dos pedidos mais comuns no processo do trabalho, que é o pedido de pagamento de horas extras. O fundamento da necessidade da cautelar seria a aferição dos cartões de ponto e dos recibos de pagamento que estão na posse do empregador.

Nesse caso, em primeiro lugar, parte-se do suposto de que o Reclamante concorda que registrava corretamente a jornada nos cartões de ponto, haja vista que não tem sentido requerer a apresentação de documentos como condição para ajuizamento da demanda se a parte já impugna sua validade ab initio.

Em segundo lugar é imperioso relembrar que o valor do pedido incide sobre a pretensão, e não sobre o resultado final que se obtém com o provimento, sendo certo, nesse cenário, que indicando a parte autora o valor da sua remuneração e a jornada média que entende que cumpria, a pretensão em si pode ser liquidada, minimizando até a patamares desprezíveis eventuais abatimentos que afetem a sucumbência.

A solução, contudo, parece ser ainda mais simples do que essas hipóteses. Ora, se a liquidação do pedido depende necessariamente da juntada aos autos de documentos que se encontram na posse da parte adversa, como cartões de ponto e recibos de pagamento, a aplicação da exceção contida no art. 324, III, do CPC é manifesta.

A autorização para pedidos genéricos nessas hipóteses é prevista na norma processual civil, e como a CLT não versa sobre as exceções ao pedido determinado, a aplicação da exceção do processo comum não encontra qualquer óbice. O mesmo, aliás, pode ser dito das hipóteses em que não for possível determinar as consequências do ato ou fato como, por exemplo, um pedido de indenização por danos materiais por acidente de trabalhou ou doença ocupacional.

Evidente, assim, que mesmo após a reforma trabalhista aplicam-se ao processo do trabalho as exceções que autorizam pedidos genéricos na forma do art. 324, do CPC, especialmente nas hipóteses de seus incisos II e III, que parecem não apenas ser as mais corriqueiras no processo do trabalho, como também se referem às situações que tem causado mais angústia na perspectiva forense.

Existem vários pedidos que a própria parte pode liquidar desde o começo, como eventuais diferenças de FGTS (já que possui acesso aos extratos), ou ainda diferenças de eventuais verbas rescisórias (já que detém, como regra, cópia do TRCT), entre outras. Aliás, isso é tão claro que não faltam demandas sujeitas ao procedimento sumaríssimo no processo do trabalho, evidenciando ser plenamente possível a liquidação de diversos pedidos (inclusive relativos à jornada de trabalho), sem depender necessariamente da juntada de documentos pela parte adversa.

Além disso, nada impede que a partir do momento em que tais documentos sejam juntados aos autos seja determinada emenda à petição inicial para que os valores sejam então liquidados, até mesmo de forma a facilitar e agilizar o trâmite da demanda (podendo inclusive implicar desistência ou renúncia aos pedidos, conforme for o caso), como, ademais, sempre foi possível a apresentação de documentos incidentais no curso do processo por quem esteja na posse dos mesmos — com muito mais razão nas hipóteses em que eles são condição necessária para liquidação do feito.

Isso não significa que a ação cautelar de exibição de documentos seja inútil. Ela inclusive poderia ser mais utilizada, porém menos com a finalidade de se verificar eventual quantum debeatur, e sim para apuração da própria certeza da pretensão. Um dos casos mais comuns que se verifica no processo do trabalho nesse sentido são os pedidos de diferenças de comissões pagas no curso da contratualidade, em que não raras vezes o pedido de diferenças (cujo valor a parte autora desconhece), está calcado precisamente no desconhecimento do trabalhador a respeito das regras de apuração e pagamento das comissões.

A demanda é ajuizada postulando diferenças genéricas sob o fundamento de que rigorosamente o trabalhador sequer sabe como elas eram calculadas, os critérios, índices, alíquotas, condições de pagamento, entre outros. A utilidade da cautelar nesse caso é manifesta, ou, alternativamente, a utilização da ação de exigir contas (art. 550 do CPC).

Conclusão
A exigência de formulação de pedidos determinados quanto ao seu valor implicará a necessidade de uma adaptação e reinvenção na prática processual trabalhista, tanto da parte autora (com mais ênfase), como também da parte ré para lidar com essa realidade e seus efeitos processuais. Mas não é uma exigência que surge como um oásis (ou uma tormenta) no meio do deserto, mas sim um elemento adicional em um cenário prévio já preenchido por diversos outros elementos que viabilizam a superação daqueles momentos em que a norma procura transformar o quadrado em um círculo.

 

 

 

 

Autor: Roberto Dala Barba Filho   é juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região e mestre em Direito pela PUC-PR.


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