Colaboração processual exige distanciamento de paixões pessoais

Autor: André Gomma de Azevedo (*)

Até Louis Pasteur, em meados do século XIX, acreditava-se na visão aristotélica de geração espontânea, segundo a qual organismos vivos podem surgir de matéria inanimada. O exemplo usual consistia no surgimento de larvas em pedaços de carne que eram deixados expostos para comprovação dessa teoria. Algo semelhante parece ocorrer, no direito processual, com o chamado princípio da colaboração ou cooperação, segundo o qual o processo seria o produto da atividade cooperativa entre o juiz e as partes. Muitas vezes comenta-se este princípio como se espontaneamente fosse ocorrer a colaboração entre litigantes simplesmente porque o novo Código de Processo Civil dispõe em seu artigo 6º que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

De fato, na ausência de algum agente indutor de consensualização, certamente não ocorrerá uma “colaboração espontânea”. O consenso pode surgir em decorrência de uma evolução no processo de resolução de disputas mas em razão de, entre outros fatores, uma indução consciente, (financeiramente) incentivada e planejada. Entre os diversos agentes indutores de consenso, o novo CPC claramente destaca a figura do magistrado que pode encaminhar um feito para a conciliação, para a mediação ou mesmo buscar a resolução consensual a qualquer tempo.

Merece destaque que o magistrado pode buscar o consenso tanto em relação às questões materiais como também em relação ao próprio processo. A primeira hipótese, é a mais comum no nosso sistema e envolve um esforço de pôr fim ao litígio na medida em que todos se engajam construindo uma solução minimamente satisfatória em relação ao objeto da demanda. A segunda hipótese — da conciliação ou negociação processual — envolve o planejamento com as partes e advogados acerca do desenvolvimento procedimental de forma a tornar a relação jurídica processual mais rápida e segura. Em decorrência desse trabalho, constrói-se um negócio jurídico processual nos termos do artigo 190 do CPC.

Como exemplos de negócios jurídicos processuais decorrentes de negociações processuais conduzidas por magistrados, vale citar o acordo realizado na audiência de justificação em possessórias, no qual as partes concordam em se dirigirem a área disputada acompanhados de oficiais de justiça que registrarão a termo a perspectiva dos confrontantes e quaisquer outras testemunhas que as partes quiserem ter registradas. De igual forma, os oficiais justiça, dependendo do acordo, podem tirar fotos da área litigada e entregarem um relatório que consistirá, na prática, em toda (ou praticamente toda) a instrução necessária facilitando a prolação da sentença em prazo reduzidíssimo.

Naturalmente, as partes não são obrigadas a realizarem qualquer negociação processual e somente o farão se forem auferir algum ganho com isso. De fato, esta é uma prerrogativa das partes e dos advogados. De igual sorte, o magistrado não é obrigado a sentenciar se não estiver confortável com instrução realizada de forma consensual. Poderá complementar como considerar mais seguro. Todavia, na maior parte das vezes a economia de tempo com o desenvolvimento procedimental tem tornado esse acordo processual muito favorável às partes e aos advogados.

Em recentes capacitações feitas na Escola Nacional da Magistratura e na Universidade Corporativa do Tribunal de Justiça da Bahia (Unicorp), foi apresentada também a experiência de negócio jurídico processual no qual os advogados comprometeram-se a realizar a atermação da prova testemunhal em ambiente controlado pelos próprios advogados. Eventuais divergências entre estes no momento da atermação são registrados no ato e posteriormente dirimidos pelo magistrado. Este, por sua vez, comprometeu-se, como forma de prestigiar o negócio jurídico processual, a sentenciar no prazo de 60 dias.

Desta forma, há grande economia de tempo para o jurisdicionado e manutenção ou acréscimo de honorários dos advogados — como comentado sobre honorários conciliatórios, quem economiza tempo e recursos de clientes deve ser premiado e não punido com honorários menores. De igual forma, este negócio jurídico processual fomenta a administração eficiente e colaborativa de um recurso muito escasso: o tempo do magistrado.

É preciso aproveitar o novo Código de Processo Civil como uma oportunidade de cobrir com um manto de novo a relação entre partes, advogados magistrados e promotores. Se o mercado de trabalho privado valoriza posturas como determinação, otimismo, ponderação, equilíbrio, pró-atividade e liderança como características de bons profissionais, precisamos tornar o processo civil mas resolutivo com essas atitudes. Assim, a colaboração processual decorre do profissionalismo decorrente do distanciamento de paixões pessoais contraproducentes, principalmente por parte de magistrados, conciliadores e mediadores, mas também por advogados.

Não é à toa que há quase 200 anos se abandonou a teoria do surgimento espontâneo. De objetos inanimados não surge espontaneamente a vida. De igual forma, se pretendemos ter um processo civil vivo, que produza resultados construtivos, faz-se necessário valorizarmos todos os indutores de consenso.

 

 

 

 

Autor: André Gomma de Azevedo é juiz de Direito (TJ-BA) e professor adjunto do programa mestrado em Resolução de Disputas do Instituto Straus da Universidade de Pepperdine (Malibu, CA).

 


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