Práticas de compliance nas empresas estatais e o prazo que se esgota

Autor: Rodrigo Pironti (*)

 

Dizia Cora Coralina em seu poema semeando o otimismo: “Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir”.

Temos assistido diariamente no cenário jurídico e noticiário nacional infinitas publicações sobre escândalos de corrupção, delações premiadas e acordos de leniência, condenações e prisões de gestores públicos e executivos de grandes entidades e corporações, principalmente após a deflagração da operação “lava jato” e os mais de 30 desdobramentos que a sucederam.

Diante de todo esse contexto, ainda verificamos instituições públicas e privadas que não adotam práticas de compliance em suas atividades ou que, ainda que possuam um Código de Conduta e Políticas de Integridade, não contam com quaisquer processos, áreas ou comitês sobre o tema e que acreditam que a simples formalização de documentos são suficientes para a redução de eventuais sanções previstas na Lei Anticorrupção.

A Lei 13.303/2016, denominada Lei das Estatais, reforça a importância do tema e estabelece a exigência de regras de governança corporativa e práticas de compliance nas atividades de empresas públicas e sociedades de economia mista, as quais refletirão não apenas em seus processos internos, mas também em suas contratações e relacionamentos com o público externo (fornecedores, terceiros, agentes públicos etc.).

Dentre as práticas de governança exigidas, destaca-se a criação de instâncias internas para atualização e aplicação do Código de Conduta e Integridade, canal de denúncias que possibilite o recebimento de denúncias internas e externas e mecanismos de proteção à retaliação do denunciante, treinamentos periódicos sobre o Código de Conduta a seus empregados, políticas de gestão de riscos, análise de pré-qualificação de fornecedores com a exigência de consulta ao Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e matriz de riscos nos contatos de obras e serviços como cláusula contratual.

Porém, o que é mesmo relevante de todo esse cenário é que junho de 2018 é o marco temporal para a obrigatoriedade de implantação de uma efetiva gestão de riscos e compliance nas empresas estatais, ainda que elas não sejam consideradas de “grande porte”.

Essa regra, pela intelecção do artigo 1, parágrafo 1 conjugado ao artigo 6, é obrigatória a toda e qualquer estatal à partir de 30 de junho de 2018[1], que, para além da criação de estruturas práticas de gestão de risco e compliance, deverão incluir nos anexos de seus contratos uma efetiva e necessária matriz[2].

Nessa nova sistemática, os riscos não devem ser alocados de forma aleatória pela estatal, ao contrário, devem ser alocados de forma racional e eficiente, de acordo com a maior ou menor capacidade de cada um dos parceiros em mitigá-los. Assim, deve-se buscar imputar cada um dos riscos à parte que, ao menos em tese, for a mais apta a evitá-los, mitigá-los ou eliminá-los a um menor custo, onerando da menor forma possível a execução contratual. Daí porque a repartição objetiva de riscos não impõe uma distribuição equivalente de riscos, e sim uma distribuição equitativa, de base racional, alocando-se a cada parceiro os riscos que pode mais eficientemente gerir.

Deve-se tomar cuidado, nessa medida, para que a alocação de riscos ao privado não seja excessiva a ponto de onerá-lo em demasia, obrigando-o a assumir e mitigar riscos que seriam muito melhor absorvidos pela estatal. Tal situação fatalmente desembocaria em situações como uma excessiva oneração do contrato, à medida que, quanto mais riscos o particular assumir, maior será a remuneração exigida para geri-los.

Por outro lado, é igualmente certo que os riscos não são todos previsíveis e antecipáveis pela administração pública no momento da licitação — senão não haveria que se falar em teoria da imprevisão e álea extraordinária, expressamente referidas no próprio artigo 5º, III da lei. Diante disso, a nova sistemática não elimina a possibilidade de ocorrência de eventos imprevisíveis (e nem teria como, ainda mais num contrato de longa duração), mas ao menos determina que já se proceda de antemão à indicação de quem será o responsável por arcar com cada espécie de imprevisibilidade — podendo tal indicação ser revisada ao longo dos anos, em períodos de revisão contratual previamente estipulados.

Não cabe mais às estatais a cômoda posição de nada fazer, nem sequer de buscar modelos já aplicados, pois a Lei das Estatais e os órgãos de controle as obrigam a agir, a criar parâmetros e mecanismos específicos. É preciso — parafraseando Cora Coralina — decidir, para não sucumbir ao prazo que se esgota.

 

 

 

Autor: Rodrigo Pironti  é advogado parecerista, doutor e mestre em Direito Econômico e pós-doutor em Direito Público.


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