Autor: Rubens A. E. Calixto (*)
O recebimento de auxílio-moradia pelos juízes brasileiros, com base em decisão do Supremo Tribunal Federal, causou uma espécie de histeria coletiva, com muitas críticas de importantes setores da imprensa e também de integrantes de vários partidos políticos.
Não é meu objetivo analisar a legalidade desse benefício, até porque se trata de questão bastante complexa, que em breve estará na pauta de julgamentos da mais alta corte do país.
O que realmente preocupa, nesta avalanche de críticas, são os efeitos colaterais que podem resultar deste clamor enfurecido, superficial e desinformado.
Ao submeter os juízes a um verdadeiro linchamento público, parte da imprensa e da opinião pública abre caminho para a desmoralização do Poder Judiciário, que fatalmente virá acompanhada do seu enfraquecimento — estratégia bastante antiga, descrita por Eugenio Raul Zaffaroni na obra Poder Judiciário: crises, acertos e desacertos.
Esse enfraquecimento terá como maiores vítimas as pessoas simples e humildes, que têm no Poder Judiciário o único refúgio para a proteção dos seus direitos, como ensina Mauro Cappelletti, no livro Acesso à Justiça.
Por outro lado, será motivo de festa para os corruptos e oligarcas do poder, a quem interessa que os juízes caiam de joelhos e que a Justiça continue alcançando somente pretos, pobres e prostitutas, como sempre se ouviu.
Se existe a séria intenção de corrigir distorções salariais e estabelecer critérios adequados de remuneração da magistratura, o passo inicial deveria ser a informação esclarecedora sobre as garantias funcionais dos juízes, como a irredutibilidade de vencimentos, coisa que raramente acontece.
Não se diz uma palavra sobre a defasagem salarial superior a 40% nos últimos dez anos. Coincidência ou não, desde que estouraram escândalos como o mensalão e a “lava jato”.
Debates marcados pelo maniqueísmo e pela parcialidade, com o amesquinhamento da função judicial, como se os magistrados fossem parasitas sociais, só contribuem para desencantar a sociedade e fragilizar a democracia.
Cai no esquecimento coletivo que, nos últimos anos, o combate à corrupção recuperou dezenas de bilhões de reais para os cofres públicos e evitou que outros tantos fossem desviados. Ignora-se que milhares de ações, movidas principalmente pelo Ministério Público, tentam a todo custo reduzir a corrupção no Brasil e exigir do poder público condutas mais probas e sérias, em benefício do povo.
Nenhuma menção se faz às restrições legais e sociais na vida de um juiz nem às suas dificuldades com segurança pessoal, questão que está se tornando cada vez mais preocupante.
Vale lembrar que o enfrentamento do crime organizado, e seus poderosos tentáculos, custou a vida de vários juízes e promotores de Justiça.
A Constituição Federal garante aos juízes a irredutibilidade de vencimentos, além da inamovibilidade e vitaliciedade. Não se tratam de privilégios, mas de garantias oferecidas aos magistrados em qualquer país civilizado.
O desrespeito a tais garantias deveria ser visto com grande preocupação por todos os cidadãos, pois é assim que se esboçam as ditaduras.
A magistratura precisa de boa remuneração para que possa desenvolver sua missão com segurança e retidão. Bons profissionais são atraídos por boa remuneração, no setor público ou privado.
Não é raro que empresas ofereçam aos seus profissionais mais qualificados, além de altos salários, também automóveis, planos de saúde e outros benefícios, acrescidos de bônus anuais que muitas vezes ultrapassam os próprios salários.
Somente no setor público é que se pretende a mágica de conseguir os melhores profissionais com nenhuma vantagem em troca. O resultado é o sucateamento de vários setores, como a educação e a segurança pública, que necessitam de urgente recuperação.
Não estou defendendo salários nababescos, mas tampouco podem ser admitidas comparações hipócritas com ocupações mais simples ou com países onde as condições de vida são totalmente diferentes, como EUA e Suécia.
A celeuma provocada pelo auxílio-moradia pode até ser útil, se for proposto um debate sério e honesto sobre a remuneração no serviço público, como um todo.
O tema da remuneração dos juízes merece uma solução adequada, mas isso somente acontecerá se o Supremo Tribunal Federal cumprir o papel constitucional de zelar pelas garantias da magistratura, coisa que não fez nos últimos anos, provocando graves distorções remuneratórias em diferentes segmentos do Poder Judiciário.
É isso que pedimos e esperamos. Do contrário, muito em breve, o Poder Judiciário estará de joelhos. E o Brasil também.
Autor: Rubens A. E. Calixto é juiz federal, mestre em Direito pela Unesp e doutor pela PUC-SP.