Consultoria em Direito Minerário é importante na negociação de imóveis

Autor: Talden Farias e Pedro Ataíde (*)

 

A consultoria em Direito Minerário raramente é utilizada nos contratos de compra e venda de imóveis, inclusive os rurais, cuja extensão (e, por conseguinte, a probabilidade de existência de jazida) costuma ser maior. Entretanto, a eventual existência de atividade mineral pode alterar substancialmente o valor e a destinação do bem, de maneira que o serviço parece pertinente.

É sabido que o exercício da mineração (com a única exceção do regime de licenciamento) independe de consentimento do proprietário do imóvel em que estiver localizada a jazida, pois esta pertence à União. Contudo, isso não quer dizer que o minerador pode ingressar na propriedade alheia de forma desmedida e aleatória, sem qualquer “satisfação” ao proprietário do solo.

Com efeito, embora a mineração seja dotada de utilidade pública e de interesse nacional e possua inquestionável relevância econômica e social, a sua realização não poderá ignorar a propriedade, pois também se trata de direito assegurado constitucionalmente. Comumente, fala-se que o solo pertence ao proprietário, e o subsolo, à União; tal afirmativa, contudo, é equivocada. Nos termos do artigo 1.229 do Código Civil, “a propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidades úteis ao seu exercício”. A União, na verdade, é titular do domínio sobre as jazidas que possivelmente existam no solo ou no subsolo, tanto que os minérios que ocorrem na superfície terrestre (como a areia e a argila) também constituem bens da União.

Durante a fase de pesquisa mineral, o proprietário do imóvel em que estiver situada a jazida tem direito a receber indenização pelos danos previamente identificados e renda pela ocupação da área. Para tanto, o minerador deverá procurar o proprietário no intuito de firmar acordo acerca de tais valores e do modo de pagamento. Se não houver consenso, a Agência Nacional de Mineral (ANM) enviará ofício ao juiz da comarca (Justiça comum estadual) para que este arbitre os valores, nos termos do artigo 27 do Código de Mineração. Após essa etapa, o minerador deverá depositar em juízo os valores estabelecidos em sentença, e, ato contínuo, o proprietário/posseiro será intimado para permitir que o minerador ingresse na área e promova os trabalhos de pesquisa (podendo existir auxílio da autoridade policial local em caso de resistência, oposição ou descumprimento da decisão judicial). A renda não poderá exceder o rendimento líquido máximo do espaço territorial a ser ocupado; por sua vez, a indenização não poderá ser superior ao valor venal da propriedade ocupada.

Já na fase de lavra (efetiva extração do minério), o proprietário do imóvel em que estiver localizada a jazida fará jus ao recebimento de indenização, renda e participação nos resultados da lavra; os valores desta última serão devidos após a negociação do minério (primeira venda, arrematação, primeira aquisição ou consumo) e variarão de acordo com a substância mineral e com o volume extraído. É importante mencionar que a indenização a que se refere o presente texto é oriunda dos danos previamente identificados; eventuais danos ocorridos no decorrer da atividade mineral deverão merecer indenização própria, que será apurada à parte. Também não se confunde com a recuperação da área degradada, porque essa já é uma obrigação constitucional (artigo 225, parágrafo 2º) imposta ao minerador.

É nesse contexto que se vislumbra a importância da consultoria em Direito Minerário durante a aquisição/alienação de imóveis. Não são raras as vezes em que a área de determinada propriedade está sendo objeto de direitos minerários, e o respectivo proprietário ainda não tomou ciência do fato, o que se dá normalmente apenas quando os trabalhos exigem o ingresso no imóvel. Nesse sentido, o advogado mineralista poderá informar, com precisão (a partir de documentos e de dados georreferenciados), se o imóvel objeto de negociação está ou não onerado por tais títulos. Também poderá consultar os processos administrativos e mencionar a fase em que se encontra, bem como se existe expectativa próxima para a realização de atividade minerária efetiva no local.

Acrescente-se que não apenas o local exato da jazida estará sujeito à servidão mineral, mas também as estruturas acessórias, como vias de transporte, linhas de comunicação, oficinas e moradia. A atividade minerária deve ser considerada de maneira ampla, uma vez que essa estrutura é indispensável ao seu adequado desenvolvimento. Nas poligonais da jazida, o próprio título minerário enseja acordo ou avaliação judicial para fins de servidão mineral; já nas estruturas acessórias da mina, a servidão dependerá de delimitação pela ANM, após análise do requerimento do minerador.

Destarte, o valor e a destinação do imóvel irão variar bastante. Se o comprador estivesse adquirindo área com baixo potencial produtivo, a mineração poderá ser considerada um atrativo no valor do bem; isso porque serão pagos indenização, renda e participação nos resultados da lavra (se o empreendimento houver alcançado a fase de extração).

Por outro lado, se o pretenso adquirente do imóvel tiver a pretensão de instalar um complexo industrial ou qualquer outra atividade de considerável valor agregado, a oneração por direitos minerários possivelmente será um empecilho; isso porque a mineração terá prevalência em relação aos interesses privados do proprietário. Ou seja, bastará a existência de título minerário que a área será ocupada pela atividade. Em tais casos, é possível que a ocupação do imóvel perdure por décadas, até a exaustão da mina. Dependendo da forma em que for feita a pesquisa ou extração, e das peculiaridades do caso concreto, a mineração poderá conviver, no mesmo imóvel, com outras atividades econômicas desempenhadas pelo minerador ou pelo superficiário.

O advogado mineralista poderá alertar o cliente a respeito da possibilidade de existência de minerais na sua propriedade, caso ele conheça o potencial da região em questão ou apenas vislumbre a existência de muitos títulos minerários no entorno. Se houver interesse, o causídico vai apresentá-lo aos profissionais corretos, como consultores na área de mineração e de meio ambiente (geólogos, engenheiros de minas, engenheiros ambientais etc.), que poderão viabilizar a empreitada.

O advogado também poderá sugerir o aproveitamento dos minerais de uso imediato na construção civil (areia, cascalho e brita) na própria construção que o cliente pretende levar adiante ou em obra de terceiros. No caso da implementação de um condomínio horizontal ou de um loteamento, ele pode sugerir a exploração do mineral antes da implementação do empreendimento, impedindo assim que se perca a jazida, uma vez que muitos desperdícios ocorrem por falta de pesquisa mineral.

A respeito da importância do jurista minerário, vale dizer também que a existência de títulos minerários, ainda que de terceiros, pode servir como argumento para tentar impedir a desapropriação da área para fins de reforma agrária. Com efeito, é de se questionar se a propriedade onde a atividade minerária está ocorrendo (ou em vias de ocorrer) cumpre ou não a sua função social, mormente em função do status constitucional da atividade.

Isso significa que um bom trabalho de consultoria jurídica imobiliária não poderá deixar de levar em consideração a incidência ou não de direitos minerários sobre o imóvel, especialmente quando se tratar de imóveis rurais.

 

 

Autor: Talden Farias é advogado e professor da UFPB, mestre em Ciências Jurídicas (UFPB), doutor em Recursos Naturais (UFCG) e em Direito da Cidade (Uerj). Autor de publicações nas áreas de Direito Ambiental e Minerário.

Pedro Ataíde é advogado, mestre em Ciências Jurídicas (UFPB) e autor de publicações nas áreas de Direito Ambiental e Minerário.

 


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