Autor: Andrey Cavalcante (*)
Não é, lamentavelmente, um fato isolado o “equívoco” cometido pelo Conselho Nacional de Justiça na proclamação do julgamento do PCA 0005105-94.2014.2.00.0000, ocorrido no dia 6 de março. No próprio acórdão publicado consta voto divergente do conselheiro Luiz Cláudio Allemand, indicado à época da prolação do voto justamente pela OAB. Mesmo assim, a decisão foi anunciada como unânime, pelo que a OAB requereu sua anulação.
Teria sido igualmente “equivocado” o tratamento dado ao pedido de destaque formulado pelo conselheiro Valdetário Monteiro, que poderia ter retirado o processo de julgamento para posterior debate e votação no Plenário, inclusive com prolação do seu próprio voto, mas foi simplesmente desconsiderado?
A decisão, convém ressaltar, restringe prerrogativas dos advogados, já que o resultado apropria-se do texto legal para minimizar seu efeito. Para o relator, desembargador Valtércio de Oliveira, “o direito previsto no Estatuto da OAB não pode ser visto de forma absoluta, e sim como uma prerrogativa que deve ser aplicada em consonância com a realidade que exige do juiz a condição de gestor”.
Teria ele chegado por conta própria ao absurdo da consideração ou terá seguido orientação de um movimento nacional destinado a fragilizar a atuação dos advogados e, por conseguinte, da defesa? Que parte do texto do artigo 7º da Lei 8.906/1994, que diz ser “direito da classe ingressar livremente em recintos quando a atividade exige e dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho”, ele não terá compreendido?
Já seria uma afronta a toda a categoria dos advogados e aos cidadãos por eles representados se o caso fosse tomado isoladamente, posto que o resultado atenta contra o Estado Democrático de Direito, a plena defesa e ao princípio constitucional que estabelece a paridade de forças na Justiça. Mas está longe de ser apenas isso.
Uma sucessão de “interpretações” do pensamento do legislador no texto constitucional vem sendo seguidamente adotada em todas as instâncias do Judiciário. Os indicativos apontam na direção de uma pauta nacional que busca fragilizar a defesa a pretexto de atender aos “anseios da sociedade”. Complementam-se tais ações num verdadeiro contubérnio, em busca de soluções rápidas e fáceis para a morosidade judicial e investigativa dos tempos atuais.
Esquecem-se, esses neocondoreiros, que são exatamente os advogados que representam em juízo as legítimas aspirações da sociedade, apesar de todo o esforço para conduzir a população indignada na direção da previa condenação de investigados ou meramente suspeitos.
Assim se vem atuando na criminalização da política, quando os alvos seriam os políticos investigados. Criminaliza-se os advogados criminalistas para fragilizar a defesa. Desconhecem, os atuais condoreiros, em sua pretextada “cruzada social”, a advertência do mais representativo deles, Castro Alves, em Navio Negreiro: “Donde vem? Onde vai? Das naus errantes quem sabe o rumo, se é tão grande o espaço”. O próprio poeta vaticina que isso acabará por transformar o cidadão em “filhos do deserto (de ideias), míseros escravos, sem luz, sem ar, sem razão”.
É justamente essa disposição de legislar sem ser votado que levou o desembargador Valtércio de Oliveira, relator do caso no CNJ, a não enxergar, na norma do TJ-MA — origem do problema —, qualquer violação ao princípio da essencialidade da atuação dos advogados, prevista no artigo 133 da Carta da República nem mesmo ao artigo 7º, inciso VI, alíneas “b” e “c” do Estatuto da OAB.
A decisão do Tribunal de Justiça do Maranhão havia sido pronta e acertadamente questionada pela seccional da OAB: “A subordinação do advogado à vontade do magistrado e do secretário judicial é restrição que não condiz com as normas constitucionais e infraconstitucionais”, inclusive porque a Lei 8.906/94 permite o acesso a salas e gabinetes de trabalho.
É inerente à atividade da classe as “condições legais, especiais e indispensáveis, ditadas pelo interesse social e público”, tanto para o exercício da profissão quanto para a convivência harmoniosa entre juízes, promotores, delegados, advogados e outros servidores públicos. O texto legal é claro e dispensa invencionices e contorcionismos de quem prefere colocar a lei a serviço de sua própria comodidade e conforto, não a serviço do cidadão, como convém ao Estado Democrático de Direito.
Autor: Andrey Cavalcante é presidente da seccional de Rondônia da Ordem dos Advogados do Brasil.