Autora: Mayra Palópoli (*)
Decisões judiciais recentes trazem luz a uma das mais polêmicas alterações da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017): o fim da obrigatoriedade de recolhimento da contribuição sindical, tanto para as empresas quanto para os empregados.
Historicamente, a contribuição sindical patronal era recolhida pelas empresas no mês de janeiro, e a contribuição sindical do empregado era descontada diretamente da folha de pagamento no mês de março.
A proximidade dos recolhimentos está levando à propositura de uma série de ações judiciais, propostas por sindicatos, que questionam a constitucionalidade da alteração legislativa, visando garantir suas fontes de arrecadação. Três decisões recentes proferidas por varas do Trabalho do Rio de Janeiro e de Lages (SC) — processos 0001193-78.2017.5.12.0007, 0001183-34.2017.5.12.0007 e 0100111-08.2018.5.01.0034 — e uma proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região — Processo 0005385-57.2018.5.15.0000 — reconheceram como válidos os argumentos dos sindicatos e determinaram a manutenção compulsória dos recolhimentos.
Em tais decisões de caráter liminar, foi declarada a inconstitucionalidade desse ponto da reforma trabalhista, determinando-se que as empresas procedam ao desconto da contribuição sindical do salário de seus empregados, independentemente de autorização prévia e expressa deles. As decisões têm abrangência apenas entre as partes envolvidas nas ações.
A inconstitucionalidade foi declarada sob o fundamento de que a contribuição sindical tem natureza tributária e, por essa razão, nos termos dos artigos 146 e 149 da Constituição Federal, só poderia ser objeto de alteração por lei complementar, enquanto que a Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista) é uma lei ordinária.
O valor arrecado com a contribuição sindical deve ser divido entre sindicato, federações, confederações, centrais sindicais e “Conta Especial Emprego e Salário”, esta última administrada justamente pelo Ministério do Trabalho e Emprego, pois seus valores integram os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CLT, artigo 589). Daí porque a contribuição sindical, segundo os tributaristas, merece ser denominada “contribuição parafiscal”, pois não se destina exclusivamente aos cofres públicos.
A CLT também define a destinação de tal recurso, destacando-se a obrigação dos sindicatos na prestação de serviços relacionados à assistência jurídica, médica e odontológica, bem como à realização de estudos econômicos (artigo 592).
O Supremo Tribunal Federal, órgão responsável pela declaração de inconstitucionalidade da norma, com efeito erga omnes, ainda não se manifestou sobre as várias ações que vem recebendo sobre o tema desde a publicação da reforma trabalhista, em julho de 2017.
Em momento anterior, o STF reconheceu a unicidade sindical no Brasil e a extensão da negociação coletiva à toda a categoria, e não apenas aos empregados filiados ao sindicatos, e atestou a constitucionalidade da contribuição sindical e sua natureza jurídica de tributo (ADPF 146/684, RE 146.733 e RE 180.745).
Há que se atentar também a alguns precedentes judiciais, inclusive do STF, que já declararam que determinadas espécies de tributo podem ser objeto de lei ordinária, e não apenas de lei complementar.
O Tribunal Superior do Trabalho, a seu turno, ainda não emitiu parecer ou orientação interpretativa sobre a matéria, mas constituiu comissão especial exclusivamente para analisar a reforma trabalhista, inclusive no que se refere à contribuição sindical.
As decisões que temos até o momento, portanto, têm alcance apenas para as partes envolvidas e não refletem o amadurecimento do debate, sendo muito cedo para se falar em tendência jurisprudencial.
Aliás, o debate é bastante complexo e ultrapassa as questões de lei complementar e natureza de tributo nas quais se baseiam as decisões em questão. Conceitos como liberdade de associação, liberdade sindical, diversas espécies de tributo e suas particularidades, caráter facultativo atual da contribuição e recolhimento direto pelo empregado não foram ainda amadurecidas.
Em contrapartida ao debate sobre a impossibilidade de lei ordinária alterar a contribuição sindical dada a sua natureza de tributo, sustenta-se a flagrante violação à liberdade sindical. Pelo simples fato de integrar determinada categoria, econômica ou profissional, não se pode exigir vinculação ao sindicato e pagamento de contribuição.
A liberdade sindical e a liberdade de associação também são direitos constitucionais, restando o enfrentamento do Supremo Tribunal Federal acerca do aparente conflito.
A Organização Internacional do Trabalho rejeita atribuir ao legislador a instituição de contribuição a ser paga pelos trabalhadores. As contribuições sindicais deveriam decorrer da negociação coletiva entre empregadores e empregados.
O legislador não extinguiu a contribuição sindical, mas apenas lhe deu caráter facultativo. O empregador só poderá proceder ao desconto da contribuição quando prévia e expressamente autorizado pelo trabalhador. Este, evidentemente, só autorizará tal desconto caso o sindicato lhe preste um bom serviço, lhe assessore efetivamente.
A mesma regra vale para a contribuição sindical patronal, ou seja, a empresa poderá optar pelo pagamento da contribuição, caso entenda que o sindicato lhe assessora e lhe ajuda no desenvolvimento de sua atividade empresarial.
Autora: Mayra Palópoli é advogada, pós-graduada em Direito Empresarial pela PUC-SP e especialista em Direito Imobiliário pela FMU.