Autor: Reis Friede (*)
A intervenção federal constitui uma medida democrática, prevista no texto constitucional, direcionada para situações excepcionais, tal como a constatação de um grave comprometimento da ordem pública, exatamente a realidade diagnosticada no estado do Rio de Janeiro, e que demandava a adoção de um instrumento jurídico excepcional, cuja chave para o sucesso encontra-se na cooperação entre as instituições e os Poderes da República. Afinal, sem um amparo jurídico, quer sob a ótica legislativa, quer sob o ponto de vista de uma adequada hermenêutica judicial, não há como enfrentar o extraordinário nível de sofisticação e abrangência que a criminalidade logrou alcançar nos últimos anos e que, a curto e médio prazos, poderá conduzir nosso país — e não somente o Rio de Janeiro — a uma situação de fragmentação social, com a criação de “Estados paralelos” em solo pátrio.
Contra o mal (vale dizer, o crime organizado), que se pretende controlar — posto que eliminá-lo seria uma utopia estatal —, é preciso mais do que militares e policiais armados. Precisamos, ombrear — para usar um termo da caserna — com aqueles que estão arriscando a vida por uma sociedade segura e em paz.
Se às Forças Armadas foi conferida a missão de pôr fim ao grave comprometimento da ordem pública do Rio, devem elas receber os meios (em todos os aspectos legais) necessários para o cumprimento exitoso da tarefa. Não prover aos interventores os meios adequados seria condenar toda a operação ao fracasso. E também seria condenar, sem qualquer possibilidade de manifestação, a sociedade fluminense a suportar o estado de coisas com as quais ela se acostumou a conviver.
Embora o segmento crítico (e talvez desinformado) insista em etiquetar ideologicamente a intervenção, taxando-a, incorretamente, de intervenção militar, cumpre recordar que a iniciativa não partiu dos militares — nem poderia mesmo, tendo em vista o profissionalismo e o completo afastamento das Forças Armadas da cena política. A intervenção federal em questão, ainda que limitada à área da segurança pública do Rio, não somente encontra previsão na Constituição brasileira como também corresponde a um instrumento presente nas mais diversas legislações constitucionais no mundo democrático. As Forças Armadas de hoje demonstram rejeitar qualquer proposta autoritária, seja de esquerda ou de direita, estando conscientes do papel institucional que lhes foi reservado no contexto de um Estado Democrático de Direito.
Não há, no país, outra força estatal a ser constitucionalmente convocada para debelar o “incêndio” que ameaça arrasar o corpo social, capaz até de anular um dos direitos mais básicos dos indivíduos: o direito de ir e vir. Diferentemente de Gotham City, não dispomos de um Batman para salvar o Rio.
Autor: Reis Friede é desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF) e mestre e doutor em Direito.