Autor: Diogenys de Freitas Barboza (*)
Inicialmente, vale destacar que as stock options se caracterizam como planos de incentivos a empregados, administradores ou prestadores de serviço de determinada empresa, baseados em opções para aquisição de ações da própria companhia ou de outra empresa do mesmo grupo em que o profissional trabalha, onde lhe é concedida a opção de compra de ações a um preço prefixado, cujo exercício efetivo será realizado em data futura predeterminada.
No ordenamento jurídico pátrio, foi a Lei 6.404/76, em seu artigo 168, parágrafo 3º[1], que trouxe essa possibilidade de as companhias concederem a determinados sujeitos as referidas opções de aquisição de suas próprias ações.
Quanto à sua estrutura operacional, normalmente os programas de instituição das stock options se iniciam por meio da aprovação dos pré-requisitos necessários para a sua realização pela assembleia geral de acionistas, sendo estabelecidas as peculiaridades mínimas de operacionalização do plano, os requisitos do programa e as características do contrato individual que será assinado pelos eventuais participantes, dentre outros.
Dentre essas peculiaridades, vale destacar a aplicação de pequenos percentuais de descontos concedidos pelas companhias àqueles funcionários que eventualmente vierem a exercer a opção e adquirir determinada quantidade de ações.
Em resumo de finalidade, esses planos buscam precipuamente alinhar os interesses e intenções dos participantes aos dos acionistas, de modo a permitir que os primeiros passem a compartilhar do risco e da sensibilidade necessária para aumentar a concentração negocial e laboral do negócio, pois, se exercerem as opções e consequentemente adquirirem as ações, vão se tornar também acionistas da companhia.
Diante desse cenário de possibilidades, a despeito da natureza jurídica contratual decorrente da outorga das opções e da possível futura aquisição das ações, o Fisco possui o entendimento de que os descontos concedidos aos empregados para a aquisição das stock options implicam em remuneração decorrente do trabalho, de modo que restaria caracterizada, no momento do exercício de compra, a incidência do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física, bem como o seu respectivo fato gerador.
Dito isso, questionamos: o exercício da compra com desconto das stock options seria capaz de corresponder à incidência do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física de modo a caracterizar o seu respectivo fato gerador? A disponibilidade econômica é um fator essencial a se considerar? A cláusula de lock-up se infere positivamente no enquadramento da incidência do referido imposto?
Primeiramente, vale destacar que o Código Tributário Nacional, em seu artigo 43[2], preceitua que o fato gerador do Imposto sobre a Renda é a disponibilidade econômica ou jurídica da renda e dos proventos de qualquer natureza.
Quanto ao significado da disponibilidade econômica e jurídica, muitos doutrinadores já trataram sobre o tema. Dentre eles, podemos citar Rubens Gomes de Souza[3], o qual preceitua que:
“Disponibilidade econômica corresponde a rendimento (ou provento) realizado, isto é, dinheiro em caixa. E disponibilidade jurídica corresponde a rendimento (ou provento) adquirido, isto é, ao qual o beneficiário tem título jurídico que lhe permite obter a respectiva realização em dinheiro (p. ex., os juros ou dividendos creditados). Assim, a disponibilidade econômica inclui a jurídica”.
Sobre esse mesmo conceito, o Supremo Tribunal Federal, em algumas oportunidades, também tratou sobre o tema, dentre elas quando da análise e julgamento da ADI 2.588/DF, sendo específico o assentamento do ministro Nelson Jobim. Vejamos:
“Observo, em primeiro lugar, que os conceitos DISPONIBILIDADE ECONÔMICA e DISPONIBILIDADE JURÍDICA, utilizados pelo direito tributário, tem sentidos distintos quando aplicados às pessoas físicas e às pessoas jurídicas. (1) REGIME DE CAIXA E REGIME DE COMPETÊNCIA. A base de tal distinção – ou diferença – está no regime a que cada uma delas – física ou jurídica – estão submetidas. Para as pessoas físicas impera o REGIME DE CAIXA. Já, para as pessoas jurídicas, o REGIME DE COMPETÊNCIA. No REGIME DE CAIXA, exige-se o registro de receitas e despesas quando efetivamente recebidas ou pagas. Somente quando recebido o valor do crédito ou quando pago o valor do débito tem-se a alteração, para mais ou para menos, no patrimônio da pessoa física. A só existência do direito subjetivo ou da obrigação, exigíveis, não altera, para fins tributários, a situação patrimonial da pessoa física”.
Tendo em vista os entendimentos acima expostos, se pode verificar que a disponibilidade econômica é essencial para que haja a incidência do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (regime de caixa), pois, nos termos do entendimento esposado pela suprema corte, somente quando recebido o valor do crédito ou quando pago o valor do débito é que se teria a alteração, para mais ou para menos, no patrimônio da pessoa física.
Tratando-se das stock options, tendo em vista as características que lhe são inerentes e levando em consideração o entendimento do Supremo Tribunal Federal, podemos verificar que o momento do exercício das opções pelos empregados não teria o condão de caracterizar a incidência do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas, tendo em vista que, nesse momento, não há nenhuma disponibilidade econômica para àqueles que optaram por adquirir as ações.
Não obstante o desconto que é concedido pelas companhias para que os empregados possam adquirir as stock options, é possível verificar que não há nenhuma disponibilidade econômica — acréscimo patrimonial efetivo ao caixa — no momento do exercício das opções pelas respectivas pessoas físicas adeptas.
Portanto, tendo em vista as máximas aqui apresentadas, o efetivo exercício das stock options pelos empregados, isto é, o momento de aquisição das ações, não possui o condão necessário para caracterizar a incidência do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas, pois, conforme visto, não há a efetiva disponibilidade econômica (aumento do caixa) quando os adeptos adquirem as ações.
Por outro lado, no entanto, há comprovadamente um efetivo desembolso de caixa por parte dos empregados adeptos quando optam por adquirir as ações. Vale destacar que os participantes, primariamente, analisarão se o negócio em si é vantajoso; e, nesse momento, em caso de positividade subjetiva, terão que sacrificar seu patrimônio para exercer a opção e, consequentemente, adquirir onerosamente a participação societária na companhia. Logo, conforme se percebe, não há auferimento de renda, mas, sim, um desembolso de caixa.
Nesse mesmo contexto, ainda vale mencionar os efeitos que emanam da existência da cláusula de lock-up no contrato firmado pela companhia e pelo empregado participante da aquisição das ações.
Estando presente a referida cláusula, ainda que feita a opção pela compra das ações, o participante não assume a total disposição dos títulos, de maneira que fica totalmente impossibilitado de transferir, ceder ou alienar esse direito por um determinado período de tempo. Ainda que num primeiro momento possa aparentar que o participante tenha percebido um ganho efetivo, esse pode simplesmente desaparecer quando há a implementação dessa condição temporal suspensiva, qual seja: a cláusula de lock-up.
A análise dessa cláusula torna-se de suma importância tendo em vista que a sua presença no contrato de aquisição das stock options possui o condão de postergar, por uma determinada parcela de tempo, a disponibilidade efetiva e a consequente caracterização da propriedade das ações que foram adquiridas em período pretérito.
Tomando por base o raciocínio explanado acima quanto à disponibilidade econômica, seria possível verificar que a ausência da cláusula de lock-up no contrato que medeia a relação de aquisição entre os participantes e a companhia teria como efeito a imediata disposição das ações por parte dos participantes. Isto é, estes últimos estariam habilitados a transferir, ceder ou alienar esse direito a outrem, conforme seu juízo de conveniência.
De modo que, diante da disponibilidade imediata, se os participantes optarem por alienar as ações, nesse momento, em havendo o aumento do valor das ações e consequentemente sendo o valor da venda superior ao valor da aquisição, é que haveria um ganho efetivo por parte dos empregados adeptos, de modo que estaria presente a disponibilidade econômica necessária para caracterizar o aumento do caixa.
Por outro lado, a existência da cláusula de lock-up no contrato que viabiliza a aquisição das stock options (na grande maioria dos casos, senão todos) possui como efeito e finalidade, dentre as suas características, a postergação para o futuro da disposição integral das ações. Como consequência, o ganho financeiro dos participantes resultaria da valorização do valor das ações da companhia no momento da alienação, que ocorreria muito tempo após a outorga da opção de compra, o que atrairia a tributação do ganho de capital.
Dito isso, pode-se perceber que o conteúdo e a existência da referida cláusula no contrato de aquisição das ações apenas corrobora a ausência de disponibilidade econômica para os participantes quando estes as adquire onerosamente, de modo que verificamos indubitavelmente a ausência de espaço para a incidência de Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas quando do exercício referente à aquisição das stock options pelos empregados adeptos.
Ao revés, conforme visto, haveria a possibilidade de uma tributação quando da alienação das ações, isto é, do efetivo ganho de capital.
Fixadas essas premissas, vale destacar que, em recente decisão proferida em 9/10/2017, emanada da 25ª Vara Cível Federal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, subseção da capital, assim restou decidido:
“Assim, tenho por plausível a alegação do impetrante no sentido de que o “stock options” possui natureza mercantil. Sendo assim, ao lucro proveniente do exercício de stock options deve ser conferido tratamento jurídico correspondente a ganho de capital e não como rendimento de trabalho remunerado. Por esses fundamentos, tenho como presentes os requisitos para a concessão da liminar. Isso posto, DEFIRO A LIMINAR para determinar à Autoridade Coatora que se abstenha de exigir do Impetrante o imposto de renda sobre supostos rendimentos do trabalho em razão dos ganhos eventualmente experimentados em função do exercício das opções de compra de ações no contexto do Plano de Outorga de Opções de Compra de Ações instituído pela Qualicorp S/A em 3.3.2011”.
Logo, diante dos elementos formais apresentados, é possível opinar no sentido de que os tribunais superiores terão margem para fixar seus entendimentos pela não incidência de Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas quando da efetivação do exercício referente à aquisição das stock options com descontos por parte dos empregados adeptos, pois, nesse momento, não há disponibilidade econômica de renda; nem a possibilidade de efetiva disposição integral das ações adquiridas; e nenhum rendimento possível que se possa advir do trabalho e possibilitar a sua incidência.
Autor: Diogenys de Freitas Barboza é advogado tributarista no escritório Correa Porto Sociedade de Advogados, estudante do Master of Laws (LL.M.) em Direito Tributário do Insper e membro efetivo da Comissão do Jovem Advogado da 104ª Subseção da OAB-SP.