TJ/MT reconhece multiparentalidade em caso de dupla paternidade

A Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso acolheu parcialmente os argumentos contidos numa Apelação Cível e determinou a inclusão do nome do pai biológico no registro civil de uma menor de Mirassol D’Oeste (300 km de Cuiabá), mantendo o nome do pai socioafetivo, que criou a menina desde o nascimento. Com a decisão, o registro contará com o nome dos dois pais no assento de nascimento. Apenas o sobrenome da menor foi mantido inalterado.

Segundo a relatora do caso, desembargadora Nilza Maria Pôssas de Carvalho, é cediço que o entendimento doutrinário e jurisprudencial moderno, no que tocante ao direito de família, vem reconhecendo a prevalência da filiação socioafetiva em detrimento de vínculos puramente biológicos, desde que aquela (filiação socioafetiva) esteja suficientemente comprovada nos autos, principalmente buscando proteger o interesse do menor que se encontre nessa situação, “já que pai de verdade é quem prestou ao filho todo o amparo, carinho, amor e proteção, educando e preparando-o para a vida”, observou.

O recuso de apelação cível foi interposto pela menor Carolina*, representada pela mãe Lúcia*, contra sentença que, nos autos de uma ação de investigação de paternidade, julgara improcedente a pretensão inicial, com resolução de mérito, mantendo inalterado o registro, permanecendo como genitor o pai socioafetivo, Mauro*.

No recurso, a parte recorrente sustentou que, embora o “pai registral” tenha convivido com a menor e essa o reconheça como figura paterna, pois estabeleceram vínculo de afetividade, não se pode negar o direito de a criança ter no registro civil a paternidade biológica, já que conhecida e incontestável, diante do exame de DNA anexado aos autos, sendo possível, inclusive, o reconhecimento da dupla paternidade.

Foi pleiteado o provimento do recurso para reformar a sentença no sentido de acolher a pretensão inicial, que é a retificação do registro civil da menor para declarar que Davi* é o pai biológico, com a inclusão no registro civil da menor, e exclusão por definitivo do nome de Mauro do respectivo registro.

Nas contrarrazões, Mauro pugnou pela ratificação da sentença proferida em Primeira Instância e Davi, devidamente intimado, não apresentou contrarrazões.

Consta dos autos que Lúcia e Davi são os pais biológicos da menor, fruto de um relacionamento que tiveram pelo período de um ano e seis meses. Contudo, posteriormente, se separaram e Lúcia, que já estava grávida, começou um novo relacionamento com Mauro, vindo esse a registrar a menor como pai biológico.

No voto, a relatora do recurso, desembargadora Nilza Maria Pôssas de Carvalho, salientou ser incontroverso que Davi é o pai biológico da menor, conforme o exame de DNA realizado. Por outro lado, destacou também ser incontroverso que Mauro é pai socioafetivo da criança.

Em juízo, Carolina disse chamar e reconhecer, “no fundo do seu coração”, Mauro como pai e que se tivesse que escolher apenas um deles como pai seria o socioafetivo. Corroborando com a declaração da menor, o próprio requerido Mauro, quando ouvido em Juízo, informou que a menina sempre será filha, mesmo que o registro de nascimento fosse alterado. Explicou que convive com ela desde o nascimento, como se fosse filha, que a criou e que jamais fez diferença entre ela e as filhas biológicas.

A relatora salientou ainda que na oitiva da genitora também restou esclarecido que o desejo dela é que o pai biológico conste no registro da menor por questões financeiras e também afetivas, pois, embora o pai biológico more próximo, quase nunca convive com a menor. O pai biológico, por sua vez, respondeu que ama a filha, todavia, a esposa não aceita a menor, visto que foi fruto de um relacionamento extraconjugal.

“Verifica-se não ser sem motivo que a Carta da República prega a obrigação de preservar-se a dignidade humana, não convindo, por isso mesmo, desfazer, assim tão simplesmente, a relação envolvendo pais e filhos, independentemente do laço parental biológico, pois a relação parental, mesmo a não-biológica, é fator essencial ao desenvolvimento da criança. Assim, no caso, é indene de dúvidas, que entre a menor e o pai registral, existiu, desde o nascimento, uma relação paterno-filial, sendo possível afirmar que esta espécie de filiação advém de sentimento cultivado pela convivência”, explicou.

Por outro lado, a desembargadora Nilza Maria de Carvalho salientou que a paternidade biológica da menor evidencia-se presumivelmente demonstrada, tanto pela oitiva das partes, quanto pelo resultado do DNA. “Reconhecida a multiparentalidade, possível se torna que esse reconhecimento seja levado ao registro civil”, avaliou.

A magistrada ressaltou ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário 898.060, fixou tese com Repercussão Geral no sentido de que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.” (Tese 622).

*nomes fictícios. O processo tramita em segredo de Justiça.


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