Carlos Miguel Castex Aidar
Neste momento, que acompanhamos o julgamento do cel. Ubiratan Guimarães – acusado de comandar o massacre do Carandiru, onde 111 presos perderam a vida – esta reflexão sobre os direitos humanos ganha mais sentido. Afinal, estamos diante de um caso de violência sem precedente na história do sistema carcerário mundial, mas também estamos diante da possibilidade de punição dos responsáveis. Na década de 80, o nosso foco sobre os Direitos Humanos recaia sobre a democratização em curso do país e as transformações que trariam mudanças nas relações entre sociedade e Estado. O País queria ver modificadas as marcas do autoritarismo, o fim da tortura, das prisões ilegais e uma alteração radical nos métodos autoritários e violentos, que sempre geraram mais violência. Observávamos, nessa época, que os governos autoritários instrumentalizavam a polícia para a defesa dos seus interesses e não para a proteção dos cidadãos. Nessa época, a OAB se colocou na vanguarda da luta pelos Direitos Humanos. Teve de enfrentar, além do autoritarismo e da truculência, a retórica reacionária de que sua luta estava voltada apenas para a defesa dos direitos dos “bandidos”. Quando, na verdade, todos sabemos que dos dois lados há apenas vítimas da mesma violência. Na década de 90, continuamos repensando o modelo político e econômico do país, com reflexos nas relações institucionais judiciárias e policiais, porque os Direitos Humanos só podem vigorar onde haja uma correlação de forças equivalentes entre a sociedade e o Estado. Ainda somos uma sociedade de despossuídos, de excluídos, onde milhões vivem abaixo da linha da pobreza, sem direito à educação, saúde, habitação, trabalho. Na década de 90, tivemos importantes conferências promovidas pela ONU com reflexos sobre os Direitos Humanos. A conferência do Rio, em 1992, sobre meio ambiente; a Conferência de Viena, em 1993, sobre direitos humanos; a conferência do Cairo, em 1994, sobre problemas demográficos; de Pequim, em 1995, sobre a mulher e a de Istambul, em 1996, sobre habitat. Elas trouxeram abrangência aos Direitos Humanos, além da explicitada pela Declaração de 1948. Compuseram os Direitos Humanos de Segunda geração, que incluem os direitos econômico-sociais e culturais. Todos, portanto, passam a usufruir das riquezas universalmente produzidas. De 80 ao ano 2001, vimos a repetição de violações dos Direitos Humanos, denunciadas pela OAB e por outras entidades de defesa dos Direitos Humanos. Ainda temos Febem, ainda temos superlotações e tratamento desumano nas penitenciárias e Distritos Policiais, instâncias de retaliações aos condenados da Justiça. Ainda temos violência, torturas e chacinas, toleradas por uns, ignoradas por outros, e um acesso limitado das camadas mais pobres à Justiça. Ou seja, não conseguimos zelar devidamente pelas prerrogativas da cidadania. Ainda, temos, infelizmente, muita impunidade. O secretario-geral da ONU, Kofi Annan, eleito para mais um mandato, fez recentemente uma colocação inquietante, envolvendo a polêmica sobre quebra de patentes para fabricação de remédios contra a Aids, mais baratos, no Terceiro Mundo. A pergunta dele foi a seguinte: Como podemos explicar para as novas gerações que conseguimos hoje proteger mais perfeitamente os direitos de propriedade intelectual do que os direitos humanos fundamentais? Esta pergunta nos remete a outra: Estamos diante da volta do direito dos vencedores, que conhecemos ao longo da história humana? Se não fomos condescendentes com os crimes de lesa humanidade e de guerra, como os denunciados no Tribunal de Nuremberg, não podemos ser condescendentes com qualquer novo tipo de violação aos direitos humanos. Ao nos reunirmos hoje, aqui, para discutirmos os Direitos Humanos no século XXI, estamos dando um passo importantíssimo no sentido de nos prepararmos para coibirmos, no futuro , que violências como o Massacre da Casa de Detenção , da Candelária e do Eldorado dos Carajás ocorram novamente. E que a luta pela preservação dos Direitos Humanos não se restrinja, nesta contemporaneidade, apenas ao ser humano, mais à sociedade como um todo e ao próprio ecossistema.
DISCURSO PROFERIDO NA ABERTURA DO ENCONTRO ESTADUAL DE DIREITOS HUMANOS 28 DE JUNHO DE 2001 SALÃO NOBRE DA FACULDADE DE DIREITO DA USP