Alex Sandro Ribeiro
Advogado em São Paulo
Pós-Graduando em Direito Civil no UniFMU
Quem milita nas lides forenses em matérias versando essencialmente sobre Direito do Consumidor, volta e meia depara-se com as mais esdrúxulas afrontas a comezinhas regras desse monumental microssistema. As ilegalidades e abusividades são as mais diversas, sempre tendo alguém para inventar algo que possa, de algum modo, burlar a frágil estrutura negocial do consumidor que, em sua maioria absoluta, é composto de pessoas de baixa renda e tirocínio comercial.
Já há algum tempo, a novel abusivididade atinge, por mais das vezes, a jovial camada de consumidores que freqüentam as casas e os restaurantes noturnos. Trata-se da por muito conhecida “cobrança mínima”. Além dos estabelecimentos comerciais freqüentemente não comunicarem, previamente, o consumidor sobre a cobrança de serviços extras, outros tantos infringem o Código de Defesa do Consumidor e cobram taxas ilegais.
Segue a mesma linha de raciocínio a cobrança, muitas vezes exagerada, pela perda do cartão de consumação. Ante a transferência da responsabilidade pelo controle de consumo (que, originariamente, é do estabelecimento comercial), tem o consumidor sido compelido a pagar valores previamente fixados pelos fornecedores, em patamares deveras elevados. Às claras, o consumidor não pode ser obrigado a pagar o montante exigido pela casa nos casos de perda do cartão.
Por primeiro, cumpre observar que, o artigo 39 do Código de Defesa e Proteção do Consumidor, explicita claramente que é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, condicionar o fornecimento de um produto ou de serviço ao de outro, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos (inciso I, in fine).
A primeira parte desse dispositivo proíbe a chamada “venda casada”, sob o manto da qual repousa, inexoravelmente, a limitação do fornecimento do produto através da consumação mínima. A prática, portanto, redunda em prática totalmente ilícita e abusiva, nos exatos termos do artigo 39 (inciso I, primeira parte). Nenhum fornecedor pode condicionar a venda de um produto à aquisição de outro; no caso fluente, nenhum estabelecimento comercial pode condicionar a entrada de um consumidor em seu recinto ao pagamento de certa quantia mínima, determinando-lhe previamente quanto tem de gastar. O que se permite é a cobrança fixa de ingresso de entrada, ou qualquer valor sob rubrica semelhante.
Afora a abusividade da limitação do fornecimento do produto, tisnando-a de ilegal pela venda casada, a parte final do inciso I do artigo 39, de per si, veda a imposição de limites ao consumo do cliente. Não se pode condicionar a compra a mais nem a menos, sob pena de afronta a liberdade de contratação e a autonomia da vontade. O cliente, neste tocante, tem direito de consumidor apenas alguma ínfima parcela dos produtos vendidos pelo fornecedor, e, em conseqüência, de pagar só aquilo que consumir. Se a consumação mínima for apresentada para pagamento, incluída na nota de débito, o consumidor tem todo o direito de se recusar ao pagamento.
Prevendo, desde já, que esta recusa ao pagamento pode resultar em imensuráveis transtornos, então que o consumidor requeira nota fiscal especificando o que foi cobrado a título de consumação mínima no documento. Ao depois, munido da prova do pagamento indevido, que se valha o consumidor da ação objetivando o reembolso do que fora coagido a pagar indevidamente, em dobro.
Outro aspecto também merece especial relevo: a consumação mínima fomenta o enriquecimento ilícito do estabelecimento comercial, por permitir-lhe promover a cobrança de produto ou um serviço não consumido pelo cliente. Se o consumidor, simplesmente entra no estabelecimento, conversa com amigos, e coloca-se em retirada, nada ingerindo, ainda assim tem de pagar a “consumação mínima”! Não há qualquer contraprestação, apenas uma das partes está sofrendo desfalque patrimonial: o consumidor. O fornecedor nada vende, nada fornece, mas ainda assim está sendo remunerado. Absurda a proposição!
Logo, mesmo sem navegar profundamente pelas veredas protecionistas do Código de Defesa do Consumidor, facilmente se conclui a impossibilidade jurídica dos estabelecimentos comerciais continuarem promovendo a cobrança da malfadada “consumação mínima”, posto abusiva e de nenhum efeito. Eventual montante pago pelo consumidor a tal título, outorga-lhe o direito à repetição em dobro do que desembolsou, corrigido monetariamente e acrescido dos juros legais.