Recentemente a Secretaria de Direito Econômico (SDE), juntamente com a Advocacia-Geral da União (AGU) e munida de autorização judicial, fez busca e apreensão de documentos em um sindicato patronal, com o objetivo de obter provas da prática de ação concertada (conhecida como cartel) contrária à livre concorrência.
As atividades ilegais são as de “fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços” ou “obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes”, com a finalidade de “limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa” (arts. 20, inciso I, e 21, incisos I e II, da Lei nº 8.884/94).
O procedimento de busca e apreensão, já comum nos Estados Unidos e na União Européia, foi instituído no Brasil pela Lei nº 10.149/2000, que acrescentou à Lei nº 8.884/94 o art. 35-A: “A Advocacia-Geral da União, por solicitação da SDE, poderá requerer ao Poder Judiciário mandado de busca e apreensão de objetos, papéis de qualquer natureza, assim como de livros comerciais, computadores e arquivos magnéticos de empresa ou pessoa física, no interesse da instrução do procedimento, das averiguações preliminares ou do processo administrativo (…)”.
O que se pretende aqui é verificar qual pode e deve ser, dentro dos limites éticos e legais, o comportamento dos dirigentes e funcionários de uma entidade ou empresa sujeita a tal busca e apreensão, normalmente pegos de surpresa. Vale notar, ainda, que tais ações podem ser praticadas também com relação a pessoas físicas, por expressa disposição legal.
Alguns conselhos podem parecer óbvios mas a experiência alienígena demonstrou que nunca é demais lembrá-los. O primeiro deles é o de manter a calma, lembrando que as autoridades estão lá no exercício de uma função, bastando apenas conferir o mandado judicial que, quando concedido, permite até o uso de força policial. É preciso ter em mente que a prática de cartel é ilegal e que as autoridades estão lá para fazer uma investigação, dentro do pressuposto de que uma investigação não resulta necessariamente em condenação, sendo sempre garantido o direito de defesa.
O segundo conselho implica parcialmente em uma preparação prévia, pois consiste em obter ajuda legal, sendo que os advogados internos da entidade ou empresa devem saber identificar não só o problema como também que tipo de ajuda externa precisam (se é que precisam). A atividade dos advogados deve inclusive ajudar na delimitação do objeto da investigação e na identificação dos documentos que devem ser oferecidos, excluindo o que não faz parte do objeto da investigação, sempre dentro dos limites da ordem judicial. Isto é particularmente importante em se tratando de empresas que têm várias atividades, sendo que a investigação normalmente diz respeito a um mercado específico.
O terceiro conselho é o de, por mais difícil que isto seja, cooperar com as autoridades, dentro dos limites exatos da ordem judicial, fornecendo os documentos solicitados. É preciso ter em mente que muitos destes documentos serão, mais cedo ou mais tarde, encontrados. Além disso, o comportamento cooperativo demonstra boa-fé e pode permitir o tempo necessário para a obtenção do auxílio jurídico.
O quarto conselho pode exigir algum tipo de diálogo, para o qual a cooperação, anteriormente citada, é fundamental. Embora a lei seja lacônica, falando apenas em busca e apreensão, essa investigação, por mais fundamentada que esteja, não pode implicar em descontinuidade das atividades da entidade ou empresa. Assim, os documentos, inclusive aqueles contidos em meio eletrônicos, devem ser copiados (sem prejuízo da atuação da autoridade, dentro dos limites do mandado judicial), de tal forma que a entidade ou empresa não fique sem a sua base de atuação. Imagine-se, a título de exemplo, a apreensão de uma agenda ou dos arquivos que identificam os débitos e créditos. É preciso lembrar que aí existe apenas uma investigação e que mesmo uma eventual condenação não pode impedir a continuidade das atividades da entidade ou empresa. É óbvio que a cooperação consiste em fornecer e/ou permitir quantas cópias forem solicitadas.
O quinto conselho é um desdobramento do anterior, pois consiste no direito – inserido no direito geral à ampla defesa – que a entidade ou empresa tem de guardar um conjunto de cópias exatamente igual ao que as autoridades levam em decorrência da busca e apreensão. A entidade ou empresa precisa saber exatamente o que as autoridades têm contra ela, já que este é o primeiro passo que ela pode tomar para a sua defesa.
O sexto e último conselho pode aparentemente implicar em um conflito com o conselho de cooperação, acima referido. Trata-se do direito ao silêncio, pois sendo o cartel também um crime, existe o direito de evitar a auto-incriminação. É claro que o direito ao silêncio coexiste com o dever de cooperar, manifestado pela abertura dos documentos e arquivos, sempre nos estritos termos da ordem judicial.
O conselho mais importante — e que só não é o primeiro porque este artigo parte do pressuposto da existência de uma busca e apreensão — é o de não apenas não incidir na prática cartelizadora como também o de manter um programa de ajuste à lei (compliance program) de tal forma que a entidade ou empresa e seus funcionários tenham recebido a mais ampla informação sobre a ilegalidade do cartel e as formas de sua identificação.
Por fim, é preciso saber que existe o direito à ampla defesa — não apenas quanto ao fato mas também quanto à dosimetria da punição —e que uma eventual condenação não implica no fechamento da empresa.
Mauro Grinberg é ex-conselheiro do Cade e advogado, sócio de Araújo e Policastro Advogados.