A associação entre Fisco, Judiciário e bancos no Brasil

Raul Haidar*

Várias empresas sérias e pessoas físicas corretas estão sendo vítimas de bandidos. E para isso a ação criminosa de quadrilhas de falsários e ladrões vem sendo favorecida por uma série de mecanismos viabilizada pela incrível combinação entre a ineficácia do Fisco, a omissão do Judiciário, o descaso dos Bancos, a inércia dos Cartórios e a ganância e soberba de empresas que se dizem controladoras do crédito!

Há muitas histórias desses descalabros. Um empresário paulista, estabelecido na Capital, recentemente, descobriu que está “negativado” na “Serasa” por causa de um protesto feito no Cartório de Osasco, de um cheque objeto de roubo em 1997, ou seja, há mais de cinco anos! Outro empresário, carioca, teve um cheque grosseiramente falsificado protestado em Guarulhos, onde nunca esteve!

O primeiro cheque foi apresentado ao Cartório de Osasco, em maio de 2003, depois de ter sido devolvido em 1997 pelo Banco, sob a rubrica 29, que indica que se trata de cheque extraviado ou furtado. No caso de Guarulhos, o banco informou a rubrica 35, caso de cheque fraudado, mas mesmo assim o protesto foi feito, com endereço falso do empresário, que nem sabe onde fica Guarulhos!

Mas a Corregedoria da Justiça sustenta que o Cartório é obrigado a aceitar o cheque para protesto, pois não pode o serventuário questionar prescrição, caducidade ou legalidade do título!

Como neste Estado, de tempos para cá, alguém teve a “brilhante” idéia de não se exigir mais do portador do título a antecipação das custas, as empresas de “cobrança” , algumas verdadeiros antros de marginais, encaminham para Cartórios paulistas cheques roubados, furtados ou falsificados no País inteiro. Essa idéia “genial” parece que surgiu na Corregedoria da Justiça!

E essas tais empresas de cobrança, de posse de cheques de origem criminosa, simplesmente inventam um endereço falso para a vítima, o emitente do cheque, como se elas estivessem em Guarulhos, Osasco ou São Paulo, pois, segundo as normas legais em vigor, o cheque pode ser protestado na praça da emissão ou no “domicílio” do emitente. Este, a vítima, não é avisada do protesto, pelo simples fato de que o endereço é falso. Não tem como fazer a sua sustação judicial.

Os Bancos não fornecem o endereço do emitente, alegando sigilo e segurança. Assim, os criminosos ganham um bom aliado. Pois o objetivo é , pura e simplesmente, protestar o cheque, com o que, automaticamente, a vítima passa a figurar nos registros da Serasa, do SCPC, da SCI, da Equifax e do raio que o parta, pois enquanto estou aqui escrevendo deve ter algum “empresário” por aí pensando em montar mais uma organização desse tipo…

Ora, com seu nome apontado como “inadimplente”, a vítima tem seu cheque especial cancelado, não pode comprar a prazo, não pode alugar um imóvel, etc., etc., enfim, é um pária social, pelo simples fato de que foi um dia roubado e continua sendo vítima dos bandidos mesmo anos após o crime…

Outra situação parecida é a de quadrilhas organizadas que falsificam cheques, ou fazem compras em nome de empresas sérias e desviam as mercadorias, fazendo com que o CNPJ da empresa séria seja “manchado” por um protesto feito em Osasco, Guarulhos ou São Paulo.

Já o Fisco, quando descobre que alguém perdeu ou teve furtado o seu CPF e que este foi usado para abrir uma “arapuca” em Foz do Iguaçu , Santos, ou Vitória, aberta apenas para vender notas frias, o que faz? Apenas cancela o CPF da vítima e diz que nada pode fazer para fiscalizar a empresa fantasma! A vítima que contrate advogados, que vá a Foz do Iguaçu mesmo que não tenha dinheiro para voltar a Itaquera, enfim, a vítima que se lixe!

Todas essas questões poderiam ser resolvidas de outra forma. Prender todos os bandidos, a polícia não consegue e nem há tantas prisões assim.

O primeiro passo seria REVOGAR essa maluca resolução que viabiliza protesto sem custas para o portador.

O segundo, seria mais radical: acabar, pura e simplesmente, com os Cartórios de Protesto, que não servem para nada, a não ser para manchar a reputação das pessoas. Afinal, se um título líquido e certo pode ser executado judicialmente mesmo sem estar protestado, bastaria que o credor comprovasse a remessa de carta com A.R. para o devedor, assim o constituindo em mora. Ou mesmo nem isso: entra logo com a ação judicial de cobrança ou de execução.

Enquanto o Fisco cancela o CPF sem o devido processo legal, os Bancos não respeitam os direitos de seus clientes, o Judiciário viabiliza protestos sem pagamento de custas, os Cartórios protestam sem os devidos cuidados e a Serasa não tem meios de intimar os “negativados” antes dos seus registros, essa bagunça vai continuar… E assim, de uma forma ou outra, estão conseguindo A LEGALIZAÇÃO DA PICARETAGEM…

Raul Haidar é advogado e jornalista em S.Paulo

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