A demonstração de força do crime organizado contra o Estado brasileiro que temos visto nos últimos dias, deixando um clima de insegurança generalizada em vários Estados da Federação, incluindo o nosso Mato Grosso do Sul, é uma consequência do descaso das autoridades com a não implantação de políticas públicas sérias nos últimos anos; e, certamente, não estamos nos referindo tão-somente à segurança pública; mas sim, a não implantação a médio e longo prazo de políticas sociais sérias, que vão desde a educação, saúde, saneamento básico, passando pela reforma trabalhista e indo até reforma do sistema penal brasileiro, entre outras.
Embora algumas políticas sociais tenham nos últimos anos contribuído para diminuir no País a desigualdade social, como é o caso do bolsa escala, bolsa alimentação, auxílio gás, cestas básicas, etc…, não podemos nos esquecer de que todas essas políticas tratam do problema social de forma puramente imediatista. Obviamente que não estamos a dizer que tais políticas não são necessárias, levando-se em conta as necessidades básicas do povo brasileiro.
A questão de fundo, a que nos parece, é proporcionar ao povo brasileiro que a diminuição da desigualdade social e, via de consequência, uma melhoria na qualidade de vida do cidadão brasileiro, nos termos expressos do princípio da dignidade da pessoa humana previsto no art. 5º da nossa Constituição, deve passar obrigatoriamente pela auto-sustentabilidade de cada cidadão e não por uma dependência “quase escrava” do cidadão perante o Estado.
Essa auto-sustentabilidade para uma melhor qualidade de vida do cidadão brasileiro, certamente passa por proporcionar ao cidadão acesso a educação, principalmente educação profissionalizante de qualidade (da qual segundo relatório da ONU, existe um déficit enorme), condições básicas de saúde, moradia, saneamento básico, desburocratizar o acesso ao trabalho legal, ou seja, ao emprego com registro em carteira, através de uma reforma trabalhista, entre outras medidas.
Obviamente que tais medidas não têm matiz político-eleitoral, de cunho populista, haja vista, que são políticas implantadas a médio e longo prazos que tendem a surtir seus efeitos ao longo de uma ou duas décadas ou até mesmo em três, sendo indiscutível que as políticas públicas das bolsas de auxílios e a distribuição de cestas básicas a população mais carente têm um apelo populista imediato.
Por outro lado, é inquestionável que essas políticas públicas possuem a capacidade de romper a médio e longo prazo o cordão umbilical existente entre o povo e o Estado, principalmente, quando o Estado proporciona e viabiliza instrumentos que permitam a auto-sustentabilidade da qualidade de vida do cidadão sem depender de si.
A construção de políticas sociais de médio e longo prazo obrigatoriamente passa por um pacto social a ser estabelecido entre todos os atores do cenário político nacional, envolvendo aqui tanto os partidos políticos e seus membros, quanto a sociedade civil.
Ao voltarmos os olhos para o caso espanhol, por exemplo e, por que não, para o caso português, podemos observar que tanto Espanha quanto Portugal, após a Revolução Espanhola em meados dos anos 70 que culminou na queda do Franquismo e a Revolução dos Cravos ocorrida em Portugal em 1974 que culminou na queda do regime Salazarista, respectivamente, implantaram políticas públicas sociais sérias, através de um pacto social, tendentes a erradicar o analfabetismo, a pobreza e tornar os Países auto-sustentáveis e competitivos internacionalmente, restando indiscutível que em pouco mais de 20 anos, os objetivos foram conquistados. Vejamos os investimentos desses países no Brasil.
O descaso que as autoridades públicas vêm demonstrando com o Brasil nos últimos anos tem surtido efeitos devastadores. Embora se tente maquiar a crise institucional que o País atravessa com um certo progresso econômico conquistado nos últimos anos, não podemos nos esquecer que nos últimos 10 meses, a crise institucional vem se agravando, a ponto de se tornar extremamente perigosa aos objetivos do Estado Democrático de Direito. A corrupção institucionalizada na cúpula do Governo Federal e seus agentes, no Congresso Nacional com o escândalos do Caixa dois das campanhas, e agora mais recentemente do superfaturamento de ambulâncias, que a princípio envolve cerca de 1/3 dos membros do Congresso Nacional, demonstram claramente o comprometimento institucional dos órgãos de direção política do Estado Brasileiro, agravado pelo clima de impunidade perceptível por toda a sociedade civil. Lembremo-nos aqui que em 1992, o então presidente Fernando Collor de Mello sofreu processo de impedimento (impeachment), tendo seus direitos políticos cassados por 8 anos, por fatos muito menos graves, do que aqueles que vêm sendo atribuídos atualmente ao Governo Federal.
Por outro lado, a incapacidade de uma resposta rápida e eficiente do Estado frente a demonstração de força praticada pelo crime organizado no Brasil, demonstra claramente que estamos à beira de um abismo. A crise institucional pela qual o País atravessa deve ser sanada imediatamente. Os últimos acontecimentos, tanto a plano político quanto social, devem servir para que sejam reorganizadas e reestruturadas determinadas instituições e Poderes do Estado, bem como revistas certas legislações já ultrapassadas. O momento é de reflexão; é de repensar o Estado brasileiro e seu papel social.
OMAR KADRI, Advogado em MS