A Cláusula Mandato, O Ato Cooperativo e a Súmula 60-STJ

Helder Martinez Dal Col

Advogado. Especialista em Administração Universitária pela UEM. Professor de Direito Administrativo na FECILCAM. Pós-graduando em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas.

* Artigo publicado na RT 671/135

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. A Súmula 60-STJ e o instituto do mandato – 3. Do tratamento jurisprudencial dado à cláusula mandado – 4. Do artigo 115 do Código Civil Brasileiro – 5. O Ato cooperativo – 6. Conclusão – 7. Referências bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

Após a edição da Súmula 60, do Superior Tribunal de Justiça, muitos de nossos juízos de primeira e segunda instância, que outrora não visualizavam qualquer restrição à utilização da cláusula mandato (verdadeiro instrumento procuratório inserido no bojo do contrato), passaram a repelir tal disposição e reputá-la ofensiva ao ordenamento jurídico, mesmo em situações onde os litigantes não detinham qualquer das características elencadas na hipótese sumulada.

Em sua gênese, a Súmula 60-STJ originou-se de reiterados julgamentos de litígios envolvendo instituições de crédito e mutuários, onde previa-se em cláusula instrumentária, poderes genéricos e inespecíficos para que terceira personalidade jurídica, integrante do mesmo grupo econômico do mutuante, assumisse obrigações e emitisse títulos de crédito em nome do mutuário, em seu exclusivo arbítrio e interesse (dela, a instituição mutuante). Eis o seu enunciado:

Súmula 60 – STJ: “É nula a cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste”.

Como substrato desse entendimento sumulado, estava a limitação ou total restrição da liberdade de contratar – já que certas obrigações eram assumidas em nome do mutuário, pelo próprio procurador (do mutuário, mas ligado ao mutuante) -, bem como a decorrente sujeição da parte mutuária ao arbítrio da mutuante, amoldando-se por subsunção à hipótese da segunda parte do artigo 115 do Código Civil Brasileiro.

Do que se observa na jurisprudência, quando da aplicação da Súmula 60-STJ, sobressai o entendimento de que a relação contratual havida entre as partes colocou uma delas ao arbítrio da outra, quando permitiu que a parte credora se valesse do instrumento de mandato contido na cláusula para assumir obrigações, ditar procedimentos e ao final emitir cambial representativa da obrigação unilateralmente apurada, sem a participação do próprio devedor.

É o que se observa do julgado da 4a. Turma do STJ, coletado junto ao periódico Juris Síntese, verbete 200358: DIREITO CAMBIAL – MANDATO PARA EMISSÃO DE NOTA PROMISSÓRIA – INVALIDADE – É nula, a teor do artigo 115 do Código Civil, a cláusula contratual de outorga de mandato, pelo mutuário, a pessoa jurídica integrante do grupo econômico do mutuante, a fim de emitir ou avalizar nota promissória em favor do mesmo mutuante, por ser defesa a sujeição de uma das partes ao arbítrio da outra. A hipótese traduz um artifício para constituição, pelo próprio credor, de título executivo, fixando-lhe o valor e o momento da exigibilidade. Nulidade, em decorrência, da nota promissória emitida pela mandatária. (STJ – REsp 13.421 – RS – 4ª T. – Rel. Min. Athos Carneiro – DJU 08.06.1992) .

Ocorre que a adoção dessa Súmula pelo Poder Judiciário, que deveria ficar adstrita às hipóteses em que a sujeição de uma parte ao arbítrio da outra fosse patente e constatada na instrução processual, ou seja, em consonância com a prova dos autos, passou a dar-se de forma generalizada, em alguns casos, até, sem critérios bem definidos, o que constitui verdadeira ameaça à segurança jurídica.

Abrimos aqui um parêntese para analisar o instituto do mandato e as formas de emissão das cambiais.

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2. A SÚMULA 60-STJ E O INSTITUTO DO MANDATO

Em certos julgamentos, cujas ementas grassam publicadas nos mais variados informativos, vislumbra-se que o critério para a aplicação da Súmula 60-STJ passou a ser não mais a verificação dos requisitos de ofensa ao artigo 115 do Código Civil, mas a pura e simples constatação da existência de cambial emitida por mandatário, o que não nos parece estar em consonância com os ditames daquela Súmula e nem com nossa legislação.

Vejamos, a propósito, o acórdão de lavra da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Paraná, em processo executivo proposto por Cooperativa contra associado (logo, figuras diferentes das de mutuário e mutuante):

“EMBARGOS À EXECUÇÃO – NOTA PROMISSÓRIA – AVAL PRESTADO MEDIANTE CLÁUSULA MANDATO – NULIDADE DECRETADA – RECURSO IMPROVIDO.
Se a execução escora-se em um único título, ou seja, uma nota promissória avalizada por pessoas pertencentes à Diretoria da Cooperativa credora, demonstra-se correta a decisão que declara a nulidade da cambial, pois ‘É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste.’ (Súmula n° 60, do Superior Tribunal de Justiça).”

Parece-nos equivocada a decisão supra. Ocorre que uma cooperativa não é instituição financeira e não opera com mútuo. Seus associados não são mutuários, mas sim proprietários, participantes da sociedade! Como tal, tomam valores e bens da sociedade, em operações internas que recebem tratamento legal diferenciado, consoante restará apreciado mais adiante.

Esse, justamente o enfoque que nos propomos dar ao tema, para demonstrar que a cláusula mandato, enquanto instrumento válido e não defeso em lei – ao contrário, conta com previsão e regulamentação expressa – não constitui óbice à emissão de cambiais, sendo inaplicável a Súmula 60-STJ às demais situações que não o mútuo (e com instituições financeiras), sobretudo naquelas em que não se fazem presentes o abuso e a sujeição do mutuário (ou qualquer outro devedor) ao arbítrio do mutuante (ou credor).

Os artigos 1288 e seguintes, do Código Civil, disciplinam o mandato, estabelecendo textualmente seus limites, exigências e conseqüências jurídicas.

Nesse contexto, o Código estabelece também a responsabilidade do mandatário, caso extrapole os poderes que lhe foram conferidos pelo mandante, seja na realização de ato ou negócio, seja na emissão de título ou assunção de qualquer compromisso ou responsabilidade.

Assim, a princípio, o ato praticado pelo mandatário não se revestiria de nulidade, mas sim, geraria para este responsabilidade pessoal, caso se afastasse dos limites determinados pelo mandante quando da outorga dos poderes.

Isto porque o mandato é instituto jurídico legítimo, disciplinado pela lei e pleno de validade e presta-se a permitir que alguém se faça representar por outrem, nas mais variadas situações jurídicas, até mesmo em contratos de natureza “sui generis” como o de casamento.

Não destoam desse permissivo as disposições das diversas legislações que rezam sobre as características e requisitos dos títulos cambiariformes.

É exemplo disso o Decreto-lei 413/69, relativo aos títulos de crédito industrial, que em seu artigo 14, X, dispõe: A cédula de crédito industrial conterá os seguintes requisitos, lançados no contexto: X – Assinatura do próprio punho do emitente ou de representante com poderes especiais. (grifamos).

Disposição idêntica se repete no Decreto-lei 167/67, que disciplina os títulos de crédito rural, nos seus artigos 14, IX (cédula rural pignoratícia); 20, IX (cédula rural hipotecária); 25, X (cédula rural pignoratícia e hipotecária); 27, VIII (nota de crédito rural); 43, VIII (nota promissória rural) e 48, XI (duplicata rural), onde consta como requisito de todos os títulos de crédito rural a “assinatura do próprio punho do emitente ou de representante com poderes especiais”. Logo, é da essência das cambiais admitir emissão por mandatário, o que se repete em relação aos demais títulos de crédito mercantis (nota promissória, duplicata, etc.).

E como a figura do mandato repousa no princípio da autonomia da vontade das partes (pacta sunt servanda), negar a licitude da pactuação havida, quando presentes a liberdade de contratar e inocorrente a sujeição da vontade a qualquer arbítrio, importaria em violar um princípio jurídico e, no dizer de Celso Antonio Bandeira de Mello, “Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade e inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra (Revista de Direito Público, n° 15, pág. 284)”.

Em síntese, o mandato é figura legalmente amparada; a emissão de cambial por mandatário conta com permissão legal expressa para praticamente todas as modalidades de cambiais e, inegavelmente, os contratos podem ter previsão de poderes ou constituição de mandatário expressa em cláusula (e o que se restringe e combate não é a previsão, mas o abuso e a ilegalidade).

Cássio M. C. Penteado Jr, é esclarecedor: “A orientação codificada, nada obstante sintética, parece obviar que o mandato é nulo , quando outorga poderes para a celebração de negócio jurídico extremado do escopo original do contrato, como por exemplo, o contrato financeiro cuja cláusula mandato faculte ao mandatário vender bens do mandante, em caso de inadimplemento ou mesmo pretenda alcançar valores outros, possuídos pelo mandante, na instituição financeira, parecerá configurar situações de abuso, fazendo prevalecer a vontade do credor sobre o hiposuficiente devedor. Ao revés, os poderes usuais das cláusulas mandatos, autorizando a emissão e o aceite de cambiais, pelo exato valor da dívida, não padecem de condição abusiva, até porque decorrem do negócio originalmente pactuado e não significam, ao que sentimos, imposição ilícita de vontade. A chave, aqui, reside na correlação necessária entre os poderes do mandato e o contrato em que se inserem, afastando eventual argumento de nulidade, seja pelo cabimento do próprio mandato, como conclusão da doutrina e da jurisprudência, seja pela harmonia desses poderes com o objeto do contrato”.

Necessário atentar que o que se reputa em desconformidade com a lei é a sujeição de uma das partes contratantes ao arbítrio da outra, em função de poderes outorgados para emitir cambial sem paralelo com qualquer obrigação assumida diretamente pela parte – pois em caso contrário não haveria sujeição.

Basta ver que o próprio Código de Defesa do Consumidor não faz qualquer referência ao mandato como cláusula vedada nos contratos de fornecimento de bens e serviços, apenas reputando inválidas aquelas cláusulas que importem em excessiva onerosidade ao consumidor, sujeitando-o ao arbítrio do fornecedor (conforme se ilai dos incisos do artigo 51).

A propósito, tem-se observado uma tendência localizada, no Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, em considerar o inciso VIII do artigo 51, como dispositivo restritivo à liberdade de instituir mandatário para a emissão de cambiais, elastecendo a abrangência da questão sumulada e estendendo-a aos contratos em geral.

Entendemos equivocada aquela interpretação, haja vista que o escopo textual do inciso VIII, sob nossa ótica, dirigiu-se à hipótese de cláusulas contratuais que imponham representante para a própria formalização do negócio jurídico em lugar do consumidor e não para a simples emissão de cambial que materialize a obrigação que o devedor assumiu pessoal e diretamente.

Admitimos, entretanto, que se faz sobremaneira precipitado rechaçar qualquer posição da doutrina ou da jurisprudência acerca da cláusula mandato e da Súmula 60-STJ, que certamente ainda vai gerar acirradas polêmicas antes de restar pacificada.

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3. DO TRATAMENTO JURISPRUDENCIAL DADO À CLÁUSULA MANDATO

Se é certo que estabeleceu-se nos Tribunais brasileiros intensa controvérsia jurisprudencial acerca da utilização de mandato inserido em cláusula de contrato para fins específicos de emissão de cambiais, seguidas, algumas vezes, de prestação de aval, não menos correto seria afirmar que essa celeuma, ao contrário do que entendem alguns, ainda não atingiu um desfecho satisfatório e muito menos consolidou qualquer entendimento.

O que se vê, inversamente, é a perpetuação da divergência pretoriana, a despeito da edição da Súmula 60-STJ, que tem âmbito extremamente restrito de incidência, não obstante as imprudentes tentativas de aplicá-la indistintamente aos processos que se fundem em cambiais emitidas ou avalizadas por mandatário constituído através de cláusula contratual.

Isto porque, em Direito, tantas são as possibilidades quantos são os casos em concreto que se põem frente ao Judiciário em reclame da prestação jurisdicional.

E quando o Estado retirou do particular o “direito da força”, concentrando no juiz a jurisdição – poder/dever de dizer o direito – para estabelecer uma nova era, em que iria imperar a “força do direito”, evidentemente assumiu por encargo desempenhar esse papel satisfatoriamente.

Não obstante, o acúmulo de processos nas varas, a morosidade que se institucionalizou e a tendência que se instalou perniciosamente no sentido de restringir a jurisdição superior (notadamente, o apego exagerado ao formalismo, como instrumento para obstaculizar a ascensão de processos aos tribunais superiores, em detrimento do próprio direito material) refletem diuturnamente na perda da individualidade, sumulando-se matérias cuja aplicação é casuística, não podendo ser privada da prova robusta em cada processo, isoladamente considerado.

Mas, se por um lado apresenta-se volumoso o número de julgados sumários, que desprezam o contexto do processo para impor-lhe o decesso súbito e precipitado, com base em súmulas e “posições consolidadas”, sem adentrar nas particularidades do caso concreto, há que reconhecer-se que muitos são aqueles em que o inverso acontece, sendo digna de realce a postura dos julgadores que se dispõem a ditar o direito com profundidade e sua coragem em contrariar e até modificar o que antes se considerava posição solidificada.

Não nos prenderemos a transcrever decisões negando validade à cláusula mandato, pois não é este o enfoque que nos propomos atribuir ao presente trabalho.

Mais porque, entendemos que muitos são os casos em que a Súmula 60 do Colendo Superior Tribunal de Justiça se amolda com precisão. É inegável a ocorrência do abuso e da arbitrariedade em muitos casos. Assim não fosse, não teriam nossos Tribunais se pronunciado de forma tão contundente e reiterada, consoante se observa atualmente.

Tome-se por parâmetro dessa afirmativa a decisão seguinte, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: “CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE – CLÁUSULA MANDATO – PODERES ILIMITADOS AO BANCO – INADMISSIBILIDADE – “I – A jurisprudência do STJ consolidou entendimento no sentido de que a outorga de mandato pelo mutuário à pessoa integrante do grupo mutuante ou a ele próprio, em regra, não tem validade, face ao manifesto conflito de interesses, a sujeição do ato ao arbítrio de uma das partes e a afetação da vontade. “II – O princípio, assim consubstanciado no verbete 60-STJ é revigorado pelo legislador que, com a vigência do Código de Defesa do Consumidor, passou a coibir cláusulas, cuja pactuação importe no cerceio da livre manifestação da vontade do consumidor” (STJ).” (TJSC – AC 97.001860-6 – 3ª C.C. – Rel. Des. Eder Graf – J. 25.03.1997 – Jurispr. Juris Síntese, verbete 803999).

O escopo desta abordagem, repita-se, é demonstrar que muitos são os casos em que o posicionamento sumulado não possui aplicabilidade, por suas características próprias. Isto ficará bem explicitado quando adentrarmos na análise do ato cooperativo e das cambiais emitidas por mandatário no âmbito dessa modalidade especial de ato jurídico.

Identificaremos, portanto, a corrente que sustenta a validade da cláusula mandato, de sua utilização para emissão e aceite de títulos de crédito e a inaplicabilidade casuística da orientação sumulada pelo STJ, quando impresentes todos os requisitos que a reiteração daquela linha de julgamento exige para amoldar-se completamente ao caso posto sub judice.

Vejamos, portanto, alguns exemplos de julgados que enfocam com maior clareza essa análise particularizada dos casos apreciados pelo Poder Judiciário:

“Mandato. Cambial. Validade e eficácia da cláusula contratual ainda que o mandatário seja empresa do mesmo grupo econômico da credora do título. A execução de uma cártula assim emitida, aceita e ou avalizada deve ser examinada caso a caso, concretamente e diante das ponderações em contrário que porventura forem feitas. Jurisprudência atual e dominante da corte. Descabimento da decisão que, ex officio, inadmite a cambial como título executivo. Provimento da irresignação.” (TARS – AC 187.049.762 – 4ª CCiv. – Rel. Juiz Talai Djalma Selistre – J. 24.09.1987 – Jurisprudência Juris Síntese – verbete 1006799 – 1)

“MÚTUO. CAMBIAL. MANDATO. – Contrato bancário – Cláusula mandato. O contrato é lei entre as partes, quando define os direitos e as obrigações correspondentes a cada parte, impondo o cumprimento fiel das cláusulas que constituem a avenca. A cláusula mandato inserta em contrato bancário, outorgando poderes de representação a mandatário do mesmo grupo bancário contratador, vem sendo admitida pela jurisprudência com a ressalva de que cabe examinar a extensão dos poderes definidos ao mandatário e o desempenho do mandato sem a pratica de abuso contra o mandante. Para exame adequado do desempenho, impõe-se, sempre que for exigido, venham aos autos todos os elementos necessários para dimensionar o fiel desempenho sob pena de entender-se que houve abuso no desempenho do mandato. O judiciário, quando examina a questão do desempenho do mandato que gera obrigações tão-somente para o mandatário, que se obriga a exercer poderes que lhe são conferidos, cumpre ordenamento constitucional e não pode abster-se sob pena de desservir a justiça.” (TARS – AC 189.086.440 – 2ª CCiv. – Rel. Juiz Guido Waldemar Welter – j. 30.11.1989 – Juris Síntese – verbete 1021458 – 1).

“É hoje questão pacificada no seio deste E. Tribunal, que a nota promissória pode ser emitida e avalizada por procuração lançada em contrato havido entre as partes. Tal procuração é perfeitamente válida desde que, evidentemente, seja utilizada em consonância com os termos da avença. No caso concreto verifica-se que a mandatária exercitou regularmente o mandato que lhe foi conferido, máxime quando se nota que a cobrança está em linha com os termos do contrato, registrando-se, ainda, que os juros cobrados encontram respaldo na Súmula nº. 596 da jurisprudência dominante do Egrégio Supremo tribunal Federal. ” (1° TACivSP – Ac. unân. da 6ª Câm. Cív., de 08-11-88 – Ap. 396.337-9- Rel. Pinheiro Franco – publ. no Informativo Semanal de Jurisprudência ADV/COAD – Boletim n° 51/90 – p. 813, verbete n° 42143).”

Nos Acórdãos ora transcritos, resta bastante explícito que inexiste em nosso Direito uma proibição literal à cláusula mandato, mais porque é expressamente admitida a emissão da cambial por procurador e o instrumento de mandato prescinde de forma.

Para concluir este tópico, vejamos outros acórdãos que dão substância às cambiais regularmente emitidas por mandatário constituído em contrato:

“NOTA PROMISSÓRIA – CONDIÇÕES DA EXECUÇÃO – MANDATO
Para a validade da execução de Nota Promissória emitida pelo credor, faz-se necessária a juntada aos autos da autorização do devedor, a teor da Súmula 6 deste Tribunal. (TA-PR. – Ac. unân. da 2ª Câm. Cív., de 09-05-90 – Ap. 1.127/89 – ADV/COAD – Informativo Semanal de Jurisprudência – Boletim n° 35/90 – verbete n° 50646 – ‘Súmula n° 6 – É admissível a cláusula constante em contrato de abertura de crédito que autoriza a emissão de cambial através de mandato outorgado pelo devedor’)”

“MANDATO – EMISSÃO DE CAMBIAL POR MANDATÁRIO.
– Admissibilidade, em princípio, da emissão de títulos por mandatário do grupo econômico beneficiário. Ausentes, no caso, sem sequer alegados, conflito de interesses entre as partes e abusos de mandato”. (TJ-SC – Ac. unân. da 2ª Câm. Cív., publ. em 11.09.91 – Ap. 34.554 – Rel. Des. Eduardo Luz). In Boletim de Jurisprudência n° 06 – ADV/COAD, expedido em 09.02.92, pág. 090; verbete n° 57253.

” NOTA PROMISSÓRIA EMITIDA POR PROCURADOR
Conforme já ressaltado nesta Egrégia Terceira Câmara, na Apelação n° 366.162/7, relatada pelo eminente Juiz Toledo Silva, “O contrato, com essa cláusula, não está nulo, pois a promissória pode ser emitida por mandatário com poderes especiais (art. 54, IV, do Decreto 2.044, de 21.12.08), sendo iterativo que o mandato especial pode ser genérico para emissão de cambiais, sem restrições quanto ao tempo, lugar e quantia (cf. Paulo de Carvalho, A Cambial, 3ª ed., n° 112, nota 86, p. 134; Carvalho de Mendonça, Tratado, vol. V/241, Parte II, n° 602; Margarino Torres, Nota Promissória, 6ª ed., vol. 1/109, n° 25, nota 17, e Whitaker, Letra de Câmbio, 7ª ed., n° 30, p. 77) (Jurisprudência da Cambial, de R. Limongi França, pp. 321-2)”. (JTACivSP-RT 105/31/32).

Delineados esses pormenores, pode-se dar seqüência à análise dessa temática sob a ótica que se lhe deseja atribuir: a Súmula 60-STJ não pode ser aplicada a toda e qualquer situação jurídica sub judice em que se faça presente a emissão de cambial por força de cláusula mandato.

Conclusão inexorável é que a incidência dessa Súmula ou sua adoção como parâmetro para nortear o julgamento deve pautar-se exclusivamente na verificação inconteste de que o mutuário (ou outro devedor que se lhe equipare) tenha sido compelido a responder por obrigações que não assumiu diretamente, materializadas no título, ou por qualquer forma, tenha perdido por completo a liberdade de pactuar ou a condução da forma e extensão de suas obrigações.

Esta seria a situação fática que se subsumiria à previsão do artigo 115 do Código Civil, a ensejar proteção jurídica à parte contratante privada da plena liberdade de contratar.

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4. DO ARTIGO 115 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

Washington de Barros Monteiro elucida que o instituto do “auto contrato”, ou “contrato consigo mesmo” é figura de criação germânica (Selbstvertrag), que se concebe seja aceito no caso de o contratante intervir no feito por si mesmo, em seu próprio nome e como representante de outrem, o que não repugnaria ao sistema da nossa legislação.

O que se discute, entretanto, é o fato de ser o mandato conferido para utilização no exclusivo interesse do mandatário, ou da empresa a que ele se vincule. Estar-se-ia falando, então, de hipótese em que o credor faria líquida a dívida a seu bel prazer, sem qualquer participação do devedor.

Fácil depreender que a previsão do art. 115, do Código Civil, faz defesa a condição potestativa, que nada mais é do que o mero arbítrio ou capricho da parte mais fortalecida na relação jurídica, quando da contratação, por deter o poderio econômico e estar em posição privilegiada para ditar as regras do negócio jurídico, no caso o credor. Isto sim é repudiável perante o Direito.

Mas para que tal situação se configure, faz-se mister que o devedor – e seu é o ônus da prova – demonstre de maneira indene de dúvidas que foi compelido a sujeitar-se aos ditames impositivos do credor e que, ante tal realidade, restou prejudicado pelos atos daquele, que devem revelar abuso ou arbitrariedade.

Sim, porque se não demonstrado que o credor excedeu-se na utilização dos poderes conferidos na cláusula mandato, não haveria que acolher-se qualquer irresignação por parte do devedor.

Se não demonstra o devedor, a existência de abuso de poder ou de mandato, como poderá pretender invalidar a cambial se esta estiver em total consonância com as obrigações que ele próprio assumiu?

Sobre esse aspecto, esclarecedora a postura de alguns Ministros do STJ, conforme se observa de voto proferido pelo Ministro Dias Trindade: “…não vejo ilegalidade na cláusula que delega à entidade creditícia o mandato para a emissão de nota promissória ou letra de câmbio contra o tomador.”

O Ministro Otávio Galotti, por sua vez, asseverou que: “O contrato consigo mesmo não encontra vedação expressa em nosso direito positivo, nem objeção teórica de monta, pois, na representação, a vontade que se obriga é a do representado, cujo patrimônio é distinto do pertencente ao representante. Como esclarece Carvalho de Mendonça, apoiado em Chironi e Windscheid, “desde que um indivíduo pode agir ao mesmo tempo por si e como representante de outrem, desde que é possível conceber-se que alguém obre como representante de uma pessoa jurídica e de outra física, há, na realidade, dois patrimônios colocados um defronte do outro e desde então é sempre possível entre estes um vínculo obrigacional, tanto e com tanta extensão como entre duas individualidades diferentes.” (Contratos no Direito Civil Brasileiro, vol. I, pág. 267). Por isso, a validade do mandato, em tais circunstâncias, há de ser apreciada em razão de regras de moralidade, ficando, então na dependência, sobretudo, da extensão dos poderes do mandatário” (RE 104.307-RS).

Parece claro que o simples fato de ser a cambial emitida por procurador do mutuário, por força de poderes expressos em cláusula contratual, mesmo que por pessoa ligada ao mutuante, não lhe retira a validade e a conotação de título executivo líquido e certo.

É necessário, para que isso ocorra, que a previsão contratual se opere de maneira tal que sujeite o mutuário ao arbítrio do mutuante, e que o título daí resultante, apresente-se em desconformidade com a obrigação pactuada diretamente pelo mutuário ou, ainda, que não encontre paralelo nessa manifestação de vontade, sendo fruto exclusivo de atos negociais levados a termo pelo constituído, arbitrariamente, sem participação do seu constituinte.

Logo, o que importa, não é o fato de os poderes estarem inseridos no próprio contrato de mútuo bancário, bastando notar que o mandato não requer forma especial.

O que definirá a validade ou não do título que se originar desse instrumento é o respaldo que o mesmo deverá ter na manifestação livre de vontade do contratante, sem obrigá-lo por negócios outros assumidos em seu nome sob a égide da cláusula mandato.

Vale dizer, que se o mutuário pactua uma determinada obrigação, taxas de juros, e as penalidades e encargos pelo seu não cumprimento, constituindo mandatário para emitir e/ou avalizar título de crédito representativo dessa mesma obrigação que ele próprio assumiu, nenhuma nulidade haverá.

Essa ótica é compartilhada pelo Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, que pronunciou-se sobre a cláusula mandato, atestando-lhe a validade e afastando a alegação de ofensa ao disposto no artigo 115 do Código Civil, em fundamentado acórdão cuja ementa adiante se vê:

“CONTRATO DE FINANCIAMENTO – Cláusula de outorga de mandato – Procuração do mutuário a empresa do grupo financeiro do mutuante autorizando a emissão de cambial a favor deste – Validade – Vínculos jurídicos entre credor e mandatário que não prejudicam a natureza fiduciária do mandato – Condição potestativa, vedada pelo art. 115 do CC, inexistente – Atos praticados pelo mandatário que só vinculam o mandante se enquadrados nos limites dos poderes conferidos – Título de crédito formalmente perfeito – Inafastabilidade da obrigação dele resultante, não assistindo ao devedor ação para anulá-lo, conquanto lhe assista direito a reparação, caso excedidos os poderes recebidos – Aplicação dos arts. 1.301 e 1.313 do CC – Voto vencido.

– Perfeitamente válido mandato outorgado por mutuário, no próprio contrato de financiamento, a empresa componente do grupo econômico do mutuante para emitir, aceitar e avalizar títulos cambiais. Irrelevante à validade do mandato examinar os vínculos jurídicos entre o credor e o mandatário, a quem o devedor investe nos poderes à prática de atos específicos, no interesse de ambos. Tais vínculos não prejudicam a natureza fiduciária do mandato e, sobretudo, não o nulificam.

Tampouco se há de olvidar que o mandatário é obrigado a prestar contas de sua gerência (art. 1.301 do CC), enquanto os atos praticados só vincularão o mandante se enquadrados nos limites do mandato (art. 1.313 CC)…

Assim, assentada a legalidade do título, formalmente perfeito, mesmo com a participação de mandatário, a obrigação daí resultante é inafastável. O devedor não tem ação para anulá-lo, conquanto lhe assista direito à reparação contra aquele que se locupletou à sua custa”.

O aresto supratranscrito encampa no bojo de sua fundamentação os ensinamentos de consagrados juristas, destacando-se CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA e PONTES DE MIRANDA, verbis:

“Por outro lado, não existe impedimento para o mandante outorgar poderes a pessoa natural ou jurídica do grupo empresarial do credor beneficiário pela emissão da cambial. Com proverbial sabedoria, Caio Mário da Silva Pereira escreve: “O objeto do mandato é, geralmente, do interesse exclusivo do mandante, mas não lhe prejudica a natureza e efeitos a ser comum com o próprio mandatário ou com terceiros” (Instituições de Direito Civil, v. III/355, 5ª ed., Forense, 1981).

Pontes de Miranda é incisivo em lição respeitável: “Na representação cambiária está implícita a autorização para obrigar o representante perante o próprio representado” (Tratado…, v. XXXIV/144, 2ª ed.).”

E continua o acórdão, estabelecendo clara conclusão que resume de modo muito feliz o pensamento com que nos afinizamos:

“Assim, é irrelevante à validade do mandato examinar os vínculos jurídicos entre o credor e o mandatário, a quem o devedor investe nos poderes à prática de atos específicos, no interesse de ambos. Tais vínculos, enfim, não prejudicam a natureza fiduciária do mandato, e sobretudo não o nulificam”.

Pretendemos asseverar, com tais considerações, que os processos postos à prestação jurisdicional devem ser analisados em suas particularidades essenciais, não sendo admissível a simples aplicação de direito sumulado em virtude da matéria envolvida.

Se assim fosse, não seria necessário existir o Poder Judiciário. Bastaria lançar em um computador as leis e súmulas e extrair o julgamento em função da nomenclatura objetiva da matéria controvertida. Evidentemente, tal idéia não pode ser admitida.

Posto isso, propomos a análise de uma realidade diametralmente oposta, com a qual convivemos diuturnamente, e que apresenta variantes significativas, como é a contratação realizada nos moldes da Lei do Cooperativismo, envolvendo sociedade e associado, onde faz-se presente a cláusula mandato, para se avaliar a extensão da aplicabilidade da Súmula 60 do STJ.

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5. O ATO COOPERATIVO

No contexto da reflexão a que convidamos o intérprete da norma jurídica, vamos encontrar ainda algumas particularidades que delineiam maior distanciamento entre os casos concretos postos à espera da prestação jurisdicional e as orientações jurisprudenciais de caráter geral, por vezes sumuladas, como sói ocorrer com as cooperativas de produção, que operam com milhares de associados através de contratos onde se faz presente o instituto da cláusula mandato.

Há, para elas, um traço especial, uma particularidade, um elemento diferenciador de extrema força determinante, além da relação fiduciária que se estabelece entre seus componentes: o ato cooperativo.

O denominado ato cooperativo, regido por legislação especial é, essencialmente, ato jurídico praticado entre a Cooperativa e seu sócio-quotista, ou entre Cooperativas entre si.

Vejamos o que dispõe o artigo 79 e seu parágrafo único, da Lei 5.764/71:

“Art. 79. Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si, quando associadas, para a consecução dos objetivos sociais.

Parágrafo único. O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria.”

Renato Becho traz à colação a conceituação clássica de Salinas, acerca do denominado “ato cooperativo”: “A definição de ato cooperativo de Antonio Salinas Puente, tornada clássica em sua obra Derecho cooperativo, pela época de sua formulação (1954) e pelo rigor técnico apresentado, parece demonstrar a visão do autor para o caso em exame: ‘O ato cooperativo é o suposto jurídico, ausente de lucro e de intermediação, que realiza a organização cooperativa em cumprimento de um fim preponderantemente econômico e de utilidade social”.

Guimarães e Cunha, apreciando as disposições da lei cooperativista, discorrem com clareza ímpar sobre esta espécie de ato jurídico: “Nas operações internas existe, apenas, a prestação de serviços, em suas inúmeras modalidades, que a lei houve por bem denominar de “atos cooperativos”. Muito embora, na prática, seja comum ouvir-se que o associado “vendeu” sua produção à cooperativa, ou dela “comprou” determinado bem, efetivamente ela não realizou essas operações de compra-e-venda, mas, simplesmente, alguns “atos cooperativos” , de vez que, havendo apenas o propósito de prestação de serviços, inexistiu o fato mercantil na transação.”

Sob o prisma do ato cooperativo, que não configura operação mercantil, nem compra e venda e, portanto, situa o contrato à margem das relações de consumo, independentemente do nome que se dê ao instrumento celebrado entre tais entes, todos os valores que se levam em conta acerca da multicitada Súmula 60-STJ sofrem profundas alterações e assumem um papel diferenciado.

A Constituição Federal reconheceu-o, dispondo, em seu artigo 146, III, “c”, que o ato cooperativo receberia adequado tratamento tributário e, no artigo 174, § 2° , ditou que a lei apoiaria e incentivaria o cooperativismo e outras formas de associativismo.

Fora de dúvida que a relação jurídica que se estabelece entre cooperativas e associados não está igualmente sujeita às disposições comuns do Código de Defesa do Consumidor, pois o associado não é consumidor, mas sim um dos titulares da sociedade, com quotas de capital e direito a voto.

Daí não poder-se falar em conflito de interesses, nem em contrato consigo mesmo, nem em arbitrariedade ou vedação. O mandante, que constitui procurador por intermédio da cláusula mandato é, na verdade, associado da cooperativa e constitui como mandatário um outro associado, em regra Diretor da mesma.

Dessa forma, está outorgando poderes a um representante da sua própria sociedade, que em processo democrático de escolha, ajudou a eleger.

Fica bastante claro, nessa hipótese, que o mandatário, mesmo que esteja ligado à figura da cooperativa, também está ligado ao cooperado. É sócio daquele. A fidúcia em nada se faz abalada nesse contexto.

Somente quando esse associado torna-se inadimplente e por força deste inadimplemento sofre demanda judicial, amparada naquele título cambiariforme que se constituiu pelo exercício do mandato, nos moldes da obrigação que livremente contraiu, é que tal associado vê-se em posição antagônica à sociedade, já que costumeiramente os estatutos sociais elaborados em consonância com a Lei 5.764/71 ditam seu desligamento do quadro social, rompendo os liames que o vinculavam à Cooperativa. Até então, era um dos proprietários da mesma.

Em verdade, nas sociedades cooperativas, todas as deliberações são tomadas pelos próprios associados, em assembléia geral, ou, quando emanadas da diretoria executiva, são convalidadas pelos estatutos, sendo forçoso admitir que a deliberação é fruto da vontade coletiva dos sócios. Assim, foi o próprio associado quem decidiu – ou delegou poderes para que seus pares, por ele eleitos, decidissem – pela utilização da cláusula mandato nos contratos que envolvem as operações entre cooperativa e associados.

De notar que esse mesmo estatuto social somente existirá se aprovado em assembléia geral, onde cada sócio detém o poder de voto e delibera sobre seu conteúdo.

Observe-se que, no exemplo dado, onde se utiliza a cláusula mandato de forma coerente e sob o amparo da lei, o contrato, o ato jurídico em si, é praticado pelo próprio devedor, pessoalmente.

Ao mandatário – ou ao próprio credor – resta a delegação específica de poderes tão-somente para a emissão da cambial representativa da obrigação contratada. Se isso ocorre de forma restrita, sem conferir-se ao credor qualquer outra extensão de poderes e se ele age em cumprimento estreito aos poderes recebidos, não há como falar-se em sujeição do devedor e conseqüentemente, inocorre qualquer ofensa à legislação em caso semelhante.

Esta, pois, a tônica que deveria ser analisada sempre que se pusesse sob o crivo do Judiciário questões envolvendo a emissão de cambiais por intermédio de mandato clausulado em contrato.

Não há, na hipótese, como cogitar-se de nulidade por arbítrio ou sujeição, sendo de bom alvitre observar que, fosse qualquer outra pessoa o procurador, teria agido nos mesmos moldes e que o próprio devedor poderia ter emitido o título, se o quisesse.

O fato de sua inércia, ao não adimplir, nem emitir título de crédito, é que fez possível a utilização do mandato outorgado para simples emissão da cártula. Não se pode esquecer, ainda, que qualquer ato do mandatário fora desses parâmetros, importaria em responsabilidade perante o mandante e somente em casos extremos falar-se-ia em anulabilidade.

Inocorrendo, portanto, qualquer espécie de contratação arbitrária ou surgimento de novas obrigações, alheias ao contratado entre as partes, plenamente lícita a intervenção do mandatário para tornar efetiva a emissão do título representativo daquela obrigação, conforme lhe fora outorgado.

O cooperativismo mereceu destaque especial em lei própria, que lhe reza os princípios e finalidades e no corpo da Constituição Federal, que o reconhece como forma societária especial, com princípios específicos, merecedores de incentivos e de um adequado tratamento tributário.

Veja-se, por exemplo, a sentença de lavra do ilustre juiz Luiz Fernando Tomasi Keppen, ementada nos seguintes termos: “Civil e processual civil. Embargos do devedor. Validade de cláusula mandato em contrato cooperativo. Em contrato cooperativo, cuja presunção é de que sempre atende a interesses de cooperado, válida a cláusula mandato, inclusive para a emissão de título de crédito.”

Na fundamentação do “decisum”, o ilustre magistrado lança assertivas deveras interessantes sobre a evolução de sua compreensão dos postulados do cooperativismo, que merecem transcrição: “Com efeito, necessário ser consignado, estamos diante de causa que envolve cooperativa. Cooperativa, como o nome mesmo diz, é produto da cooperação individual de todos os membros que, cada qual entrando com parcela de contribuição, colabora para o atingimento de fins próprios, sempre do interesse dos cooperados. Qualquer afirmação diversa vai de encontro aos fins buscados pelo cooperativismo, podendo ser alterada em assembléia.

Assim, como juiz, sempre repeli a idéia da “cláusula mandato”, justamente por verificar, na prática, que a mesma era sempre utilizada em detrimento dos interesses do aderente, ao negócio havido, normalmente o hipossuficiente frente a instituições financeiras. Ocorre que, no presente caso, estamos diante dos interesses de cooperados e do cooperativismo, onde há presunção de que um age no estrito interesse do outro, onde a confiança atinge níveis elevados, onde a interpretação tem de ser reavaliada.

Pois, por todo o exposto, entendo válida a cláusula mandato estabelecida no contrato havido entre as partes e que faz parte da execução apensa, nada colidindo contra as normas do direito e da boa fé, presente o cooperativismo. (autos 317/93 – 2a. V. Cível Campo Mourão – PR)” (grifos nossos).

Para melhor entendimento dessas assertivas, vejamos o que leciona Celso Ribeiro Bastos, quando trata “da natureza peculiar das Cooperativas” em interessante obra que propõe-se a analisar alguns dos problemas não solucionados da Carta Política de 1988: “As cooperativas são sociedades de pessoas constituídas para prestarem serviços aos associados ou cooperativados, distinguindo-se das demais sociedades ou empresas que atuam no setor econômico em razão de apresentarem características específicas que as distanciam totalmente do modelo de empresa capitalista comum, assumindo grande relevo, neste contexto, o fato de não distribuírem lucros aos associados. Trata-se de uma espécie de gerenciamento, de assessoramento dos cooperados. Assim, seus membros a constituem com o objetivo de desempenharem, em benefício comum, determinada atividade”.

E não se confunda a afirmação de que as cooperativas não distribuem lucros com o fato de que, no final de cada exercício social, havendo resultados positivos no balanço, ocorrer a distribuição de “sobras” aos associados.

“As sobras, como o próprio nome sugere, são os recursos não utilizados pela sociedade, os quais devem retornar aos associados, na proporção da utilização de cada um, dos serviços da cooperativa. (…) O que nos parece importante ter em mente é que as sobras, nesses termos, não representam acréscimo patrimonial para os associados que as recebem, mas devolução dos recursos não utilizados e, portanto, não tipificadas como fato gerador de qualquer espécie tributária”.

Na mesma esteira, observa-se posição recente do Tribunal de Alçada do Paraná, proferida por sua Quinta Câmara, em processo que teve como relator o juiz Waldomiro Namur:

“APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – NOTA PROMISSÓRIA VINCULADA A CONTRATO DE VENDA E COMPRA DE PRODUTOS AGRÍCOLAS COM PACTO DE ENTREGA FUTURA – CONTRATO FIRMADO ENTRE COOPERADO E COOPERATIVA – VALIDADE DA CAMBIAL EMITIDA POR MANDATO – INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 60 DO STJ E DA HIPÓTESE DO ART. 115 CC – APELO PROVIDO PARA AFASTAR A NULIDADE DA NOTA PROMISSÓRIA” (TA/PR, Ap. Cív. 110628-3, Ac. unân. 5a. Câm. Cív., n. 7935, j. 01/07/98, DJ/PR 14/08/98, p. 103).

É natural, portanto, que a relação jurídica que se opera no âmbito cooperativo receba tratamento diferenciado daquele que se dá às instituições financeiras, que em nada se equiparam às cooperativas, quer no objetivo social, quer no tratamento jurídico-tributário que receberam do legislador.

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6. CONCLUSÕES

1 – O instrumento de mandato não possui forma definida em lei, sendo admissível sua estipulação mediante cláusula inserta em contrato, para o fim específico de constituir mandatário com poderes especiais para a prática de atos em nome do mandante.

2 – A cláusula mandato pode prestar-se à emissão ou aceite de cambiais, por previsão expressa do ordenamento jurídico pátrio.

3 – A decretação da nulidade de cambial emitida por procurador do mutuário, através de cláusula mandato, sendo aquele integrante do mesmo grupo econômico da instituição financeira mutuante, exige que reste demonstrada a sujeição do mutuário ao arbítrio do credor.

4 – Somente as condições ditas puramente potestativas podem ser consideradas ilícitas, vale dizer, “aquelas em que a eficácia do negócio fica ao inteiro arbítrio de uma das partes sem a interferência de qualquer fator externo”.

5 – Quando da apreciação de título de crédito emitido por procuração ou cláusula mandato, faz-se irrelevante examinar os vínculos jurídicos existentes entre as partes contratantes, devendo-se atentar somente para os limites do mandato e a extensão de sua utilização.

6 – A Súmula 60, do Superior Tribunal de Justiça não se aplica a todas as hipóteses de cambial emitida por mandato clausulado em contrato, exigindo análise particularizada de cada caso concreto posto à apreciação jurisdicional.

7 – As operações reciprocamente realizadas entre cooperativas e seus associados e entre cooperativas entre si constituem modalidade própria de ato jurídico, denominado “ato cooperativo”, não configurando contrato de venda e compra nem operação de mercado e, portanto, não se sujeitam às disposições do Código de Defesa do Consumidor e sobre os contratos que materializam essas operações não se aplica a Súmula 60-STJ.

O juiz sensato, atento às particularidades de cada ação que se lhe apresente a julgamento, saberá fazer as distinções necessárias e adotar a postura correta ao ditar a norma aplicável. Se não o fizer, haverá sempre o caminho da jurisdição superior a trilhar. E se alguma súmula se antepuser frente à justiça, como um obstáculo ao acesso a essa jurisdição? Aí nos perguntamos: até mesmo as leis ultrapassadas ou injustas não são revogadas?

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7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BASTOS, Celso Ribeiro. A Constituição de 1988 e seus Problemas.São Paulo : LTr, 1997.

BECHO, Renato Lopes. Tributação das Cooperativas. São Paulo : Dialética, 1997.

BULGARELLI, Waldirio. As Sociedades Cooperativas e sua Disciplina Jurídica,Rio de Janeiro : Renovar, 1998.

ESTEVES, Maria do Rosário – Normas Gerais de Direito Tributário, Ed. Max Limonad, 1997.

GUIMARÃES, Mário Kruel et CUNHA, Antonio Luiz Matias da. Crédito Rural para Cooperativas – Teoria, Prática, Legislação, Normas. Porto Alegre : Edições Fecotrigo, 1977.

MALUF, Carlos Alberto Dabus – As Condições no Direito Civil, Rio de Janeiro: Forense.

MONTEIRO, Washington de Barros – Curso de Direito Civil, 15a, ed, vol. 5, São Paulo : Saraiva, 1980.

OLIVEIRA, Lourival Gonçalves – Comentários à Sumula do Superior Tribunal de Justiça, São Paulo : Saraiva, 1993.

PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, vol. III, 5a. ed. Rio de Janeiro : Forense.

PENTEADO Jr., Cássio M. C., Quem tem medo da cláusula mandato? Artigo. publ. no Informativo Dinâmico IOB, n° 65/91, p. 991.

POLONIO, Wilson Alves. Manual das Sociedades Cooperativas. São Paulo : Ed. Atlas, 1998.

Informativo Sem. de Jurisprudência ADV/COAD, boletins 35/90, 51/90 e 06/92.

Juris Síntese – Legislação e Jurisprudência – CD-ROM n° 12 – jul/ago/1998.

Revista dos Tribunais – volumes 650/104 e 105/31.

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