José Carlos Teixeira Giorgis *
Para Jean Baudrillard, após a fase da orgia, caracterizada pelas diversas formas de liberação (política, sexual, forças produtivas, mulher, arte, etc), vive-se no atual estado das coisas uma etapa de pós-orgia, onde se insere a clonagem, ou seja, o máximo de reprodução humana com o mínimo possível de sexo.
A clonagem, diz o pensador francês, não é a busca do duplo, velho sonho da humanidade, mas a noção do mesmo, onde se eliminam mãe e o pai,misturam-se os genes, emaranham-se as diferenças, onde o clonado não é concebido, mas brota de um segmento, nem menino, nem gêmeo, nem reflexo, é a abolição da alteridade, a reiteração de si mesmo, o prolongamento indefinido do próprio corpo.
Já se disse que a ciência é neutra, e necessita um controle do ordenamento jurídico.
Todavia, como diz Clotet, a pesquisa é ambivalente, tal como a figura do deus Jano e suas duas faces, e não pode ser banida mas orientada para o bem geral da humanidade.
A clonagem suscita uma série de indagações no campo do Direito, pois é preciso definir de quem o clone é filho: de um casal ou do irmão do ser que doou o núcleo?
Se filho dos pais do doador, será credor de alimentos , terá direitos sucessórios ? E se o doador se arrepender, durante o curso da duplicação e o feto estiver com vários meses, poderá interromper a gestação da mãe que hospeda? Qual a responsabilidade do laboratório que providenciou a técnica? Será o bebê propriedade da instituição científica ou o médico será o verdadeiro pai do clone? A quem caberia o pátrio poder do clone? Como fica o sacrifício de sua autonomia? Quem assume os ônus pelos erros no processo de clonagem? Qual a paternidade a prevalecer, a biológica, a jurídica, a socioafetiva?
O problema não é apenas folhetinesco ou se presta para a literatura, mas incide em diversos ramos jurídicos, sem desprezar a sua repercussão estritamente ética.
A Constituição brasileira estabelece, como um de seus fundamentos, o respeito à dignidade da pessoa humana, e ordena a fiscalização das entidades dedicadas à pesquisa e à manipulação do material genético, o controle da produção, comercialização e técnicas que ponham risco à vida, sua qualidade e meio ambiente (CF, art. 225, par. 1º,II e V), e a regulamentação do dispositivo invocado considera crime a manipulação genética de células germinativas humanas, a intervenção em material genético humano in vivo, a não ser para tratamento de defeitos genéticos (Lei nº 8.974/95, Lei de Biossegurança), e a Lei nº 9.279/96 restringe patentes de parte ou o todo de seres vivos.
Este armamento legal, por ora, impede a clonagem reprodutiva.
Segundo a Pontifícia Academia Pro Vita, a eventual clonagem humana representa uma violação dos princípios da paridade entre os seres humanos e o do não-discriminação, ambos sustentáculos de todos os direitos da pessoa.
Como se vê a questão é tormentosa no âmbito das ciências jurídicas, além de suas implicações éticas, religiosas, filosóficas, etc.
* Desembargador, TJ/RS
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