LÚCIO MASCARENHAS
Discute-se, no Congresso Nacional, o projeto de lei 5438/01, que busca modificar o art. 618 da Consolidação das Leis do Trabalho, permitindo que as condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo prevaleçam sobre o disposto em lei.
Aprovado pela Câmara dos Deputados, em 4.12.2001, o projeto será submetido à apreciação do Senado Federal.
Sob o pretexto de modernizar as relações entre o capital e o trabalho, esta alteração visa, sem dúvida, reduzir ou suprimir direitos mínimos e fundamentais do trabalhador, atendendo ao modelo neoliberal e aos interesses internacionais.
Neste aspecto, denunciou o deputado Aldo Arantes (PC do B de Goiás) na votação do projeto perante a Câmara dos Deputados, que a reforma trabalhista faz parte do acordo do Brasil com o FMI (Fundo Monetário Internacional), com previsão expressa de urgência.
Há, portanto, outros interesses em jogo, que estão motivando a iniciativa do Poder Executivo, em propor a mudança na CLT.
Para justificar esta proposta, seus defensores afirmam que haverá aumento de empregos e redução da informalidade.
Ora, foi o próprio Governo quem gerou o desemprego, levando os trabalhadores para o mercado informal, com a política econômica adotada em nosso país.
Para aumentar a empregabilidade, deveria o Governo ter maior preocupação com o crescimento econômico, as altas taxas de juros, e com a reforma tributária, que tramita há mais de sete anos no Congresso.
Não é, pois, a legislação trabalhista, como estão argumentando as fontes palacianas, que dificulta o emprego e a abertura de novos postos de trabalho.
Neste sentido, deve-se registrar estatística feita nos Estados Unidos, que indica que o salário-hora do trabalhador brasileiro, acrescido dos encargos sociais correspondentes, é, de apenas, U$ 2,79, um dos mais baixos do mundo.
Na Alemanha o valor é de US 21; na Suécia, de U$ 20; na França, U$ 15; nos E.E.U.U., U$ 14; no Japão, U$ 12, e na Coréia, onde dizem que o salário é baixíssimo, este valor equivale a U$ 4,16.
É certo que deve haver uma reforma da CLT, que tem quase 60 anos, (vigente desde 1º.05.43), para adequá-la aos novos tempos.
Porém, as mudanças na legislação trabalhista necessitam de um exame mais profundo, a ser realizado por uma comissão de estudiosos do Direito do Trabalho, semelhante aquela que elaborou a Consolidação.
O projeto de lei, em referência, não exige a urgência posta, não convence quanto à exposição de motivos, e não pode ser aprovado, porque atenta contra direitos inalienáveis, e, por isso inegociáveis, da classe trabalhadora.
Mais, o projeto é inconstitucional, violando o art. 7º, da Constituição Federal.
É que ao elevar em nível constitucional os direitos previstos na legislação ordinária, o constituinte o fez com a intenção de melhoria da condição social dos trabalhadores, como, expressamente está contemplado no mencionado dispositivo constitucional.
Assim, e por ser prejudicial ao trabalhador, não se pode cogitar de aumentar o prazo ou o número de parcelas para o pagamento da gratificação natalina; parcelar as férias em mais de dois períodos; reduzir o adicional noturno etc.
A Constituição Federal só admite a flexibilização dos direitos trabalhistas elencados no art. 7º, nas hipóteses em que, de forma expressa, ressalvam o disposto em convenção ou acordo coletivo, isto é, os incisos VI, XIII, e XIV, que tratam da irredutibilidade do salário, da jornada de trabalho, e dos turnos ininterruptos de revezamento.
Os demais direitos, exceto aqueles que dependem de lei complementar, estão protegidos pela Constituição, e, portanto, não podem ser negociados.
Ao comentar o projeto de lei em discussão, o insigne jurista Arnaldo Sussekind, um dos autores da CLT, assim manifestou-se: “Eu acho que o projeto é uma impropriedade a toda prova.
Custo a acreditar que pessoas que aparentemente conhecem o Brasil possam fazer um projeto desses, porque o Brasil é desigualmente desenvolvido. Este projeto pressupõe sindicatos fortes para que o trabalhador não seja explorado tal como era na início do século XIX”.
Diz, ainda, o ex-Ministro do Trabalho que “a legislação poderia ter normas mais gerais do que atualmente, portanto, menos detalhista, menos intervencionista, mas sem prejuízo de seu patamar, um mínimo de normas inegociáveis, abaixo das quais não se consegue a dignidade do ser humano”.
Entendo que este patamar encontra-se na Constituição Federal, (art. 7º), que ao dispor sobre os direitos dos trabalhadores, garante os direitos mínimos, historicamente conquistados.
Estas regras de proteção são necessárias e imperativas, exigindo a intervenção do Estado, nas relações de trabalho, para possibilitar o equilíbrio entre as partes.
É antiga a lição de Lacordaire de que “entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, é a liberdade que oprime e é a lei que liberta”.
LÚCIO MASCARENHAS
advogado