Autor: Pedro Corino (*)
O estado de São Paulo autorizou o pagamento de tributos vencidos até 1.998 com precatórios (Lei 10.339/99, Covas). Rondônia, em 2002 (Lei 1.142, Bianco), igualmente permitiu a compensação de tributos com precatórios.
No Código Tributário Municipal de Natal (alteração de 2003, Alves), consta a autorização corrente e sem data para acabar de compensação de tributos vencidos com precatórios. Alagoas, per si, merece um estudo isolado: além dos tributos vencidos, permite o pagamento de algumas modalidades de ICMS corrente com precatórios e direitos creditórios.
Em 2010, o estado do Rio de Janeiro (Lei 5.647, Cabral) e, posteriormente, no mesmo ano, Santa Catarina (Lei 15.300, Silveira) igualmente autorizaram o uso de precatórios. Desde junho de 2017, o município de São Paulo (Doria) e, posteriormente, o Paraná (19.182/17, Richa) autorizaram a compensação.
Os entes federativos com Assembleias ou Câmaras mais atuantes normalmente possuem sempre um ou mais projetos de lei sobre compensação de tributos com precatórios em andamento. Como antecipado em artigo aqui na ConJur, de fato este ano marcará o retorno das compensações tributárias com precatórios.
Fato é que cada projeto de lei de autorização de uso de precatórios possui características absolutamente distintas. Portanto, algumas leis concedem descontos de multas e juros, estabelecem a necessidade de pagamento de percentual relevante do débito em dinheiro etc.
O ponto inicial para se verificar, entrementes, é o prazo do débito que se autoriza compensar com precatório, e se o mesmo deveria estar inscrito ou não para se utilizar o “benefício” — entre muitas aspas — de se poder quitar um débito com o ente federativo utilizando-se de um crédito em face do mesmo ente.
Nesse sentido, o Poder Executivo do Estado de São Paulo apresentou um projeto de lei sobre compensação de débitos tributários com precatórios (PL 801/17, Alckmin) depois de quase 20 anos do retrocitado programa de compensação de Covas. Na contramão do que ocorre com os projetos apresentados pelos membros do Legislativo estadual, historicamente, existe um índice de rejeição baixo relativo ao governador.
Para deixar o assunto bem mais interessante: o que se conversa acerca do PL paulista é que se pretende incluir descontos de juros e multa dos tributos vencidos até 25 de março de 2015, mas o governador não quer. Se esses descontos passarem, incluindo o deságio do precatório, os descontos podem chegar a 80% (!) do total do débito para pagamento à vista.
Face a Lei Maior, no tocante aos precatórios, pode-se verificar claramente que o ocorrido neste ano está enquadrado com os julgamentos das ADIs 4.357 e 4.425 por parte do Supremo, bem como da EC 94, de 15 de dezembro de 2016. Exceto em relação à limitação temporal.
Todos esses princípios já estavam presentes em nosso ordenamento desde a fundação da Velha República. Um exemplo do cotidiano de todos expressa já no Codice Civile Brasileiro de 1919 sobre o direito de compensar dívidas quando devedor e credor se confundissem. Quando um governo é constituído de pessoas e organizado de fato para pessoas, necessariamente a regra de direito civil seria aplicada indiscutivelmente para a relação contribuinte-ente arrecadador.
Ademais, os valores republicanos e democráticos, bem como e em especial do Estado de Direito e da tripartição dos Poderes, só serão minimamente reconhecidos pelo Poder Executivo quando os cargos eletivos forem preenchidos por cidadãos (governantes) que cumpram o estabelecido em decisões do Poder Judiciário, incluídas aqui as que determinam o pagamento de dívidas judiciais orçamentalizadas e a manutenção da prisão preventiva de investigados cuja liberdade pode influenciar a investigação criminal de seus casos (e no inquérito deve-se ater ao princípio in dubio pro societatis).
Com efeito, precatórios deveriam ser considerados títulos do governo da mais alta liquidez. Quem cria a má reputação dos precatórios e ainda por cima se beneficia dela é o próprio governo. A orçamentalização da dívida para pagamento no ano (dotação) seguinte não é “algo errado”. Errado é o governo não pagar no prazo legal.
Espera-se que apesar das novidades da PEC 212/16, aprovadas em primeiro turno, os pagamentos dos precatórios sejam regularizados — mesmo que apenas em 2024.
Justamente nesse sentido, com base em todo o já definido pelo STF, em especial no tocante à compensação e seus efeitos, considerando-se o direito adquirido do detentor do precatório e do precatório em si (conjunto de direitos) em ser pago ou utilizado como objeto de compensação, a limitação da compensação com precatórios para débitos inscritos (ou não em alguns poucos casos) até março de 2015 é inconstitucional (até por terem os governos aguardado mais de dois anos para publicar as autorizações legais de compensação).
A medida correta seria o uso de todos os precatórios expedidos para quitação de quaisquer dívidas tributárias, exceto perante os entes federativos que estão em dia com os pagamentos dos precatórios nos termos da EC 94/16. Qualquer outra é continuar a colcha de retalhos que o Poder Legislativo invariavelmente fez uso para auxiliar ilegalmente o Executivo a não cumprir com o que o Supremo definiu pormenorizadamente.
Autor: Pedro Corino é CEO da São Paulo Investimentos, mestre em Direito pela PUC-SP, professor e pesquisador.