A competência em ações por danos decorrentes de acidente

por Silvio de Souza Garrido Junior

Depois de muita discussão no Congresso Nacional, foi aprovada a Emenda Constitucional (EC) nº 45, conhecida por todos como a “Reforma do Judiciário”. Entre todas as alterações inseridas pela aduzida emenda, chama atenção a reformulação do artigo 114 da Constituição Federal, responsável pela ampliação da competência da Justiça do Trabalho.

Dispôs o inciso VI, do aludido artigo 114, que a Justiça do Trabalho seria competente para processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho.

Logo após a publicação da mencionada emenda no Diário Oficial da União, grande parte dos juízes estaduais determinou a remessa dos processos que versavam sobre indenizações decorrentes de acidente de trabalho para a Justiça Trabalhista, acreditando que esta seria a intenção contida no aludido dispositivo constitucional.

Com isso, muitas empresas, que eram parte nessas demandas, recorreram aos Tribunais Superiores, sustentando que as ações de indenização decorrentes de acidente de trabalho não tinham sido expressamente previstas pelo legislador quando da redação do mencionado dispositivo, razão pela qual, a regra nele contida não deveria ser observada, devendo ser mantida a competência da Justiça Comum (estadual).

Levantada por esses inúmeros recursos, a questão bateu as portas do Supremo Tribunal Federal, sendo que, em plenário realizado no dia 9 de março de 2005, para julgamento do recurso interposto pela Mineração Porto Velho S.A., foi declarado, por maioria de votos (8 X 2), que seria competente para o julgamento das ações de indenização fundadas na legislação sobre acidente de trabalho, a Justiça Estadual.

O ministro Cezar Peluso, redator do voto vencedor, fundamentou que “se nós atribuirmos À Justiça do Trabalho a ação de indenização baseada no Direito Comum, mas oriunda do mesmo fato histórico, temos uma possibilidade grave de contradição” demonstrando o risco que seria transferir o julgamento destas ações à Justiça Trabalhista, especialmente quando outros casos idênticos seriam julgados pela Justiça Comum. Os ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim entenderam da mesma forma e ratificaram o voto de Peluso. Apenas os ministros Carlos Ayres de Britto e Marco Aurélio votaram no sentido de declarar competente a Justiça do Trabalho.

Desta maneira, o Supremo Tribunal Federal, responsável pela interpretação e inviolabilidade do Texto Constitucional, atribuiu ao inciso VI, do art. 114, da Constituição Federal, a interpretação que deve ser observada quando da análise do aludido dispositivo.

Embora o Supremo tenha firmado seu entendimento, a questão ainda gera discussão no meio jurídico nacional, sendo certo que, de acordo com a Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), 85,9% dos juízes afirmam discordar da interpretação atribuída pelo STF, o que nos leva a crer que boa parte deles continuará atribuindo a Justiça do Trabalho o julgamento destas ações, o que fatalmente, levaria a interposição de inúmeros recursos, atravancando mais ainda o Poder Judiciário.

Há notícias de que o STF, na tentativa de impedir que a “Reforma do Judiciário”, criada para desafogar os Tribunais Superiores, leve a uma explosão de recursos, o que consistiria numa incongruência sem fim, estaria pensando em editar a 1ª Súmula Vinculante da história nacional, o que impediria que fossem proferidas decisões contrárias à interpretação do Supremo.

Mesmo que isso aconteça, mais uma vez presenciamos o Poder Judiciário tendo que se desdobrar para dirimir questões geradas pela falta de atenção e despreparo do legislador, que não reflete sobre as conseqüências das leis que escrevem no mundo jurídico.

Revista Consultor Jurídico

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