A conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade

(*) Manuel Pinheiro Freitas

O tema das conversão da pena restritiva de direitos parcialmente cumprida em privativa de liberdade divide as opiniões dos estudiosos e aplicadores do Direito Penal. A discussão gira em torno da admissibilidade ou não de que o período de efetivo cumprimento da pena restritiva de direitos seja descontado na quantidade da pena privativa de liberdade ( originalmente imposta, substituída e reconvertida ) que o condenado terá que cumprir.

Entre os que defendem a admissibilidade estão penalistas dos mais festejados na atualidade. Não obstante, doutro lado, advogando a inadmissibilidade também estão perfilados autores não mesmos ilustres que os primeiros.

A jurisprudência também não chega a um entendimento uniforme sobre o assunto. Muitos são os julgados que admitem e os que não admitem o desconto do tempo de execução da pena susbstitutiva ( restritiva de direitos ) na pena reconvertida ( privativa de liberdade ).

Um bom exemplo do contraste pode ser dado com a comparação entre as decisões sobre a matéria dadas pelo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo e pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

” Pena restritiva de direitos. Condenado que deixar de prestar serviço à comunidade. Conversão em privativa de liberdade, descontando-se somente os dias em que realmente compareceu ao estabelecimento adequado. Em nome da lógica do razoável (…) quando o agente satisfez, rigorosamente, as penas restritivas de direitos até o dia da conversão, terá que ser cumprido tão só o restante da pena. Há, então, o desconto, na pena convertida, do tempo da pena restritiva de direitos já cumprida (…)”

(TACrSP – RA . Rel. Silva Pinto – RJD 4/26 e MBJ 77/1)

” Embora já cumprida parte da pena restritiva de direitos substituída, uma vez convertida para privativa de liberdade, será pelo tempo integral da pena aplicada, ut Inc. II do Art. 45 do C.P., descabida a compensação por algum período em que se tenha recolhido em virtude da mesma, pois a detração só alcança períodos anteriores à execução. É ininvocável a remissão não reconhecida por decisão do Juiz singular, ut Par. 3o do Art. 129 da Lei das Execuções Penais” ( TARS – HC – Rel. Luiz Gonzaga Pila Hofmeister – RT 652/330 e RTJE 76/252 ).

OPINIÃO

A sentença condenatória que fixa o quantum da pena privativa de liberdade a ser aplicada representa a justa composição da lide penal. Toda a operação lógica que vai desde a fixação da pena base, dentro dos limites cominados em abstrato e com base nas circunstâncias judiciais do Art. 59 do CP, passando pela análise das circunstâncias atenuantes e agravantes e das causas de aumento e de diminuição da pena; visa obter uma reprimenda justa, necessária e suficiente para a reprovação e a prevenção da criminalidade.

Se o legislador permitiu que essa mesma pena ( privativa de liberdade ) fosse substituída por outra ( restritiva de direitos ), com isso apenas buscou uma melhor individualização da sanção penal, sem renunciar àquelas finalidades mencionadas no parágrafo antecedente ( reprovação e prevenção do crime ).

Não é pelo fato de ser uma pena substitutiva da privação de liberdade, que a restrição de direitos pode ser considerada de categoria ou dignidade inferior. Muito ao contrário, a adoção das penas restritivas de direitos em substituição às privativas de liberdade cada vez mais revela-se como uma tendência mundial.

O uso cada dia mais freqüente das chamadas “penas alternativas” demonstra sua maior eficiência no mister de castigar, reeducar e ressocializar o infrator.

Pois bem, não nos parece justo simplesmente desconsiderar o lapso de tempo em que o condenado teve restringidos os seus direitos quando da reconversão da pena em privativa de liberdade.

De nenhuma serventia é a interpretação literal da disposição do Art. 45 do Código Penal, para vedar o abatimento do tempo de restrição na pena privativa de liberdade reconvertida. Nem mesmo a justificativa da Exposição de Motivos do Código Penal serve para auxiliar numa interpretação teleológica, quando fala em dotar de força coativa o cumprimento da pena restritiva de direitos. É que tendo sido o Estatuto Punitivo elaborado no regime de exceção do Estado Novo, nessa parte carece de sintonia com a ordem jurídica democrática proclamada pela Carta Constitucional de 1998.

Ofende ao sentimento comum de justiça que alguém receba dupla punição pelo mesmo fato. E é isso o que ocorre quando o período em que houve efetiva execução da restrição de direitos é ignorado e o condenado tem que cumprir a pena privativa de liberdade, originalmente imposta, em sua inteireza.

Inegável, como bem ensina MIRABETE que: “(…) havendo a conversão, favorável ou não ao sentenciado, conta-se na duração da pena convertida o prazo referente ao cumprimento da pena imposta originalmente. Não se trata, propriamente, de detração penal, que se refere à contagem do prazo de prisão anterior à execução, mas de real execução da pena imposta (…)”.

Colocando a questão em outros termos: quem passou vários meses prestando serviços à comunidade; ou sem poder exercer uma profissão ou ocupar um cargo público; ou recolhendo-se aos sábados e domingos em Casa de Albergado, até que acontecesse o fato ensejador da reconversão, cumpriu ou não uma pena? Recebeu, ou não, parte de uma sanção capaz de puni-lo e reeducá-lo para a vida em sociedade? A resposta é afirmativa.

Ou ainda, o Estado estaria disposto a ressarcir o tempo de serviço gratuito prestado nos orfanatos, nas escolas, nos hospitais, etc, já que dele o condenado não poderia se aproveitar? Ou seria lícito ao Estado locupletar-se, quando veda aos particulares que façam o mesmo? A resposta obviamente é negativa.

Então, melhor seria entender, tal como Alberto Silva Franco, que na locução legal ( Art. 45 do CP ) está implícito o adjetivo ” restante ” ao lado do substantivo pena. Apesar de alargar a literalidade do dispositivo, não há outra maneira de interpretá-lo em consonância com os princípios insertos na nova Constituição Federal.

Por todos os argumentos expostos, esperamos ter demonstrado que, em caso de reconversão, o tempo de efetiva execução da pena restritiva de direitos deve ser descontado na quantidade da pena privativa de liberdade que o condenado terá que cumprir.

BIBLIOGRAFIA:

DELMANTO, Celso, Código Penal Comentado, Ed. Renovar, 3a Edição, pp. 72 e ss.

FRANCO, Alberto Silva, Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, Ed. Revista dos Tribunais, 5a Edição, pp. 606 e ss.

JESUS, Damásio Evangelista, Código Penal Anotado, Ed. Saraiva, 5a Edição, pp. 137 e ss.

JESUS, Damásio Evangelista, Direito Penal, Vol. I, Ed. Saraiva, 19a Edição, pp. 466 e ss.

MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal, Ed, Atlas, 8a Edição, pp. 267 e ss.

Jurisprudência Criminal – CD-ROM Institucional da Associação Paulista do Ministério Público.

Jurisprudência Criminal – CD-ROM Juris Síntese – Vade Mecum Criminal – Versão MAI-JUN/97.

(*) O autor é Promotor de Justiça, Titular da 1ª Promotoria de Justiça de São Luiz do Curu-CE. mpfreitas@mcanet.com.br

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